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“Temos ônibus descarbonizado demais e política pública de menos”


Maurício Cunha, Vice-Presidente Industrial da Caio, em painel no Arena ANTP

Vice-presidente industrial da fabricante fala sobre sobrecapacidade, profissionalização do setor e novidades da marca em ônibus elétricos e de alta capacidade

ALEXANDRE PELEGI

A presença da Caio na ARENA ANTP 2025 trouxe um retrato preciso do momento vivido pela indústria brasileira de ônibus: uma corrida tecnológica acelerada, acompanhada por desafios estruturais que ainda travam a expansão das frotas descarbonizadas pelo país. Quem sintetizou esse ambiente foi o vice-presidente industrial da empresa, Maurício Cunha, convidado do Podcast do Transporte logo após participar de um dos painéis mais disputados do evento, dedicado à transição energética na mobilidade urbana.

Tecnologias avançam rápido, mas política pública não acompanha

Segundo Cunha, a oferta de soluções descarbonizantes já não é o gargalo. O mercado dispõe de múltiplas alternativas tecnológicas — do biodiesel hidrogenado aplicado em motores Euro 6 ao biometano, passando por híbridos com motor a etanol e novas arquiteturas elétricas.

“As tecnologias estão chegando mais rápido do que a capacidade dos sistemas de absorvê-las”, resume o executivo. A indústria brasileira, afirma, respondeu com rapidez e robustez, ampliando linhas de produção para atender a essa nova demanda. O problema é que a infraestrutura e o financiamento ainda caminham em ritmo muito mais lento.

Cunha destacou que o PAC, o Mover e outros programas federais são passos importantes, mas insuficientes. O setor espera condições mais competitivas de crédito, políticas industriais consistentes e maior volume de recursos. “É o que fazem Europa, China e Estados Unidos. O Brasil precisa proteger sua indústria, seus empregos e os impostos gerados aqui.”

Profissionalização: cidades avançam, mas ainda há grande desigualdade

Além do hardware, falta capacidade institucional. Municípios grandes contam com estruturas técnicas reconhecidas — como SPTrans, Urbs, SMTR e BHTrans — mas, nas cidades médias e pequenas, o secretário de transportes ainda precisa fazer tudo, sem equipe e sem formação específica.

“Há uma melhora clara nas capitais e regiões metropolitanas, mas o desafio está no Brasil profundo. As novas tecnologias exigem pessoal preparado, tanto do lado do operador quanto do poder público”, avaliou.

Indústria em ritmo “10.0”: adaptações constantes e sobrecapacidade

A velocidade das transformações mexe na espinha dorsal das fabricantes. As carrocerias precisam lidar com novos arranjos de propulsão, novos centros de gravidade, sistemas embarcados complexos e exigências crescentes de conforto e durabilidade. Por isso, afirma Cunha, o setor vive hoje um ambiente de produção febril, com protótipos e adaptações surgindo em ciclos curtíssimos.

O efeito colateral é a sobrecapacidade: as montadoras estão prontas para entregar mais do que o mercado consegue absorver no curto prazo. “Não é sobreoferta, é capacidade ociosa criada para atender a uma demanda que ainda depende de infraestrutura e financiamento.”

E-BRT: o novo salto da Caio para corredores de alta capacidade

O principal lançamento da Caio para esta nova fase da mobilidade urbana é o E-BRT, evolução do e-Milênio para corredores segregados. O modelo, apresentado a clientes em entregas iniciais, não foi exposto fisicamente no evento devido ao cronograma de produção, mas dominou as conversas nos estandes.

Trata-se de um veículo projetado especificamente para sistemas de maior escala, com inovações de acabamento, arquitetura elétrica otimizada e foco em robustez para operações intensivas. A receptividade, segundo Cunha, tem sido “espetacular”.

Além disso, a Caio mantém equipes dedicadas à integração com diferentes soluções de chassi e sistemas de tração elétrica, o que exige um ritmo contínuo de engenharia e testes.

Realidade brasileira exige veículos “treinados para buracos”

Cunha também abordou um ponto que costuma passar despercebido por quem não acompanha o setor: não existe ônibus igual no mundo inteiro. A operação brasileira, marcada por pavimentos irregulares, aclives, valetas e ausência de prioridade viária, exige veículos adaptados às condições locais.

“Modelos importados completos nunca vingaram aqui porque não suportam nossa realidade operacional. Na China, a infraestrutura é impecável. Aqui, o ônibus precisa aprender a rodar sobre buracos.”

O executivo reforça que, sem corredores prioritários, até o ônibus mais tecnológico enfrentará o mesmo congestionamento do diesel. “A prioridade beneficia o cidadão, não o operador.”

Indústria preparada, país em transição

A entrevista de Maurício Cunha na ARENA ANTP 2025 expõe um setor vibrante, capaz de inovar com rapidez e competir globalmente, mas que ainda depende de condições sistêmicas mais sólidas para transformar essa força em frotas limpas nas ruas. Entre avanços tecnológicos, desafios regulatórios e necessidade urgente de profissionalização municipal, a mensagem é clara: a descarbonização está ao alcance — desde que a política pública acompanhe o ritmo da indústria.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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