Publicado em: 15 de setembro de 2025
Muito mais que prolongar pistas e corredores, estes sistemas devem compreender conexões intermediárias entre diferentes infraestruturas para possibilitar viagens mais rápidas e com custos menores
ADAMO BAZANI
OUÇA O VICE-PRESIDENTE DA ANTP, CLAUDIO DE SENNA FREDERICO
OUÇA A ANALISTA DE MOBILIDADE URBANA DA NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) ANA CAROLINE TOMAZ
Quando se fala em sistemas de transportes não deve pensar apenas em obras e estruturas físicas, mas em conexões que permitem complementariedade entre diferentes modalidades de deslocamentos.
Assim, BRTs (Bus Rapid Transit) – corredores de ônibus de alta capacidade e velocidade – ou linhas metroferroviárias podem beneficiar comunidades distantes com uma abrangência que vai além de seus limites físicos. Tudo dependerá das integrações e conexões entre os transportes de menor capacidade destas comunidades e as redes de transportes de maior robustez.
O vice-presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), Claudio de SenNa Frederico, que foi Secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, diz que muito mais que mobilidade, as conexões entre os sistemas de alta capacidade e os transportes locais de municípios mais distantes garantem acesso mais digno, rápido e de menor custo dos moradores de cidades com menor infraestrutura a serviços que, geralmente, são encontrados nas capitais, como universidade públicas e hospitais de referência, por exemplo.
“O custo de BRTs para formar uma rede metropolitana de transporte público é muito mais do que uma boa ideia, é uma das aplicações mais adequadas a um BRT. As distâncias grandes e a separação das populações conforme você se afasta do centro da cidade, favorecem a aplicação de soluções mais baratas, mais rápidas de implantação. Nós temos um exemplo aqui em São Paulo, o Corredor ABD, de ônibus e trólebus, que liga toda a região do ABC, e que é uma das mais antigas aplicações desse conceito. O plano PITU (Plano Integrado de Transportes Urbanos) para 2020, em São Paulo já previa há muito mais de 25 anos a existência dessa rede metropolitana de BRTs, que infelizmente não foi implantada. E mais tarde, em 2005, a própria ANTP propôs um projeto de um anel metropolitano em BRT que até hoje está incompleto. Então, a ideia é muito interessante” – explicou.
A analista de mobilidade urbana da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), entidade que representa mais de mil empresas de ônibus pelo País, Ana Caroline Tomaz, diz que BRTs Metropolitanos enfrentam um desafio: eles passam por diversas cidades e nem sempre todos os prefeitos falam a mesma língua.
“Como o sistema envolve mais de uma cidade, é fundamental criar modelos de governança compartilhada que consigam planejar, cooperar e financiar o serviço de forma integrada. Já existem experiências no Brasil que mostram ser possível articular diferentes municípios em torno de uma mesma rede de transportes, trazendo ganhos para toda a região metropolitana”. – enfatizou
Na última semana, o Governador do Pará, Helder Barbalho, anunciou que foram iniciados estudos para incluir a cidade de Castanhal, que fica a 67 km da capital, nas integrações com o BRT Metropolitano da Grande Belém. Isso permitirá que o morador de Castanhal tenha acesso mais rápido e com menor custo, pagando tarifa de R$ 4,60, a malha física do BRT que cobre cidades como Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará. Relembre:
Segundo Cláudio de Sena Frederico, além de serem alternativas para facilitar o acesso da população das localidades desprovidas de recursos a serviços de melhor qualidade, os BRTs e trilhos metropolitanos podem ser incentivadores da indústria nacional de alta tecnologia de transportes. O BRT de Belém conta com ônibus elétricos produzidos por uma união de fabricantes com plantas nacionais, com Eletra pela tecnologia de tração elétrica; Mercedes-Benz que fornece as plataformas dos veículos, Caio com as carrocerias e WEG na produção de motores e baterias. Frederico lembra que o Metrô de São Paulo já fez isso em licitações há algumas décadas com resultados positivos, tanto em geração de empregos como de arrecadação dentro do Brasil.
“A outra coisa que se pode ver dessa ideia de Belém, do Pará, a própria licitação protegendo, promovendo a indústria nacional. Acho que isso é uma solução necessária que nós precisamos retornar, que ela já foi feita no Brasil no passado, na época do Metrô por exemplo, que é encarar os investimentos de transporte com instrumentos de apoio a indústria nacional.” – destacou Frederico
Ana Caroline destacou também que, além de benefícios sociais e à indústria moderna ligada aos transportes, os BRTs Metropolitanos conseguem estruturar toda a oferta e redes de mobilidade de uma região inteira.
“Além de cumprir uma função social essencial, o BRT tem a vantagem de estruturar a rede de transporte coletivo, com a possibilidade de integração tarifaria e conexão com outros modos de transporte. Dessa forma, os BRTs metropolitano não só podem, como devem ser vistos como solução viável para expandir o acesso a oportunidades, com benefícios claros, tanto para o usuário quanto para a organização das cidades. Os BRTs metropolitanos são, sem dúvida, uma alternativa estratégica para ampliar a integração entre grandes centros urbanos e cidades do entorno. Esse tipo de sistema é essencialmente planejado para transportar grandes volumes de passageiros, oferecendo meios mais rápidos de deslocamento, porque conta com corredores exclusivos e com prioridade de circulação, o que os torna, nessa situação, ideais para atender moradores de cidades que dependem de serviços de maior complexidade.”
Diante das necessidades de integrações regionais, o Brasil tem ainda pouquíssimos sistemas de trilhos, BRTs Metropolitanos ou corredores simples de ônibus com conexões locais. Entre alguns exemplos:
– Em operação/expansão estão o Eixão Anhanguera, na região metropolitana de Goiânia, o corredor Metropolitano ABD de ônibus e trólebus, no ABC Paulista, corredor Metropolitano Biléo Soares, na região de Campinas, no interior de São Paulo, e a chamada Linha Verde de Curitiba, para conexões com as cidades de Pinhais e Colombo e a esperança ainda de chegar em Fazenda Rio Grande.
– Estão em construção o BRT-ABC, entre o ABC e a capital paulista, que terá um modelo de veículo inédito no Brasil, o E-Trol, que reúne as tecnologias ônibus elétricos à bateria e vai se conectar como Corredor Metropolitano ABD, e o BRT Metropolitano de Mato Grosso, entre Várzea Grande e a capital Cuiabá, que também será com ônibus elétricos.
– Entre os pontos de contato de diferentes sistemas em projeto com andamento de obras, está, por exemplo, a integração entre o BRT do Rio de Janeiro com as cidades da Baixada Fluminense pela construção do Terminal Margaridas, cujas obras iniciaram em 06 de agosto de 2025. A estrutura será ponto de conexão entre o BRT municipal da capital BRT Transbrasil e os ônibus que atendem a moradores de Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Queimados, Japeri e Paracambi. Neste caso, os coletivos chegaram pela Rodovia Presidente Dutra ao Trevo das Margaridas, em Irajá.
Em relação a trilhos, também há muitas carências e atrasos. Exemplo é São Paulo. Com mais de 50 anos, apesar de ter uma gestão estadual, a rede de metrô de alta capacidade ainda tem abrangência municipal na capital paulista. A primeira linha que deve sair dos limites da capital será a 4-Amarela, hoje que parte da estação da Luz, no centro da cidade, até Vila Sônia, na zona Oeste, com previsão de as obras até a cidade vizinha de Taboão da Serra serem entregues entre 2028 e 2029. A linha 2-Verde, entre Vila Madalena, na zona Oeste da capital, e Vila Prudente, na zona Sudeste, só deve chegar em Guarulhos entre 2030 e 2031. A primeira fase, com prolongamento até a Penha, na zona Leste, ainda está em construção, com previsão de ser entregue em 2028. A Linha 20-Rosa, que conectará o ABC à capital paulista, está em fase de estudo básico, sem previsão definida para o início da operação, mas a estimativa do Governo de São Paulo é conclusão em apenas por volta de 2040.
HISTÓRIA:

De um dos berços das integrações metropolitanas no Brasil, entre Fazenda Rio Grande e Curitiba no fim dos anos 1980, e o BRT da Grande Belém, a ser inaugurado em outubro de 2025, diversos avanços tecnológicos, mas muito pouco em criação de redes
A conexão entre sistemas mais distantes e os que levam a capitais ou cidades com mais recursos não é um conceito recente na história da mobilidade brasileira.
Uma das raízes foi a MRIT – Rede Integrada de Transportes Metropolitanos entre as cidades de Mandirituba e Fazenda Rio Grande com a capital paranaense Curitiba. A implantação efetiva foi em 12 de março de 1989, mas desde o início dos anos 1970 já era pensada a criação de uma malha intermunicipal integrada.

Integração entre sistema municipal de Fazenda Rio Grande e o metropolitano ampliou a oferta de transportes para a cidade que começou a crescer depois do aperfeiçoamento dos serviços de mobilidade urbana. Arquivo/Leblon
Quando os transportes coletivos são bem geridos e operados, com a participação conjunta de empresas de ônibus, poder público e população, o desenvolvimento social e econômico de uma determinada região é quase que uma consequencia natural.
É o que revela a história das integrações no transporte de Curitiba e região metropolitana.
As primeiras cidades que começaram a oferecer um transporte mais organizado, com melhor estrutura e com menor custo de deslocamento sentiram logo nos primeiros meses um crescimento populacional.
Foi o que ocorreu com em Fazenda Rio Grande, distrito de Mandirituba, até sua emancipação em 26 de janeiro de 1990.
A região foi a primeira a oferecer transporte com integração tarifária, servindo de modelo para toda estruturação da MRIT – Rede Integrada de Transporte Metropolitano, que por sua vez, inspirou sistemas até mesmo de outros países.
Em 1988, o então prefeito de Mandirituba, Geraldo Cartário, decidiu implantar transporte gratuito entre Fazenda Rio Grande e a capital Curitiba.
Na ocasião, duas empresas de ônibus faziam o trajeto. No sentido Sul, ao lado direito da rodovia Régis Bittencourt – BR 116, os serviços eram prestados pela Leblon Transporte de Passageiros. No lado esquerdo, o transporte regular ficava a cargo da empresa Reunidas.
Os ônibus da prefeitura passaram, no mesmo período, a concorrer com as empresas que já operavam.
A demanda de passageiros começou a crescer expressivamente e os ônibus da prefeitura não davam contam de tanta gente.
O poder público municipal não conseguia arcar com a gratuidade e não tinha condições de ampliar a frota de ônibus da prefeitura.
Após negociações entre o então governador Álvaro Dias, o prefeito de Curitiba, Roberto Requião, e o prefeito Geraldo Cartário, no final de 1988, com o objetivo de beneficiar a população que morava em Fazenda Rio Grande e trabalhava gerando impostos para a Capital, foi elaborado um modelo de integração conectando pela primeira vez uma cidade da região metropolitana à RIT – Rede Integrada de Transporte de Curitiba.

Ônibus de Fazenda Rio Grande foram os primeiros a oferecer conexões metropolitanas com a RIT da capital paranaense. Veículos feitos pela Mafersa eram inovadores para a época. Arquivo/Leblon
A Reunidas acabou não fazendo parte deste acordo e passaria à Leblon a incumbência de atender os dois lados da BR 116.
A RIT foi idealizada em 1974 pelo prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, arquiteto e urbanista, e representou um avanço significativo nos transportes e na qualidade de vida dos cidadãos. Foi concebido um sistema de corredores de ônibus que priorizava o transporte coletivo no espaço urbano.
Em 12 de março de 1989, entrava em vigor de fato a integração que deu origem ao sistema MRIT – Rede Integrada de Transportes Metropolitanos, com um serviço alimentador municipal de Fazenda Rio Grande complementando a linha integrada metropolitana.
Os serviços se tornaram mais ágeis, além de os passageiros contarem com mais opções de linhas internas na região de Fazenda Rio Grande, favorecendo o crescimento habitacional, como explica, o diretor-presidente da Leblon Transporte, Haroldo Isaak
“Entre 1989 e 1992, houve um boom de crescimento em Fazenda Rio Grande. Várias pessoas se viram atraídas a morar na cidade e consequentemente este processo contribuiu para a emancipação do município. Isso ajudou a economia local, mesmo a cidade tendo a característica de dormitório. A arrecadação aumentou e com mais população, aos poucos a infraestrutura da cidade ia se aperfeiçoando”.
Apesar de a integração ter comprovado que o transporte foi um dos indutores do desenvolvimento da região de Fazenda Rio Grande, somente em 1996 é que foi consolidada a integração da região metropolitana com a entrada de novos municípios.
O sistema de integração que hoje é referência nacional em transportes, facilitando o ir e vir das pessoas, teve origem em Curitiba com os serviços urbanos e em Fazenda Rio Grande com os metropolitanos.
No entanto, todo este avanço que foi se aperfeiçoando com o passar do tempo e atendendo uma das exigências para uma oferta real de mobilidade urbana, que é diminuir o custo para o passageiro,foi sendo abalado a partir de desentendimentos políticos entre o governador do Paraná. Beto Richa, e o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, em 2015.
A desintegração financeira do sistema da RIT foi a primeira conseqüência desta falta de entendimento partidário. Os recursos para os ônibus municipais e para os metropolitanos voltaram a ser geridos de maneira separada.
Um cartão que era usado em 14 cidades se resumiu a Curitiba por causa do entrave. As demais cidades, para os ônibus metropolitanos, já adotam um sistema diferente. Inicialmente com vale de papel e depois um bilhete eletrônico separado.
Além disso, algumas linhas que eram integradas, como em Pinhais, foram isoladas da RIT e os passageiros precisam pagar duas tarifas.
Por questões político-partidárias, a expansão em poucos anos da integração ficou mesmo apenas na memória e no sonho.