Publicado em: 21 de outubro de 2025
Hugo Motta autorizou criação de Comissão. Partidos na próxima semana vão designar parlamentares. Estudos mostram vantagens, mas que neste momento, ainda não é viável em cidades médias e grandes
ADAMO BAZANI
Colaborou Vinícius de Oliveira
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, autorizou a formação da Comissão Especial da Tarifa Zero para debater a viabilidade ou não da gratuidade em todo o País do acesso aos transportes coletivos por ônibus, trens e metrôs.
A informação foi do deputado federal Jilmar Tatto que comandou nesta terça-feira, 21 de outubro de 2025, uma audiência pública na casa que reuniu entidades sociais, empresariais, de prefeitos e especialistas.
Os partidos devem indicar os parlamentares que vão integrar esta comissão e a ideia é que percorram diversos estados para realizar audiências e encontros locais.
Na audiência desta terça-feira (21), foi quase consenso que as gratuidades podem trazer benefícios sociais e econômicos, além de democratizar o acesso de todos às cidades, mas ainda existem muitas dúvidas e que, aparentemente, o benefício não é viável neste momento, nas cidades médias e grandes.
Além do custeio, que hoje poderia chegar a R$ 100 bilhões por ano sem contar o crescimento da demanda de passageiros e dos gastos, há dúvidas como viabilizar a expansão da oferta de transportes e evitar a degradação dos serviços.
Para o vice-presidente da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre, sem pensar em estrutura, propagar tarifa zero é vender ilusão para a população.
“Se eu vou botar tarifa zero, significa que nós vamos aumentar a quantidade de passageiros. Então você tem que pensar em mais ônibus que não tem, tem de pensar em mais corredores, em mais terminais de ônibus, então, isso tem que ser um processo gradativo, não tem como sair de uma tarifa hoje e dizer que vai ter tarifa zero amanhã, isso é vender ilusão para o povo.” – destacou.
O diretor de gestão da NTU, associação que reúne as empresas de transportes de todo o País, Marcos Bicalho, exibiu um estudo da entidade que mostrou que hoje a tarifa zero para todos os passageiros e em todos os dias tem sido mais viável em cidades pequenas. Bicalho apontou para o risco de degradação dos serviços caso não haja um dimensionamento da oferta necessária para dar conta de mais usuários no transporte público.
“É um fenômeno que tem que ser observado, porque o aumento da demanda, se não for acompanhado do aumento da oferta, fatalmente nós teremos uma degradação na qualidade do serviço. Então é necessário que se tenha muita atenção na hora de se aplicar essa política, de como a gente vai enfrentar essa resposta da população a essa maior acessibilidade que está sendo ofertada nesse serviço público” – explicou.
Segundo estudo da NTU, atualmente, existem 170 cidades brasileiras com algum tipo de gratuidade nos transportes, além do que é determinado por leis federais, como para idosos e pessoas com deficiência. Destas, 132 cidades possuem a chamada tarifa zero universal, ou seja, para todos os usuários e em todos os dias da semana. Entretanto, destas cidades, 72% têm apenas até 50 mil habitantes.
O presidente da EPT (Empresa Pública de Transporte) de Maricá, no Rio de Janeiro, Celso Haddad, onde há tarifa zero desde 2014, explicou que a cidade tem se beneficiando do aumento de circulação nos transportes coletivos. Porém, assim como a demanda cresceu, a frota de ônibus teve de ser ampliada. Os ônibus da EPT pertencem à própria prefeitura.
O analista de Transporte e Mobilidade da CNM (Conselho Nacional de Municípios), Hernany Reis, disse que a questão não reside apenas no valor, mas de onde tirar o dinheiro do ponto de vista legal. Ou seja, não se pode destinar diversas arrecadações que foram apontadas como alternativas para este fim. Além disso, é necessário estudar o que diz a Emenda Constitucional nº 128/2022 (promulgada em 22 de dezembro de 2022) que acrescenta o § 7º ao art. 167 da Constituição Federal, proibindo que leis federais criem despesas para estados, Distrito Federal e municípios sem prever a fonte de financiamento correspondente. Ou seja, ela impede que a União imponha novos encargos financeiros aos outros entes federativos.
