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“COP30 reforça urgência de fortalecer o transporte coletivo”, diz Francisco Christovam


Em entrevista, dirigente da NTU destaca o baixo impacto dos ônibus nas emissões nacionais e alerta para a necessidade de políticas que ampliem seu uso nas cidades

ALEXANDRE PELEGI

Às vésperas da COP30, que reúne em Belém representantes de 170 países para discutir o futuro climático do planeta, o transporte coletivo urbano volta ao centro do debate sobre sustentabilidade. Embora os ônibus respondam por menos de 1% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, segundo dados consolidados pela ANTP e pelo SEEG, especialistas defendem que o setor tem papel decisivo na melhoria da qualidade do ar nas cidades, na saúde pública e na redução da dependência do transporte individual motorizado — responsável pela maior parcela da poluição nos centros urbanos.

Para analisar o que está em jogo na conferência e qual deve ser a contribuição do transporte urbano brasileiro, o Diário do Transporte conversou com Francisco Christovam, CEO da NTU e uma das principais vozes do setor no país. Ele detalha a evolução tecnológica da frota, alerta para os riscos de eletrificações feitas sem planejamento e reforça uma mensagem central: a verdadeira transformação climática nas cidades começa quando mais pessoas deixam o carro e voltam a usar o ônibus.

A seguir, a íntegra da entrevista.

Diário do Transporte — A COP30 reúne representantes de 170 países para discutir mudanças climáticas. Como o transporte urbano brasileiro entra nesse debate?

Francisco Christovam — A COP30 é uma oportunidade decisiva para recolocar o transporte urbano no centro da agenda climática. Embora o Brasil responda por cerca de 3,1% das emissões globais de gases de efeito estufa, grande parte disso vem de mudanças no uso da terra e da agropecuária. No setor de energia — onde está o transporte — a participação é de 20%. E, dentro desse segmento, o transporte coletivo urbano tem um peso relativamente pequeno, mas estratégico do ponto de vista ambiental e social.

Diário do Transporte — Quando falamos especificamente dos ônibus urbanos, qual é o impacto real nas emissões nacionais?

Francisco Christovam — Ele é muito reduzido. Segundo estudo da ANTP, os ônibus urbanos a diesel — somados aos rodoviários e de fretamento — representam menos de 1% das emissões nacionais de GEE, algo em torno de 22 MtCO2eq frente aos 2,4 GtCO2eq do país. É importante reforçar isso: o transporte por ônibus não é o vilão climático que muitos imaginam. Mesmo assim, devemos buscar a redução contínua das emissões e a melhoria da qualidade do ar nas cidades.

Diário do Transporte — Ainda que o impacto percentual seja pequeno, a transição energética tem sido colocada como prioridade. O que fundamenta essa mudança?

Francisco Christovam — As emissões dos ônibus podem ser pequenas no total nacional, mas afetam diretamente a vida urbana — sobretudo em regiões densamente povoadas. Por isso, a descarbonização da frota é fundamental. Trata-se de reduzir poluentes de forma localizada, melhorar a saúde pública e tornar as cidades mais equilibradas ambientalmente. Além disso, o transporte coletivo é o grande indutor de mobilidade sustentável: quando o passageiro migra do carro ou da moto para o ônibus, o impacto positivo é imediato.

Diário do Transporte — Como você avalia a evolução tecnológica da frota ao longo dos anos?

Francisco Christovam — Houve avanços muito significativos. O Proconve foi decisivo para isso, estimulando a indústria e qualificando os combustíveis. O salto mais recente veio com a tecnologia EURO 6 (P8), introduzida em 2023, que reduz drasticamente material particulado e NOx. A simples substituição de veículos EURO 3 ou 5 por modelos EURO 6 já produz uma diferença enorme na qualidade do ar.

Diário do Transporte — E quanto às alternativas ao diesel? Hidrogênio, elétricos a bateria, biometano, HVO… Em que estágio estamos?

Francisco Christovam — Vivemos atualmente um momento de pluralidade tecnológica, mas ainda marcado por muita imaturidade comercial. O setor conta com diferentes alternativas em desenvolvimento, que vão desde ônibus elétricos a bateria e modelos movidos a hidrogênio até motores alimentados por biometano e biocombustíveis avançados, como o HVO e o BeVant. Todos têm potencial, mas demandam investimentos altos e infraestrutura robusta. O HVO, por exemplo, nem é produzido em escala no Brasil. O BeVant ainda está em testes. A tração elétrica é, hoje, a mais viável, mas mesmo ela exige planejamento profundo — e é justamente aí que muitas cidades estão tropeçando.

Diário do Transporte — Você se refere aos desafios enfrentados pelos municípios que estão eletrificando suas frotas?

Francisco Christovam — Exatamente. Hoje cerca de 30 cidades operam mais de mil ônibus elétricos. Mas quase todas enfrentam dificuldades que derivam da falta de projetos completos: infraestrutura elétrica inadequada, modelos de financiamento pouco estruturados, incertezas operacionais e impactos sobre garagens e rotinas. Não se troca uma frota de milhares de veículos apenas comprando ônibus; é preciso redesenhar sistemas.

Diário do Transporte — Muitos especialistas afirmam que, mais importante que trocar o tipo de combustível, é atrair passageiros. Você concorda?

Francisco Christovam — Sem dúvida. O maior impacto ambiental do transporte urbano não vem do tipo de motor — vem da substituição do transporte individual pelo coletivo. Um ônibus emite, por passageiro, cerca de oito vezes menos poluentes que um carro. Portanto, ampliar o uso do transporte coletivo é a ação mais imediata e eficiente para reduzir emissões nos centros urbanos. Para isso, precisamos melhorar o serviço: regularidade, integração, conforto, comunicação com os clientes, infraestrutura de pontos, abrigos, terminais. Sem um serviço de qualidade, nenhuma tecnologia nova garantirá sustentabilidade.

Diário do Transporte — A COP30 pode produzir recomendações importantes nesse sentido?

Francisco Christovam — Eu espero que sim. A COP30 deve reforçar a prioridade absoluta do transporte coletivo sobre o individual. E, além disso, deve apontar para novas formas de financiamento — tanto para custear a operação quanto para investir em frota e infraestrutura. Esse é o grande desafio brasileiro: tornar o sistema sustentável economicamente para que seja ambientalmente transformador.

Diário do Transporte — Para concluir: qual é a principal mensagem que o setor de transporte urbano deve levar à COP30?

Francisco Christovam — Que a descarbonização não é apenas uma questão tecnológica. É uma questão de política pública, de escolhas coletivas. Cidades que fortalecem o transporte coletivo ganham duas vezes: reduzem emissões e melhoram a qualidade de vida. A COP30 é uma oportunidade para o Brasil mostrar que pode liderar esse movimento.


O editor Adamo Bazani cobre presencialmente o evento em Belém, a convite da Eletra.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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