Publicado em: 10 de setembro de 2025
Segundo especialistas em Fórum promovido pelo Transfretur, negociações coletivas deveriam nortear regras que, para alguns setores, podem dificultar investimentos pelo lado do empregador e reduzir interesse por continuar no ramo pelo lado do trabalhador
ADAMO BAZANI
Colaborou Vinícius de Oliveira
Da mesma forma que não se pode comparar as diferentes formas de transportes em aspectos como tributários, de prestação de serviços e operacionais, também não é prudente colocar mesmo balaio as relações trabalhistas.
As mudanças promovidas pelo STF (Superior Tribunal Federal) ao declarar inconstitucionais 11 pontos da Lei do Motorista (Lei dos Caminhoneiros – Lei nº 13.103/2015), no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5322, fazem justamente isso: colocam sob a mesma visão segmentos transporte cuja práticas são bem diferentes.
“As negociações coletivas deveriam nortear as regras específicas para cada segmento de transportes enquanto a lei zelaria pelos direitos fundamentais dos profissionais”.
A opinião é de especialistas reunidos no 1º Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo, promovido nesta quarta-feira, 10 de setembro de 2025, evento promovido pelo sindicato das empresas em São Paulo, Transfretur, que teve cobertura do Diário do Transporte.
Como mostrou a reportagem, na decisão do STF foram considerados inconstitucionais os dispositivos que admitem a redução do período mínimo de descanso, mediante seu fracionamento, e sua coincidência com os períodos de parada obrigatória do veículo estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB); a exclusão da jornada de trabalho e do cômputo de horas extras o tempo em que o motorista ficava esperando pela carga ou passageiro; e a possibilidade de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, também foi invalidada.
Quem abriu as palestras da mesa jurídica, promovida na parte da tarde, foi o desembargador Valdir Florindo, Presidente Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região (São Paulo).
Filho de motorista de ônibus que atuou em várias empresas, o desembargador lembrou no início de sua fala das dificuldades enfrentadas pelo pai, das longas jornadas de trabalho, do descanso quase zero e dos sacrifícios de vida. Graças ao motorista de ônibus, hoje há o presidente do maior TRT do País que possui miniaturas das empresas onde seu pai atuou guardadas em seu gabinete no tribunal.
Florindo lembrou que o pai não reclamava das empresas, apesar de todo o sacrifício diário. Pelo contrário, ele ensinava que se não fosse a empresa, não seria possível nem ter sacrifício que levaria à conquista, inclusive a do filho se formar e hoje presidir um TRT.
Mas, no decorrer da jornada de seu pai como motorista e sua própria como magistrado, Valdir Florindo viu que a necessidade de leis e regras protegerem os trabalhadores é muito mais que atender questões trabalhistas, é garantir a proteção do ser humano.
Só que isso não se dá na canetada fria e sim entendendo as especificidades de cada categoria e respeitando as negociações.
Assim, com um olhar de quem viveu a realidade da família de um motorista de ônibus, mas acima de tudo, sob a avaliação técnica, o desembargador Valdir Florindo considera um avanço, reconhecido pelo Supremo, que é dar maior força às negociações coletivas. E, agora, o próprio Supremo dificulta a aplicação desta possibilidade de as negociações coletivas resolverem as contendas jurídicas sobre a Lei dos Motoristas pelas declarações de Inconstitucionalidades dos 11 pontos da 13.103/2015 pelo julgamento da ADI 532.
O assessor jurídico Transfretur, Joel Bittencourt, em entrevista ao Diário do Transporte, explicou que o voto do ministro Alexandre de Moares no STF, que norteou a decisão do Supremo que mudou os 11 pontos da Lei, não levou em conta que os transportes de passageiros são diferentes dos transportes de cargas. E que dentro dos transportes de passageiros, há diferenças entre os segmentos urbanos/metropolitanos/suburbanos e semiurbanos, rodoviários regulares e fretamento.
“O voto do ministro Alexandre de Moraes foi fundamentado exclusivamente nas características do transporte de carga. Em todo o voto que fundamentou a inconstitucionalidade desses dois pontos, ele menciona estrada, ele menciona dificuldades de pontos de parada, ele não menciona em nenhum momento a palavra fretamento. E nós sabemos que as dificuldades que o setor de carga teve em relação ao intervalo entre jornadas que são aquelas onze horas de um dia para o outro, o ponto cerne da discussão foi as condições dos locais de parada dos motoristas. Isso para o setor de fretamento, ele é totalmente fora daquele contexto. O setor de fretamento se caracteriza principalmente pelo fato de o motorista ter um intervalo intrajornada superior a duas horas. Ele normalmente faz uma pegada pela manhã, ele faz uma pegada pela tarde e ele tem condições de descansar aquelas oito horas de um dia para o outro porque ele vai conseguir ficar na casa dele, portanto gozo na sua própria casa, sem estar à disposição da empresa, na sua própria residência, enquanto o transportador de carga ou rodoviário fica fora da sua residência. Esse ponto não foi discutido na DI 5322” -explicou.
