Publicado em: 4 de agosto de 2025
É mostrando e noticiando fato por fato, muitas vezes cada um isoladamente parecendo ser “pequeno”, que se alerta um cenário real para discussões mais amplas de verdade. Mobilidade precisa estar presente nas políticas e decisões de outras pastas e setores. Os “ataques” do cotidiano são invisíveis
ADAMO BAZANI
É impressionante como os transportes coletivos estão cada vez mais sujeitos às externalidades que impactam na prestação dos serviços, na qualidade dos trabalhos, na percepção dos passageiros e sociedade em geral, a imagem e reputação do setor e até mesmo resultando em aumento de custos.
Casos como os recentes ataques a ônibus com pedradas em São Paulo, que desde 12 de junho de 2025, passaram de mil ocorrências, são extremos que saltam mais à vista da opinião pública. O Diário do Transporte foi o primeiro veículo de comunicação a noticiar e pautar a chamada de “grande mídia”. Talvez, a gravidade passaria desapercebida ou demoraria para que os demais canais de comunicação percebessem o tamanho do problema. Por isso, a importância de jornalistas profissionais em mídia especializada, não blogueiros, ou busólogos/ferrofans que têm páginas, perfis e sites e se autointitulam de jornalistas.
Mas a verdade é que os transportes coletivos há muito tempo sofrem ataques de diversas origens.
A violência urbana cotidiana, com as depredações corriqueiras, incêndios cada vez que morre um bandido, roubos e furtos de módulos e tacógrafos e assaltos, por exemplo, é uma delas, mas não só.
Há falta de infraestrutura nas cidades brasileiras, inclusive nas maiores e mais ricas também é outra faceta destes ataques diários, que são as externalidades. E a situação é tão gritante que quando falamos em falta de infraestrutura aí o caso nem é de corredores, BRTs (Bus Rapid Transit) ou linhas de trens e metrô. Mas do básico do básico mesmo, como uma via simples bem pavimentada, um “mero tapa-buraco”, um semáforo melhor sincronizado. Para se ter uma ideia, pela robustez dos ônibus brasileiros (desenvolvidos até mesmo por causa deste quadro), um coletivo que poderia ter vida útil de 20 anos ou até 30 anos, não dura sete ou oito anos e já começa a capengar aos quatro. Em outros países, por exemplo, a frota de ônibus urbanos é “velha”. Mas está numa situação bem melhor.
Os atrasos no cumprimento das partidas, que muitas vezes resultam em necessidade de colocar mais ônibus na linha para atender cada vez menos passageiros, ou em salgadas multas do gestor público, vêm em grande parte dos casos desta falta de política pública básica de trânsito. Fora as enchentes de Verão. Veja que é tão grave a situação que nem é falta de espaço prioritário ao transporte público: mas do mínimo para circular. Não bastasse o aumento de custos e desgastes na operação, tal quadro também é um dos fatores, em vias urbanas e rodovias, de diversos acidentes, que são um capítulo à parte dos ataques das externalidades.
Fora ainda a necessidade de linhas urbanas imensas, muitas vezes que ficam dando voltas em torno de si mesmas, por causa da falta de planejamento urbano com as residências das pessoas ainda muito distantes dos locais que oferecem emprego e renda.
A falta de uma política transparente na definição e destinação dos recursos arrecadados com impostos, em todas as instâncias do poder, também é outra faceta dos ataques constantes ao transporte público: Será que realmente falta dinheiro para subsidiar os transportes coletivos, deixando as tarifas para os usuários mais baixas, os serviços com maior qualidade e mais atrativos com tanto imposto que a gente paga? Ou será que o dinheiro está cada vez mais “malgasto”, sendo destinado ao transporte individual, a interesses que não são da coletividade ou a prioridades que não deveriam ser tão prioridades? Isso para não falar de corrupção e roubo.
A poluição é outro ataque também. Isso porque sobra apenas para os ônibus a “conta de ter de despoluir a atmosfera”. É verdade que os ônibus, por causa da matriz diesel têm sim um impacto importante. Mas não sozinho. Se exige a troca para modelos elétricos ou a gás e biometano (que precisa sim ser intensificada), altos investimentos, mas se deixa caminhões de 30 anos rodarem na mesma via. Além, claro, de não dar prioridade ao transporte público que, com fluidez, demandaria de menos ônibus para atender mais gente, com melhores velocidades teriam um melhor percentual de aproveitamento de queima de combustível e, com isso, menos poluição.
Percebam que os ataques, que são as externalidades, são vários e ocorrem todos os dias.
Mobilidade precisa estar presente nas políticas e decisões de outras pastas e setores, como entre as secretarias e ministérios de Segurança Pública, Justiça, Governo, Fazenda, Relações Institucionais, Exteriores, entre tantas outras.
Por isso, noticiar o “hardnews”, o factual, o cotidiano com essa visão, é fundamental. E o Diário do Transporte se propõe a isso, dando peso às ocorrências cotidianas, tratando com o mesmo cuidado, destaque e seriedade tanto a declaração de um líder mundial ou “analisando macros”, mas também noticiando o buraco na rua, a pane no trem, o atraso da linha de micro-ônibus do bairro, o assalto, o acidente, a pedrada, o vandalismo, a tarifa da “cidadezinha pequena e esquecida”, caso por caso, é que realmente contribuímos como mídia especializada.
É mostrando e noticiando fato por fato, muitas vezes que parece ser cada um ser “pequeno”, que se constrói um cenário para discussões mais amplas. Somente um míope, de visão curta, mal-intencionado ou não muito inteligente pode entender uma cobertura como essa como um “destaque ao lado negativo”, porque o “lado bom” vai ao ar também. Não noticiar, não vai mudar em nada a situação. É jogar o lixo para debaixo do tapete. É tratar a doença grave só com analgésico. A questão é como tudo é relatado.
E exemplos práticos não faltam: os casos de roubos e furtos de tacógrafos, que de tanto noticiarmos em São Paulo, a “grande mídia” também repercutiu…inquéritos e investigações por parte dos órgãos de segurança pública tiveram bons resultados. Acidentes que depois tiveram apurações melhores e provaram que muitas vezes o veículo de transporte coletivo foi envolvido em situações que pela falta de infraestrutura foram agravadas. Atrasos que depois se constataram que havia nós de trânsito. Panes em linhas de trens que ajudaram as empresas de ônibus a reprogramarem seus serviços. As quedas de passageiros das portas dos ônibus, até com mortes, que depois de tanto noticiadas se discutiu a questão dos “anjos da guarda” (bloqueadores de movimento do ônibus com as portas abertas), os vandalismos diários e, agora, os ataques. Além da cobertura dos segmentos rodoviários, como as resoluções diárias da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que balizam muitas tomadas de decisões das empresas, de diversos estados, como a questão da bilhetagem no Rio de Janeiro, decisões judiciais relevantes, como do acompanhamento do caso Itapemirim, novidades de tecnologia, entraves e oportunidades da eletrificação de frotas e a atenção especial a apoiadores e patrocinadores.
Transportes são isso: mão na massa, assim como o jornalismo. São fatos reais, não abstrações.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes, editor-chefe do Diário do Transporte (MTb-31.521)
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Repercussão com crédito na imagem e apuração da Notícia do Diário do Transporte que, na zona Leste da capital paulista, motoristas de ônibus foram obrigados a descer dos veículos para “tapar” buraco na rua –