A integrante do Movimento Tarifa Zero do Rio de Janeiro, Maria Luiza, explicou que, na visão da organização, não se pode pensar na tarifa zero apenas do ponto de vista de custo, mas de Justiça Social, e que há exemplos de que a gratuidade nos transportes favorece até o acesso à segurança alimentar. Luiza citou a cidade de Paranaguá (PR) que registrou crescimento de 30% nas vendas do comércio, queda de 40% nos acidentes de trânsito e aumento de 200% na demanda do Restaurante Popular.
A diretora presidente da ANPTrilhos, entidade que reúne as empresas que operam metrôs e trens, Ana Patrizia, lembrou que está em debate no Congresso o chamando “marco legal do transporte coletivo”, que deve determinar novas regras de contratos, custeio e operações da mobilidade em todo o País. Para Patrízia, é necessário entender se estas novas regras, que ainda vão ser definidas, vão contemplar a tarifa zero e se as gratuidades serão compatíveis com os modelos contratuais que serão contemplados por este marco regulatório.
QUEM DIRIA, ANTES CRITICAVAM, AGORA, EMPRESÁRIOS DE ÔNIBUS DEFENDEM TARIFA ZERO QUE VIROU TÁBUA DE SALVAÇÃO PARA AS VIAÇÕES:
Algo que jamais se pensaria em meio aos protestos de junho de 2013, quando em diversas partes do País, movimentos sociais contestaram em ao menos 50 cidades os reajustes das passagens de ônibus urbanos e metropolitanos, passa a ocorrer agora: a tarifa zero passa a ser defendida pelas próprias viações.
O diretor do Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro, Paulo Valente, voltou a defender nesta sexta-feira, 08 de agosto de 2025, a gratuidade nos transportes coletivos, inclusive para a capital fluminense.
Em artigo, o dirigente diz que a não cobrança a quem ingressa nos ônibus, buscando outras formas de bancar o transporte coletivo, faz muito mais sentido hoje em dia que a “catracada”.
Relembre:
A própria NTU (Asociação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), que representa mais de mil viações em todo o Brasil, já amenizou bem o discurso antes severamente contrário às gratuidades, mas também aponta entraves e a necessidade de o debate amadurecer.
Especialistas, não ligados a movimentos sociais, também veem cenários positivos para tarifa zero irrestrita em cidades de médio e grande portes. Mas é necessário antes estruturar bem as formas de financiamento.
O engenheiro, mestre e doutorando em engenharia de transportes pela COPPE/URFJ, e pesquisador de temas da mobilidade urbana, Thadeu André Melo, analisou a pesquisa recente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), intitulada “Tarifa zero nas cidades do Brasil”, lançada em 2025
Segundo o levantamento, até maio de 2025, 154 cidades em todo o país haviam implementado a tarifa zero, seja de forma universal ou parcial. Ainda de acordo com os dados, 73% desses casos iniciaram há menos de cinco anos, com uma concentração expressiva entre 2021 e maio de 2025.
A pesquisa da NTU, no entanto, também apontou uma desaceleração no crescimento da “tarifa zero” a partir de 2024, com apenas dez novas iniciativas registradas naquele ano eleitoral, contrastando com os 18 casos de 2023. A maior parte das cidades que adotam a tarifa zero é de pequeno porte, com 79% (121) possuindo população total de até 100 mil habitantes. Embora a modalidade tenha aumentado na última década, ela ainda não atinge grande parte da população, pois as 12 cidades com mais de 100 mil habitantes que adotaram a tarifa zero universal reúnem menos de dois milhões de habitantes, um número muito menor que o das grandes metrópoles como Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo.