O advogado ainda disse que é possível alterar este “nivelamento” de atividades diferentes por duas frentes: a de articulação política e a nos tribunais, sendo que segunda é mais arriscada, trabalhosa, demorada e vai lotar ainda mais os tribunais.
“São duas frentes, acredito eu. A primeira frente é uma frente política. Eu sempre disse que o setor de fretamento tem que ser mais protagonista juntamente com carga, juntamente com rodoviário, juntamente com urbano, ele tem que ser mais protagonista. Então, ele tem que ter a força política. Nós vimos hoje na discussão do tributário essa ausência dos fretamentos nas discussões da emenda constitucional a respeito da reforma tributária. O segundo eixo é através da negociação coletiva, para que se discuta no Supremo Tribunal Federal essa questão do intervalo inter jornada? Fazendo as discussões nas ações trabalhistas. Então, se eu tenho a negociação coletiva firmada com o sindicato dos empregados, eu posso discutir isso em primeira instância, posso discutir isso no Tribunal Geral do Trabalho, no TST e, finalmente, no próprio Supremo Tribunal Federal”. – complementou.
Representando os trabalhadores em transportes, e presente no evento das empresas, o assessor jurídico CNTTT e FTTRESP (Confederação – Nacional) e (Federação – São Paulo), Adilson R. Boaretto concorda que lei não pode ser generalista e tratar as diferentes modalidades de transportes da mesma maneira.
“A lei 3103 trata do transporte rodoviário muito mais voltado para o transporte de cargas, porém ainda abarca um pouco das questões do motorista de outras áreas de transporte, o motorista profissional, aquele remunerado ao volante. Então ela, de certa forma, de forma muito pontual, ela também abarca um pouco do motorista autônomo, do motorista no transporte de passageiros de uma forma geral. Predominantemente ela alcança o transporte rodoviário de carga. Claro que é difícil imaginar que regras construídas, predominantemente para o transporte de carga, possam ser aplicadas no setor de passageiros”. – disse
O representante das entidades de trabalhadores também defende que as questões específicas de cada segmento de transportes sejam resolvidas em negociações coletivas.
“A CNTTT, que eu assessoro, foi a autora dessa ação, questionou diversos dispositivos dessa lei porque representavam certos excessos ou retrocessos para os trabalhadores de uma maneira geral. Porém, o que se buscava e o que se busca hoje pela representação dos trabalhadores é que esses artigos que foram tidos por inconstitucionais possam ser reexaminados em negociação coletiva. Ou seja, que o motorista, através de seus representantes legais, possa decidir se ele fraciona ou não e quando fraciona o seu intervalo interjonada, se ele acumula ou não um descanso semanal por conta de ficar mais próximo de sua família, o que é uma angústia para o motorista, principalmente transporte de carga, ficar 50 dias fora. E nós estamos vendo que o setor de enfrentamento, no caso de turismo, por exemplo, assimilou muito bem o revezamento de dois motoristas durante viagens longas. Então, como que você muda isso de uma hora para outra e por que muda se estava bem assimilado, se isso não leva a nenhum prejuízo à saúde nem à segurança do motorista? Então, nós queremos sim, e estamos alinhados nesse aspecto, em discutir isso com o setor patronal, o setor de trabalhadores, todos os entes envolvidos para encontrarmos soluções, soluções negociadas onde os atores envolvidos, no caso motoristas de empresas, possam manifestar sua vontade, possam criar condições operacionais adequadas para que não haja esvaziamento da mão de obra, que por conta dessas dificuldades se sintam afetados”. – explicou ao Diário do Transporte.
REFORMA TRIBUTÁRIA: Na parte da manhã, como mostrou o Diário do Transporte, os debates no evento foram sobre os impactos da Reforma Tributária no setor de fretamento. Apesar de avanços, em geral, os efeitos serão mais prejudiciais que benéficos para o segmento. Conforme cordo com os palestrantes, os especialistas em Direito Tributário, Roxeli Martins e Maurício, da SLM Advogados, o fretamento pode ter um aumento de mais de 600% por causa da Reforma Tributária.
VEJA A ENTREVISTA NO VÍDEO E TRECHOS DA APRESENTAÇÃO NESTE LINK:
Adamo Bazani – Diário do Transporte
Como já havia mostrado o Diário do Transporte, segundo a assessoria de comunicação do STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5322/2015, a maioria dos ministros declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei dos Caminhoneiros (Lei 13.103/2015), referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Na mesma decisão, outros pontos da lei foram validados, como a exigência de exame toxicológico de motoristas profissionais.
A decisão foi tomada na sessão virtual concluída em 30/6, nos termos do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT).
Fracionamento de períodos de descanso
Foram considerados inconstitucionais os dispositivos que admitem a redução do período mínimo de descanso, mediante seu fracionamento, e sua coincidência com os períodos de parada obrigatória do veículo estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Segundo o relator, o descanso entre jornadas diárias, além do aspecto da recuperação física, reflete diretamente na segurança rodoviária, uma vez que permite ao motorista manter seu nível de concentração e cognição durante a condução do veículo. Ainda foram declarados inconstitucionais outros dispositivos que tratam do descanso entre jornadas e entre viagens.
No mesmo sentido, o fracionamento e acúmulo do descanso semanal foi invalidado por falta de amparo constitucional. “O descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível”, explicou o relator.
Tempo de espera
O Plenário também derrubou ponto da lei que excluía da jornada de trabalho e do cômputo de horas extras o tempo em que o motorista ficava esperando pela carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria.
Para o relator, a inversão de tratamento do instituto do tempo de espera representa uma descaracterização da relação de trabalho, além de causar prejuízo direto ao trabalhador, porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal nem como jornada extraordinária. Segundo o ministro, o motorista está à disposição do empregador durante o tempo de espera, e a retribuição devida por força do contrato de trabalho não poderia se dar em forma de ‘indenização’, por se tratar de tempo efetivo de serviço.
Descanso em movimento
A possibilidade de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, foi invalidada. “Não há como se imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada”, afirmou o relator, lembrando a precariedade de boa parte das estradas brasileiras. “Problemas de trepidação do veículo, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor, etc., são situações que agravariam a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo”.
Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (aposentado) e Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator com ressalvas.
ARTIGO | EXPLICAÇÃO |
Art. 235-C, Parágrafo 1º – Será considerado como trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso e descanso |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional o texto em destaque. |
Art. 235-C, Parágrafo 3º – Dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, são asseguradas 11 (onze) horas de descanso, |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional o fracionamento do intervalo interjornadas e que esse intervalo coincida com os períodos de parada obrigatória. |
Art. 235-C, Parágrafo 8º – São considerados tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional o trecho do artigo que estabelecia que o tempo de espera não são computados como jornada de trabalho ou horas extraordinárias. |
Art. 235-C, |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional o artigo que estabelecia que as horas relativas ao tempo de espera deveriam ser indenizadas na proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora normal. |
Parágrafo 12 – Durante o tempo de espera, o motorista poderá realizar movimentações necessárias do veículo, |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional a exclusão do tempo de espera da jornada de trabalho. |
Art. 235-D – Nas viagens de longa distância com duração superior a 7 (sete) dias, o repouso semanal será de 24 (vinte e quatro) horas por semana ou fração trabalhada, sem prejuízo do intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas, totalizando 35 (trinta e cinco) horas, |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional o trecho que permite que o repouso semanal remunerado em viagens de longa duração seja usufruído no retorno do motorista à base da empresa. |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF proibiu o fracionamento do repouso semanal. | |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional a possibilidade de usufruir de maneira diferida e cumulativa os repousos (descansos) semanais. | |
Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional a possibilidade de o repouso semanal ser realizado dentro do veículo em movimento, em caso de dois motoristas trabalhando no mesmo veículo. | |
Art. 235-E – Para o transporte de passageiros, serão observados os seguintes dispositivos:
[…]
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Através da ADI n° 5322/2022 (DOU de 12.07.2023), o STF declarou inconstitucional a possibilidade de o repouso semanal ser realizado dentro do veículo em movimento, em caso de dois motoristas trabalhando no mesmo veículo. |
CTB, Art. 67-C – É vedado ao motorista profissional dirigir por mais de 5 (cinco) horas e meia ininterruptas veículos de transporte rodoviário coletivo de passageiros ou de transporte rodoviário de cargas.
[…] Parágrafo 3º – O condutor é obrigado, dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, a observar o mínimo de 11 (onze) horas de descanso, |
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes