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Lá fora, o ônibus ganha eleição. Aqui, ainda é tratado como problema


A vitória de Zohran Mamdani em Nova York recoloca a Tarifa Zero e a prioridade ao transporte coletivo no centro da disputa política — um debate que o Brasil evita, mas não poderá ignorar por muito tempo

ALEXANDRE PELEGI/ANA CAROLINA NUNES/DIMAS BARREIRA

A vitória de Zohran Mamdani em Nova York recoloca a Tarifa Zero e a prioridade ao transporte coletivo no centro da disputa política — um debate que o Brasil evita, mas não poderá ignorar por muito tempo.

Pela primeira vez em muito tempo, o transporte público se tornou o eixo central de uma campanha eleitoral em Nova York. A cidade que há décadas exporta imagens de engarrafamentos lendários e metrôs saturados viu, nesta eleição, o ônibus urbano ocupar o centro do debate político — não como símbolo de ineficiência, mas como promessa de transformação social, ambiental e econômica.

O fenômeno não é trivial. Tradicionalmente, as campanhas para a prefeitura nova-iorquina giram em torno de segurança pública, habitação e impostos. Mas a vitória de Zohran Mamdani, deputado estadual ligado ao movimento dos socialistas democráticos, marca uma virada: a mobilidade urbana se impôs como bandeira eleitoral de massa, capaz de mobilizar um eleitorado que depende diariamente dos ônibus — mais de um milhão de pessoas — e que, historicamente, nunca viu suas rotas e paradas como prioridade política.

A virada sobre rodas

A proposta de Mamdani é direta: tornar os ônibus gratuitos em toda a cidade, investir em corredores exclusivos e adotar políticas de priorização de tráfego que deem velocidade e confiabilidade ao transporte coletivo. Ele defende que o custo — estimado entre US$ 700 e 800 milhões por ano — seja coberto por tributação progressiva, incidindo sobre grandes corporações e rendas mais altas.

A medida, que pode parecer ousada, foi estrategicamente desenhada para dialogar com as desigualdades urbanas. Em Nova York, os ônibus são o modo mais usado pelas classes trabalhadoras, por comunidades negras, latinas e imigrantes. E são também o elo mais frágil do sistema de transporte: lentos, imprevisíveis, e frequentemente esquecidos nas grandes reformas.

O sucesso do corredor exclusivo da 14ª Street, implantado em 2019, tornou-se símbolo dessa virada possível. Lá, os ônibus ficaram até 47% mais rápidos, o número de passageiros cresceu 30%, e os acidentes caíram. A medida, tornada permanente em 2020, transformou o eixo: a velocidade média dos ônibus aumentou, o número de passageiros cresceu e o impacto no tráfego das ruas vizinhas foi mínimo. O corredor tornou-se referência internacional de prioridade viária e eficiência no transporte público, mostrando como o reordenamento urbano pode reduzir congestionamentos e melhorar a mobilidade sem grandes obras.

A promessa de replicar esse modelo em vias como a 34ª Street, porém, emperrou na administração do atual prefeito Eric Adams, que suspendeu o projeto alegando “falta de consenso local” — e acabou alimentando a narrativa de inércia e paralisia que embalou o discurso do adversário.

Quando o ônibus vira política

Ao colocar o ônibus no centro do debate, Mamdani transformou uma questão técnica — gestão de faixas exclusivas, bilhetagem, integração tarifária — em discurso de justiça social e direito à cidade. Em vez de falar apenas de congestionamento, ele falou de tempo perdido; em vez de custo operacional, de desigualdade de acesso; em vez de tarifa, de dignidade.

Esse deslocamento semântico é poderoso. O transporte público deixou de ser apenas um tema de urbanistas e especialistas para se tornar símbolo de governança democrática. O ônibus, antes invisível, passou a representar uma cidade que quer ser mais justa, mais ágil e menos dependente do automóvel — uma narrativa que ecoa debates semelhantes em várias capitais do mundo, inclusive no Brasil.

O caso nova-iorquino lança luz sobre uma mudança de paradigma: a mobilidade urbana volta a ser terreno de disputa política real.

Num tempo em que prefeitos e governadores ainda hesitam em bancar políticas de Tarifa Zero ou de priorização do transporte coletivo, a eleição em Nova York mostra que essas pautas podem, sim, vencer urnas.

Mais do que uma vitória eleitoral, é uma vitória simbólica. Significa dizer que, em 2025, um candidato pôde conquistar a cidade mais influente dos Estados Unidos falando de ônibus — e foi levado a sério por isso.

Talvez essa seja a verdadeira revolução sobre rodas: transformar o transporte público de um problema a ser resolvido em uma solução política e social a ser ampliada.


Alexandre Pelegi – Diário do Transporte/Podcast do Transporte e Revista dos Transportes Públicos da ANTP,

Ana Carolina Nunes – doutora em Administração Pública e Governo pela FGV e diretora da associação Cidadeapé;

Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus do Ceará e conselheiro da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) e do Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte).

Este artigo foi escrito coletivamente pelos participantes do painel “Amor e Ódio no Transporte Coletivo: a Comunicação pode virar esse jogo?”, realizado na Arena ANTP 2025.



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