Publicado em: 18 de outubro de 2025
Advocacia Geral da União cita empresas como União, Princesa do Norte, Expresso Guanabara, Adyana (Buser), Flixbus, Andorinha, Progresso, Satélite Norte, Amarelinho, entre outras, e diz que quadro tem provocado insegurança no mercado. Existem 1.832 requerimentos nesta situação e mais de 300 ações judiciais
ADAMO BAZANI
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), por meio da AGU (Advocacia Geral da União), peticionou de maneira formal à presidência do TRT-1 (Tribunal Regional Federal – 1ª Região) que as decisões judiciais de processos de empresas de ônibus apliquem o novo marco regulatório sobre linhas interestaduais, uma vez que o conjunto de regras sobre estas ligações teve a legalidade e a aplicabilidade confirmadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A presidência do TRF1 é atualmente ocupada pelo desembargador federal João Batista Moreira e o tribunal é o maior entre as seis Regionais do Tribunal Federal do país, com jurisdição em 13 unidades da Federação (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
Na petição desta semana, em 13 de outubro de 2025, assinada pelos procuradores federais, Gledson de Lima Araujo, Flavio Macedo Ferreira e Fabrício Duarte Andrade, a ANTT alega que, na prática, diversas viações tentam valer seus pedidos de autorizações de linhas com base em resoluções (normas) da própria agência que já foram revogadas. Seria uma espécie de “tapetão jurídico” para obterem as autorizações sem atenderem às regras atuais que são mais exigentes.
A peça processual, na verdade, é um pedido para a “Instauração de um “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR”, um instrumento jurídico pelo qual uma ou mais partes de um processo verifica que há vários outros processos debatendo as mesmas questões (às vezes com má intenção movidas pelas mesmas pessoas e empresas) para conseguir a decisão pretendida.
No pedido, a ANTT diz que as decisões que confirmam autorizações com base em regras que não valem mais causam uma insegurança jurídica tanto no Governo Federal como no mercado de linhas de ônibus rodoviários. Segundo a Agência, existem atualmente 1382 pedidos de análise nesta situação e mais de 300 ações judiciais pleitreando a liberação de linhas com base em normas que não são mais válidas.
Assim, o cerne da controvérsia está no fato de que decisões judiciais vêm determinando a análise imediata de pedidos com base em regras já revogadas, o que gera insegurança jurídica e risco de desorganização do sistema regulatório. De um lado, as empresas alegam demora excessiva da ANTT na análise de requerimentos; de outro, a Agência sustenta que a paralisação e a demora decorreram de determinações legais e de controle externo, não de inércia administrativa, o que revela um embate entre a expectativa dos particulares em ver seus pleitos rapidamente atendidos e o dever da Administração de cumprir integralmente as exigências legais e regulatórias que garantem a segurança, a isonomia e a sustentabilidade do setor. Isso posto, destaque-se que, até a entrada em vigor da Resolução ANTT nº 6.033/2023, estavam em trâmite 1.832 (mil oitocentos e trinta e dois) requerimentos, de 265 (duzentas e sessenta e cinco) empresas, envolvendo 325.409 (trezentos e vinte e cinco mil, quatrocentos e nove) mercados, distribuídos entre mercados atendidos e desatendidos. Para se ter dimensão desse universo, conforme consta na planilha “Classificação e eficiência dos mercados – simulação base MAR23.xls”, disponível no site da ANTT relativo à Audiência Pública nº 6/2022, havia, em março de 2023, 47.055 (quarenta e sete mil e cinquenta e cinco) mercados atendidos, número bem inferior ao contido nos requerimentos pendentes de análise ou decisão. Importante perceber, neste ponto, o potencial “efeito multiplicador” causado pelas decisões judiciais que negam vigência ao novo marco regulatório. Levando-se em consideração que existem cerca de 1.832 (mil oitocentos e trinta e dois) requerimentos pendentes de análise, é inegável a insegurança jurídica e sistêmica que poderá se instalar caso todos aqueles que possuem requerimentos decidam ajuizar ações semelhantes, o que já vem ocorrendo em larga escala. Como forma ainda de evidenciar a repetitividade da questão jurídica, colaciona-se planilha com aproximadamente 300 ações que discutem as mesmas questões de direito do presente incidente.
Na petição, a ANTT cita ações como as movidas pela Empresa Auto Viação Progresso Ltda; Rio Novo Transportes e Turismo Ltda; Empresa de Transportes Andorinha S.A.; Expresso Satélite Norte Ltda; Viação Amarelinho Transporte de Passageiros Ltda; Vila Adyana Transporte de Passageiros Ltda; Expresso União Ltda; Empresa Princesa do Norte; Flixbus Transporte e Tecnologia do Brasil Ltda; entre outras.