A cidade de São Paulo, entretanto, oferece tarifa zero irrestrita de forma parcial: aos domingos, no Natal, Ano Novo e no aniversário da cidade, em 25 de janeiro.
Para o especialista, uma verdadeira ampliação sustentável das gratuidades irrestritas seria possível com medidas como a criação de um Fundo Nacional de Mobilidade Urbana.
Thadeu André Melo citou exemplos recentes de “tarifas zero” que desidrataram ou pioraram os transportes por falta justamente de um base a sustentasse o sistema.
“O grande ponto é que o modelo atual não é escalável para cidades médias e grandes. Das 307 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, apenas 12 oferecem gratuidade total em todas as linhas. Isso é menos de 4% das cidades com mais de 100 mil habitantes atendidas por sistemas de transporte coletivo por ônibus. Sem fontes estáveis de custeio e planejamento técnico, o risco de precarização do serviço é muito alto. Vimos isso acontecer em Caucaia (CE) e Assis (SP), que precisaram reduzir frota e frequência para conter custos. A tarifa zero não pode ser vista apenas como uma decisão político-eleitoral pontual, mas sim como uma política pública estruturada, sustentada em bases técnicas, econômicas e legais”. – disse, na ocasião.
Em diversas cidades, empresas de ônibus relatam melhorias nos investimentos e oferta de transportes com a tarifa zero.

Ônibus da Vipe (Viação Padre Eustáquio), de São Caetano do Sul (SP), cidade “rica” da Região Metropolitana de São Paulo que possui gratuitade irrestrita nos ônibus.
Em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, a Vipe (Viação Padre Eustáquio), concessionária dos serviços municipais não só ampliou a frota e os horários, como tem renovado os ônibus. Na cidade, nenhum passageiro paga em qualquer dia da semana. O município é pequeno, com cerca de 170 mil habitantes, mas está na maior e mais importante região metropolitana brasileira, a de São Paulo.
Há um descompasso, porém, na procura pelos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e, em especial, dos ônibus intermunicipais metropolitanos operados pela NEXT Mobilidade, de outro grupo empresarial.
Dependendo do deslocamento, as pessoas têm preferido andar parte do trajeto a pé entre um ônibus municipal da Vipe gratuito, até o limite da cidade, e depois pegarem um municipal da cidade vizinha, que, em geral, possui tarifa menor que a do metropolitano e do trem.
Apesar de nem o Governo do Estado de São Paulo e nem a prefeitura da capital paulista divulgarem de forma explícita os impactos no Metrô e nos trens da tarifa zero dos ônibus municipais gerenciados pela SPTrans (São Paulo Transporte), a demanda dos coletivos sobre pneus aumentou aos domingos e muitos passageiros dizem que deixam de usar os trilhos.
Sendo assim, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, não basta apenas que um sistema seja gratuito, já que os diferentes serviços são interligados, tantos os municipais como os metropolitanos.
PEDIDO DE LULA, HADDAD CONSTRANGIDO, EX-SECRETÁRIO TATTO QUE DEFENDE, MAS NUNCA IMPLANTOU:
Como ostrou recentemente o Diário do Transporte, foi uma visita à cidade de Maricá (RJ), onde há gratuidade nos ônibus da EPT (Empresa Pública de Transportes), que empolgou o presidente Luís Inácio Lula da Silva, a pedir ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estudos dos custos para auxiliar as cidades e Estados a concederem tarifa-zero aos domingos e feriados nacionais. A ida de Lula à cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro foi ao lado ddo deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP).
Nas administrações da capital paulista, tanto durante o governo municipal de Marta Suplicy, como de Haddad, Tatto nunca implantou gratuidades.
