Publicado em: 19 de setembro de 2025

Posse ocorre em meio a bloqueio orçamentário, escassez de pessoal e instabilidade em sistemas que comprometem a regulação do transporte coletivo interestadual e internacional
ALEXANDRE PELEGI
Em cerimônia realizada nesta terça-feira, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) empossou Guilherme Theo Sampaio como diretor-geral e Alex Antônio de Azevedo Cruz como diretor, para mandatos de cinco anos. Com isso, a diretoria colegiada da agência está completa. A cerimônia contou com autoridades do Executivo, Legislativo, Judiciário, órgãos de controle, setor produtivo e regulado, além de servidores da agência.
Perfil da nova gestão
* Guilherme Theo Sampaio é advogado, natural de Minas Gerais, ocupante interino do cargo desde fevereiro de 2025, após ter sido membro da diretoria desde 2021. Suas falas destacam continuidade: valorização dos servidores, modernização das concessões, integração logística, previsibilidade regulatória, segurança jurídica e foco no usuário.
* Alex Antônio de Azevedo Cruz, da Paraíba, com longa carreira no setor público, enfatiza ética, regionalização, diálogo institucional e sensibilidade às desigualdades regionais, citando a ferrovia Transnordestina como obra estratégica para integração de regiões menos atendidas.
Cenário macro: oportunidades e obstáculos
A posse ocorre em um momento em que há expectativas de que a ANTT exerça protagonismo na modernização da infraestrutura de transportes terrestres, em especial com investimentos expressivos e concessões em debate.
No entanto, além dos desafios já tradicionalmente apontados — como contratos complexos de concessão, necessidade de regularidade institucional e operacionalização de obras regionais — existem obstáculos específicos no campo do transporte coletivo de passageiros que ameaçam a eficácia das políticas regulatórias e a expansão de mercados.
Desafios no transporte coletivo de passageiros
Com base em análise recente do Diário do Transporte, os principais problemas que vêm afetando o setor sob regulação da ANTT são:
- Corte orçamentário significativo
Há bloqueio de cerca de R$ 74 milhões no orçamento da ANTT, o que corresponderia a aproximadamente 24% dos recursos previstos para o ano. Esse bloqueio tem impacto direto em contratos, aquisição de bens e manutenção, comprometendo serviços essenciais de regulação e fiscalização.
- Escassez de pessoal
A redução ou limitação de recursos acarretou diminuição da força de trabalho, sobretudo no quadro terceirizado, que representa parte substancial dos colaboradores da ANTT. Isso tem efeitos sobre a capacidade de exame de processos, de acompanhamento de operações e emissão de autos de infração.
- Falhas tecnológicas em sistemas essenciais
Plataformas estruturais da regulação do transporte coletivo rodoviário, tais como SIGMA, SISHAB2 e MONITRIIP, enfrentam instabilidade. Essas falhas prejudicam não só a fiscalização como também o acompanhamento regulatório, planejamento de autorização de novos mercados, operação das janelas de abertura para mercado e confiabilidade dos dados regulatórios.
- Atrasos na abertura de mercados desassistidos
A chamada “Janela de Abertura Extraordinária de Mercados” — processo pelo qual novos mercados de transporte de passageiros poderiam ser autorizados, inclusive em regiões cujos serviços são monopolizados ou pouco atendidos — está sendo afetada pelo conjunto dos problemas acima. A expectativa era que o procedimento fosse retomado em maio de 2025, com encaminhamento das taxas de inscrição, homologações e início de operações até setembro, mas isso ainda não se concretizou. ([Diário do Transporte][1])
- Incerteza para os prestadores e usuários
As empresas do setor enfrentam indefinições sobre regras, prazos e que condições serão exigidas, o que dificulta planejamento de investimento, expansão ou concorrência. Para os usuários, isso pode representar menor oferta de serviços, de rotas ou horários, além de possíveis impactos na qualidade do serviço.
Intersecção entre os desafios gerais e os específicos
Os desafios do transporte coletivo de passageiros agravam ou se somam a outros problemas estruturais enfrentados pela ANTT, tais como:
* A necessidade de estabilidade regulatória para garantir segurança jurídica, fatores esses já ressaltados pela nova direção.
* Pressão para que os novos contratos de concessão sejam bem desenhados, levando em conta capacidade institucional da agência para fiscalizar e acompanhar execução, inclusive com pessoal e sistemas adequados.
* O risco de que atrasos ou falhas nos processos regulatórios reduzam os benefícios esperados dos investimentos, ao postergar abertura de mercados, concorrência e a oferta de serviços em regiões menos atendidas.
Implicações práticas
A capacidade de execução da ANTT será testada nos próximos meses: como reagirá a nova gestão ao bloqueio orçamentário e à necessidade de recompor recursos ou priorizar ações estratégicas.
Se as falhas tecnológicas não forem contidas ou os sistemas não forem mantidos em operação estável, o acompanhamento regulatório, licenças, autorizações, fiscalizações ficarão comprometidas — com impacto direto sobre empresas, usuários e sobre o cumprimento de metas regulatórias.
Regulamentações, prazos e rotinas até então previstos em cronogramas poderão sofrer atrasos, o que pode gerar contestações judiciais ou litígios regulatórios.
Demandas de recomposição de pessoal, capacitação e tecnologia tendem a se tornar prioritárias para evitar perdas de eficiência e credibilidade.
Conclusão
A nova diretoria da ANTT assume em um cenário de expectativa de modernização ampla da infraestrutura de transportes terrestres. No entanto, para que essa expectativa se concretize — inclusive no transporte coletivo de passageiros — será necessário enfrentar, de forma transparente e eficaz, problemas orçamentários, de recursos humanos e tecnológicos. O sucesso da gestão dependerá menos de discursos e mais de resultados práticos: mercados autorizados, serviços efetivamente entregues, fiscalização confiável e impacto perceptível para usuários.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