A agência argumenta que, além da atual resolução que estipula o novo marco regulatório ter sido confirmada pelo TCU e STF, é necessário que as empresas comprovem a viabilidade das linhas e a capacidade técnica para operação, conforme as teses desenvolvidas pela AGU no incidente jurídico. Além disso, de acordo com a ANTT, “decisões judiciais podem artificialmente inviabilizar mercados” e as determinações judiciais contraditórias que concedem as linhas com base em normas que não valem mais prejudicam o princípio de isonomia, ou seja, de condições iguais entre todas as empresas,
Veja abaixo:
TESES QUE SERÃO ABORDADAS NO INCIDENTE
O quadro abaixo tem por finalidade sintetizar, em tópicos e subtópicos, todas as teses jurídicas desenvolvidas na peça, de modo a oferecer aos julgadores uma visão clara, organizada e objetiva dos principais argumentos apresentados neste incidente.
A – Observância do art. 47-B da Lei nº 10.233/2001:
Exigência legal e regulatória reconhecida pelo TCU e STF.
Constitucionalidade do regime de autorização confirmada nas ADIs 5549 e 6270.
Necessidade de viabilidade técnica, operacional e econômica para novas autorizações.
B – Inexistência de Ofensa ao Princípio da Confiança:
Resolução 6.013/2023 era transitória e previsível sua substituição.
Alteração normativa não foi inesperada, havendo amplo debate regulatório.
Doutrina: princípio da confiança não protege normas transitórias.
C – Inexistência de Direito Adquirido a Regime Jurídico:
Empresas devem se adequar ao novo marco (Resolução nº 6.033/2023).
Art. 47 da Lei 10.233/2001: não há direito adquirido à manutenção de condições anteriores.
Vacatio legis assegurou prazo para adaptação.
D – Inexistência de Direito pela Simples Protocolização:
Protocolo de pedido administrativo não gera direito adquirido.
Inaplicabilidade de normas anteriores aos requerimentos ainda não decididos.
Necessidade de adequação ao novo regulamento.
E – A atual regulamentação do tema pela ANTT (Resolução 6.033/2023) decorre diretamente de imposição advinda de julgado do TCU, posteriormente chancelado pelo STF nas ADI nº 5549 e 6270
F – Risco Regulatório e Deferência à Expertise da ANTT:
Intervenção judicial prematura prejudica outros requerentes.
Decisões judiciais podem artificialmente inviabilizar mercados.
STF reconhece deferência ao papel técnico das agências reguladoras.
Perigo de desorganização do sistema e prejuízos aos usuários.
- Janela Extraordinária (Resolução nº 6.033/2023):
ANTT regulamentou abertura de janela para avaliação de mercados pendentes.
Requerimentos devem ser processados dentro dessa sistemática, sob pena de insegurança e quebra da isonomia.
- Conclusão:
Aplicação obrigatória do novo marco regulatório (Resolução ANTT nº 6.033/2023 + art. 47-B da Lei nº 10.233/2001).
Impossibilidade de deferimento de pedidos com base em normas revogadas.
Risco de comprometer a estabilidade, eficiência e segurança jurídica do setor
Diante dos problemas apontados pela ANTT por esta corrida aos tribunais, a AGU pede que seja fixado um procedimento pelos juízes e desembargadores para que todas as análises de processos que pedem linhas interestaduais se baseiem nas normas em vigor. A agência, por meio da AGU, ainda quer que até a conclusão do julgamento sobre o incidente protocolado, sejam suspensos todos os processos das viações que pedem as autorizações com base nas normas que não estão mais em vigor.
PEDIDOS – Diante do exposto, requer:
- a) a distribuição por dependência ao processo paradigma: Apelação nº 1003141-87.2024.4.01.3400;
- b) a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR e sua admissão;
- c) a afetação do(s) processo(s) paradigma(s) ao presente incidente;
- d) a suspensão dos processos em curso que versem sobre a matéria controvertida, até o julgamento do IRDR (CPC, art. 982, I);
- e) a intimação do Ministério Público e demais legitimados para manifestação;
- f) ao final, seja fixada a tese jurídica aplicável a todos os casos repetitivos em trâmite no âmbito deste Tribunal, “pedidos administrativos de autorização para prestação de serviço público devem ser analisados com base na legislação vigente no momento da decisão administrativa, não havendo direito adquirido à aplicação de norma revogada”.
- g) seja a tese aplicada ao caso paradigma, em julgamento da apelação (parágrafo único do art. 978 do CPC).
A presidência do TRT ainda vai analisar o pedido sem prazo para resposta.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes