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Transporte público não se fomenta com “ônibus presos no trânsito”, diz especialista em Portugal


Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil)

Professora de faculdades do Porto e Coimbra, Cecília Silva defende redistribuição do espaço urbano no país — problema que também atinge o Brasil, onde os ônibus seguem sem prioridade nas vias

ALEXANDRE PELEGI

A especialista em planejamento de transportes Cecília Silva afirmou que é contraproducente incentivar o uso do transporte público se os ônibus continuam presos nos congestionamentos urbanos. A declaração foi dada em entrevista à imprensa portuguesa e reflete uma realidade que também ocorre no Brasil: a falta de prioridade viária para os coletivos compromete a eficiência do sistema e afasta usuários.

Professora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), Cecília Silva defende a redistribuição do espaço urbano, priorizando a multimodalidade e reduzindo a dependência do automóvel.

O espaço público na cidade é limitado e, para que a multimodalidade exista, é preciso redistribuir o espaço entre os diversos modos de deslocamento. Nós não podemos querer que as pessoas andem de transporte público quando os ônibus estão presos no trânsito”, declarou.

Trânsito como problema estrutural

De acordo com a especialista, o trânsito é um problema estrutural das cidades e sua solução exige uma mudança de paradigma na forma como a mobilidade é organizada. O automóvel, que domina os deslocamentos urbanos, é considerado o modo mais ineficiente para esse contexto.

Ela lembra que o conceito de diversificação de modos de transporte vem sendo estudado desde a década de 1970, e que a União Europeia estruturou mecanismos de financiamento para a multimodalidade já no final do século XX. Portugal, porém, “perdeu esse trem”.

No Brasil, a crítica encontra paralelo imediato: apesar da criação de corredores exclusivos em algumas capitais, a maioria das cidades ainda mantém os ônibus presos em meio ao trânsito, sem prioridade real frente ao carro particular.

Bicicleta como alternativa de impacto

A professora destaca que mesmo pequenas mudanças poderiam ter efeitos relevantes. Se apenas 10% das viagens urbanas fossem feitas de bicicleta, já haveria redução equivalente no número de carros circulando, liberando espaço viário e melhorando a fluidez para todos.

Ela recorda que nos anos 1950 a 1970 Portugal tinha forte cultura ciclável, inclusive com participação das mulheres, vistas como protagonistas de uma mudança cultural quando pedalavam.

Cidades à escala humana

Se antes o foco era a multimodalidade, hoje o debate está na cidade à escala humana, alinhada ao conceito da “cidade dos 15 minutos”, que valoriza a proximidade entre moradia, trabalho e serviços básicos.

Qualidade de vida é poder sair de casa sem estar diante de uma avenida com cinco faixas de tráfego, ou permitir que a criança vá a pé para a escola com segurança, sem medo de acidentes de trânsito”, exemplificou.

O transporte público como projeto de cidade

Na avaliação do engenheiro e consultor Cláudio de Senna Frederico, vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), a reflexão de Cecília Silva dialoga diretamente com o debate brasileiro. Para ele, o transporte coletivo não deve ser visto apenas como alternativa ao automóvel, mas como instrumento central para viabilizar o modelo de cidade que se deseja construir.

“O transporte público pode gerar uma cidade radicalmente diferente: mais eficiente, democrática, econômica, gastando menos energia e agredindo menos o meio ambiente. A principal finalidade do transporte público é viabilizar um determinado tipo de cidade”, defende.

Já para o presidente da ANTP, Ailton Brasiliense Pires, o transporte público é um direito social e um dever do Estado. Ele defende a criação de políticas nacionais de mobilidade que integrem ônibus, metrôs, trens e modos não motorizados, com financiamento público sustentável. Para Ailton, não há mobilidade justa se a tarifa for o único pilar de sustentação econômica do sistema.

Já o superintendente da ANTP, Luiz Carlos Néspoli (Branco), a mobilidade não é apenas deslocamento, mas sobretudo inclusão social. Em suas análises, o transporte público deve ser visto como investimento estruturante para a economia urbana, capaz de ampliar acesso ao trabalho, à saúde e à educação. Para Branco, tratar o ônibus apenas como “custo” é um erro estratégico que perpetua congestionamentos e desigualdade.

O alerta histórico de Rogério Belda

A preocupação com o planejamento integrado do transporte público também esteve presente no pensamento de Rogério Belda, um dos principais nomes da mobilidade brasileira e um dos fundadores da ANTP. Ainda nos anos 1970 e 1980, quando o país enfrentava forte perda de usuários no transporte coletivo, Belda alertava que não bastava expandir a frota ou criar linhas isoladas: era preciso planejar a cidade em função do transporte, e não o contrário.

Sua visão antecipava debates que hoje voltam à tona, como a integração entre uso do solo e transporte, a necessidade de corredores estruturantes e a centralidade do transporte coletivo no ordenamento urbano. Para Belda, sem planejamento contínuo e de longo prazo, a mobilidade se transformaria em fator de exclusão social, empurrando a população para soluções individuais mais caras e ineficientes.

Impacto dos congestionamentos impede qualidade dos ônibus

O diretor-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), Francisco Christovam, também reforça a urgência do tema. Para ele, enquanto os ônibus disputarem espaço com os carros particulares nos congestionamentos, será impossível oferecer qualidade e regularidade ao passageiro. Christovam destaca que os tempos de viagem aumentam, os custos operacionais sobem e o transporte coletivo perde competitividade, gerando um círculo vicioso de perda de demanda.

Não há transporte público eficiente sem prioridade viária. O congestionamento urbano é um dos maiores inimigos do transporte coletivo e precisa ser enfrentado com políticas claras de gestão do espaço viário”, afirma.

Requalificação antes da tecnologia

O presidente do Sindiônibus do Ceará, Dimas Barreira, chamou a atenção em recente entrevista ao Diário do Transporte para a urgência de requalificar o transporte coletivo antes de priorizar a troca de frota, especialmente diante da crise de demanda persistente desde a pandemia. Ele destacou que frequência, regularidade e integração são pré-requisitos essenciais, e criticou ações que privilegiam visibilidade tecnológica em detrimento da operação.

Não faz sentido trocar tecnologia veicular se a frota é velha e insuficiente”, afirmou. E acrescentou: “Enfrentar o problema é difícil, exige firmeza e coordenação. O mais comum é se prender a soluções de visibilidade fácil, mas de impacto reduzido ou até negativo se aplicadas antes da hora.”

Lá como cá…

Assim, tanto em Portugal quanto no Brasil, os diagnósticos convergem: o transporte público não pode ser subsidiário ao automóvel, nem mero paliativo para congestionamentos. Como apontam Cecília Silva, Cláudio de Senna Frederico, Rogério Belda, Ailton Brasiliense Pires, Luiz Carlos Néspoli, Francisco Christovam e Dimas Barreira, a prioridade viária, o planejamento integrado e a visão de cidade estão no centro da mobilidade sustentável, capaz de devolver qualidade de vida e equidade ao espaço urbano.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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