Na cidade de São Paulo, a tarifa zero aos domingos e em três feriados para todos os passageiros foi instaurada em dezembro de 2023, na gestão do prefeito Ricardo Nunes. Na capital paulista, o custo estimado por ano é de quase R$ 600 milhões. Os feriados são: Ano Novo, Aniversário da cidade (25 de janeiro) e Natal.
O pedido de Lula a Haddad, que foi em público, durante reunião ministerial em 26 de agosto de 2025, deixou o titular da pasta da Fazenda em situação de constrangimento, que, na conversa com presidente, disse que há restrições orçamentárias para bancar isso no momento, mas prometeu estudar a questão.
Relembre:
Faltam definição do custo atual e estudos de impacto de crescimento da demanda pelos transportes. Onde foi instituída a Tarifa Zero cresceu o número de passageiros. O que é bom por um lado, também não deixa de significar uma elevação de custos imediatos operacionais, já que são necessários mais ônibus operando, mais motoristas, mais infraestrutura, o que custa dinheiro.
Uma das questões é que o retorno econômico de uma cidade esperado pela tarifa zero, com mais movimentação no comércio e menos trânsito, pode demorar um pouco para ser sentido enquanto a elevação dos gastos com frota maior de coletivos, mão de obra, estrutura e insumos é imediata. Assim, não deixa de ser uma aposta que precisa ser bancada e sem saber se os ganhos econômicos para as cidades seriam na mesma proporção que a elevação dos custos. Muito embora a tarifa zero tendo de ser encarada não apenas como medida econômica, mas de inclusão social e até incentivo cultural, o aspecto financeiro é importante de ser pensado, caso contrário, o benefício não se sustentaria.
Além disso, com o “cobertor-curto” das finanças da União, Estados e municípios, não só diante da arrecadação, mas das diversas necessidades em diferentes áreas, é preciso saber sobre o que é prioridade.
Na área de mobilidade, o Diário do Transporte, sobre este aspecto trouxe a seguinte notícia na reportagem “O que é melhor? Tarifa zero aos domingos ou infraestrutura para a mobilidade e ônibus e trens novos?”: Na mesma semana em que pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estudos para implantar uma tarifa zero nacional nos ônibus e trens aos domingos e feriados, enviando recursos para Estados e Municípios, o presidente Luís Inácio Lula da Silva mandou ao Congresso a proposta para o Orçamento de 2026 que reduz dinheiro do Ministério das Cidades, pasta que financia a construção de corredores BRT, metrôs e cuida de recursos que estimulam a aquisição de ônibus e trens novos, por exemplo.
A redução proposta foi de cerca de R$ 5 bilhões em relação a previsão Orçamentária de 2025. A previsão para o Ministério das Cidades foi consolidada em R$ 18,95 bilhões. Para 2026, a peça orçamentária prevê R$ 13,9 bilhões. O valor pode mudar com a votação final pelo Congresso e as emendas parlamentares, mas habitualmente, não sai muito do patamar proposto.
Relembre:
O Diário do Transporte ouviu o Superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), Luiz Carlos Néspoli, sobre a tarifa zero. Segundo o especialista, a estimativa hoje de uma tarifa-zero aos domingos e feriados nacionais em todo o País teria um custo menor que a redução de R$ 5 bilhões do Orçamento de 2026 para o Ministério das Cidades: R$ 3,5 bilhões por ano. A estimativa é com base na demanda e nos custos operacionais, em média, dos transportes nas principais cidades do País.
Relembre:
Mas outros apontamentos mostram que os valores podem ser maiores.
De acordo com cálculos da XP Investimentos, a gratuidade total no País, considerando todos os dias na semana, poderia custar R$ 57 bilhões por ano. Se fosse aos sábados e domingos, a gratuidade nas catracas custaria em torno de R$ 11,8 bilhões, e apenas aos domingos aproximadamente R$ 5,5 bilhões.
ÔNIBUS COM TARIFA ZERO:
ADAMO BAZANI, jornalista especializado em transportes – MTB 31.521 (formação superior)
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes