Publicado em: 6 de novembro de 2025

Zohran Mamdani vence eleição com propostas ousadas: tarifa zero no transporte, comida a preço de custo e aluguel social — e marca distância ideológica do trumpismo
ALEXANDRE PELEGI
Zohran Mamdani, 33 anos, ativista e deputado estadual até ontem, é o novo prefeito de Nova York. E trouxe com ele um cardápio de políticas públicas que parece mais saído de um manifesto que de uma planilha orçamentária: tarifa zero, aluguel social e comida sem lucro.
Três pilares que ele define como “as bases de uma cidade que volta a cuidar de quem vive nela — e não de quem especula sobre ela”.
O democrata socialista venceu a eleição de 4 de novembro com um discurso afiado contra o legado de Donald Trump e contra o que chama de “economia do medo”, que transforma necessidades básicas — comer, morar, se mover — em mercadoria de luxo. “Nova York não precisa de muros. Precisa de pontes, metrôs e mercados públicos”, repetiu nos debates, sempre em contraste direto com o populismo conservador que voltou a ganhar voz nos EUA.
Tarifa zero: o ponto de partida
Entre os três eixos da campanha, a tarifa zero foi o que mais empolgou. Mamdani defende transporte público gratuito como direito social e eixo de reorganização urbana: “Se o trabalhador gasta duas horas por dia e parte do salário só pra chegar ao trabalho, o sistema já falhou”.
A proposta é eliminar completamente a cobrança nas redes de metrô, ônibus e ferry, financiando o serviço com recursos do orçamento geral e tributos sobre grandes fortunas e imóveis ociosos.
Mais do que uma promessa de bilhete gratuito, o novo prefeito diz que quer mudar a forma como a cidade pensa mobilidade: “Transporte é o sangue da cidade; comida e moradia são o corpo. Tudo precisa pulsar junto.”
Comida sem lucro
O segundo pilar do seu programa parte de um raciocínio simples — e ousado: se a cidade compra comida em atacado, pode vendê-la ao mesmo preço.
A prefeitura passaria a operar uma rede de “supermercados públicos”, comprando alimentos em escala e revendendo ao povo sem margem de lucro.
A proposta mira em dois alvos: combater a insegurança alimentar e reduzir o custo de vida. Em bairros como o Bronx e o Brooklyn, onde os preços disparam e a renda média cai, o plano soa quase como um resgate. “Queremos que o tomate volte ao prato e não ao gráfico da inflação”, brincou Mamdani na noite da vitória.
Aluguel social e o direito de ficar
O terceiro vértice é o aluguel social, uma engenharia que transforma a prefeitura em fiadora solidária dos inquilinos.
O modelo é simples: o município garante o pagamento ao proprietário, e este, em troca, se compromete a reajustar o valor apenas pela inflação, e não pela especulação.
O programa promete evitar despejos, estabilizar bairros e reduzir deslocamentos forçados — conectando, de forma inédita, moradia e transporte.
Para o prefeito eleito, não há como falar em mobilidade urbana sem falar em endereço fixo e geladeira cheia:
“Se o aluguel expulsa, o ônibus não resolve. Se a comida falta, o metrô não leva ninguém adiante.”
Um contraponto direto a Trump
Mamdani venceu uma disputa marcada por discursos opostos ao trumpismo: enquanto o ex-presidente fala em “paredes e fronteiras”, o novo prefeito fala em “pontes, integração e redes”.
Sua vitória simboliza o avanço de uma geração de políticos progressistas que aposta em políticas públicas universais e estruturantes — menos ideologia de mercado, mais solidariedade cotidiana.
A imprensa local já chama o conjunto das propostas de “Plano 3C”: Comer, Casar (cidade e moradia) e Circular. Um trocadilho que ele mesmo aprovou: “Três verbos que sustentam qualquer cidade viva”, disse, rindo, na entrevista da vitória.
Transporte como costura urbana
O mote de sua equipe é “cidade interligada, não dividida”. O transporte, nessa lógica, deixa de ser apenas deslocamento e passa a ser o elo que conecta os outros direitos.
Sem tarifa, o ônibus vira extensão da moradia; o metrô leva ao mercado público; o deslocamento deixa de ser gasto e volta a ser encontro.
Economistas tradicionais questionam a viabilidade financeira do plano, mas os eleitores parecem ter respondido antes: preferem a ousadia ao conformismo.
E, como diz o próprio Mamdani, “ninguém paga pra respirar; por que pagar pra se mover?”.
Uma Nova York que quer voltar a ser cidade
O prefeito toma posse em janeiro e promete apresentar, nos primeiros 100 dias, o esboço do plano integrado de alimentação, moradia e mobilidade.
Entre o ceticismo do mercado e o entusiasmo das ruas, uma coisa é certa: Nova York se prepara para testar, outra vez, o limite entre o possível e o necessário.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


