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Transporte público precisava voltar ao centro do debate nacional, afirma Jorge Carrer, diretor da Volkswagen Caminhões e Ônibus


Executivo destacou no Podcast do Transporte, em 29 de outubro, direto da Arena ANTP 2025, que insegurança jurídica, falta de planejamento e ausência de prioridade urbana travavam a retomada do setor

ALEXANDRE PELEGI

No estúdio presencial do Podcast do Transporte instalado na Arena ANTP 2025, em 29 de outubro, o diretor da Volkswagen Caminhões e Ônibus, Jorge Carrer, analisou o momento do transporte público brasileiro, as perspectivas de mercado para 2026 e a urgência de recolocar o tema no centro da agenda política e urbana. Entrevistado por Alexandre Pelegi, do Diário do Transporte, Carrer afirmou que sem prioridade ao transporte coletivo, segurança jurídica e planejamento de longo prazo, o setor não conseguiria recuperar passageiros nem avançar de forma consistente na renovação da frota.

Carrer observou que os eventos do setor nos últimos anos — da Lat.Bus à própria Arena ANTP — revelavam uma mudança importante de foco. Se há uma década predominava o discurso centrado apenas no produto, agora as discussões giravam em torno de desenvolvimento social, sustentabilidade, integração entre modos e desenho das cidades do futuro. Segundo o executivo, apesar das dificuldades econômicas e estruturais, havia um entendimento cada vez mais claro entre os agentes do setor de que o transporte público precisava ser tratado como serviço essencial, e não como tema periférico de gestão.

Ao falar sobre o mercado de ônibus, ele avaliou que, depois da recuperação registrada nos últimos anos após a pandemia, 2025 deveria encerrar com volumes semelhantes aos de 2024, sinalizando estabilidade. Para 2026, a expectativa era de manutenção desse patamar. Carrer destacou que a limitação não estava na capacidade da indústria ou dos operadores, mas no ambiente macroeconômico e político: juros elevados, incertezas ligadas ao calendário eleitoral e restrições de financiamento tenderiam a conter o ímpeto de novos investimentos.

Provocado sobre a dificuldade do setor em “furar a bolha” e dialogar com a sociedade, tema de um dos painéis da Arena ANTP, o executivo reforçou que o transporte coletivo ainda não conseguia ocupar, no debate público, o lugar compatível com o impacto que tinha na vida das pessoas. Casos como o de Fortaleza, onde o número de passageiros em 2023 ficou abaixo do registrado durante a própria pandemia, ilustravam um quadro preocupante. Enquanto isso, o transporte individual, os aplicativos e outras alternativas ocupavam o espaço deixado pelo serviço público de ônibus, muitas vezes sem a contrapartida em políticas de prioridade viária e infraestrutura.

Para Carrer, o usuário não decidia sua forma de deslocamento em função da tecnologia embarcada ou do tipo de combustível, mas da qualidade do serviço. Ele queria ônibus relativamente novos, com ar-condicionado, conforto, menos superlotação, regularidade, segurança e prioridade no trânsito para chegar mais rápido em casa ou no trabalho. Quando o sistema não oferecia essas condições, a escolha recaía naturalmente sobre outras opções, por mais caras ou menos sustentáveis que fossem. Por isso, ele argumentou que a centralidade do debate deveria estar na qualidade do transporte público como solução de mobilidade, e não apenas em rótulos tecnológicos.

Nesse contexto, o marco legal do transporte público urbano — discutido em sucessivos eventos da ANTP e da NTU nos últimos anos — aparecia como peça-chave. Carrer considerou que o país já havia passado do ponto em que seria admissível seguir sem um arcabouço regulatório moderno e estável. Segundo ele, não era correto atribuir exclusivamente aos operadores a responsabilidade pela baixa qualidade percebida em muitos sistemas, como se houvesse falta de vontade em investir ou inovar. O que travava decisões de longo prazo, afirmou, era a insegurança jurídica e a ausência de regras claras e previsíveis para contratos, remuneração, metas de desempenho e continuidade dos serviços.

O executivo destacou que o novo marco legal do transporte rodoviário interestadual, sob regulação da ANTT, era um exemplo de como segurança regulatória podia induzir investimentos. A partir da nova legislação, empresas passaram a renovar frotas com veículos de maior conforto — Double Decker, leito, leito-cama — e a disputar passageiros com o transporte aéreo em condições mais equilibradas. A mesma lógica, para ele, precisava chegar ao transporte urbano por ônibus, sob pena de o serviço continuar preso a um círculo vicioso: baixa qualidade afastava passageiros, a queda de demanda corroía receitas, a falta de recursos impedia investimentos e o sistema se deteriorava ainda mais.

Ao tratar da transição energética, Carrer defendeu uma visão pragmática e não dogmática. A eletromobilidade, afirmou, tinha papel fundamental na redução de emissões e na modernização tecnológica dos sistemas, mas não podia ser encarada como solução única ou imediata num país de dimensões continentais e forte desigualdade social. Ele lembrou que a frota brasileira de ônibus urbanos era, em média, muito envelhecida, e que a implantação de projetos elétricos em escala exigia duas condições básicas que raramente eram atendidas: financiamento adequado e planejamento de longo prazo de infraestrutura, garagens, rede elétrica e operação.

O foco exclusivo no ônibus elétrico, na visão do executivo, podia acabar paralisando a renovação da frota como um todo. Ele citou o exemplo de São Paulo, onde a restrição à entrada de novos veículos a diesel antecedeu por poucos meses a chegada dos modelos Euro 6. O resultado foi manter em circulação ônibus mais antigos e poluentes, que poderiam já ter sido substituídos por veículos com tecnologia mais limpa, ainda que a combustão. Em vez de proibir de forma abrupta alternativas disponíveis, seria mais racional aproveitar o portfólio de tecnologias já maduras, enquanto projetos elétricos ganhavam escala de forma planejada.

Carrer lembrou que o Brasil tinha uma vantagem estratégica em relação a muitos países: a possibilidade de construir uma matriz energética diversificada. Além da eletromobilidade, havia espaço para o Euro 6 com alto padrão tecnológico, o uso de gás e biometano em regiões com forte produção de resíduos e biogás, o desenvolvimento de combustíveis como diesel verde e, potencialmente, o aproveitamento do etanol em novas soluções. Segundo ele, o debate excessivamente concentrado apenas na eletricidade podia estar atrasando o uso mais inteligente desse conjunto de possibilidades e, consequentemente, a melhoria concreta da qualidade do ar e do serviço prestado à população.

Programas federais como Caminho da Escola e iniciativas anteriores de renovação de frota intermunicipal foram citados como importantes para manter a indústria ativa e levar veículos novos a diferentes regiões do país. Ainda assim, Carrer ressaltou que o Brasil precisava ir além de ações pontuais e construir políticas permanentes, capazes de atravessar ciclos eleitorais e garantir continuidade nos investimentos. A combinação de marco regulatório estável, fontes de financiamento de longo prazo e planejamento urbano que priorizasse o transporte coletivo era, na sua visão, o caminho para que as cidades brasileiras conseguissem reverter a perda de passageiros e tornar o ônibus uma opção competitiva frente ao automóvel e à motocicleta.

Ao longo da conversa, o executivo voltou à ideia de que “o bom é inimigo do ótimo”, frase lembrada na entrevista em referência às discussões históricas sobre infraestrutura no país. Em vez de esperar soluções perfeitas e integralmente elétricas em contextos sem base financeira e institucional para isso, seria mais eficaz acelerar a renovação com tecnologias já disponíveis, menos poluentes e mais confortáveis, enquanto se construía gradualmente o ambiente necessário para a transição energética em maior escala.

Carrer concluiu que o transporte público precisava, urgentemente, voltar ao centro do debate nacional. Em sua avaliação, tratava-se de um serviço que impactava a vida das pessoas todos os dias, do momento em que saíam de casa até a hora em que retornavam, influenciando tempo de deslocamento, saúde, segurança, acesso ao emprego e qualidade de vida. Recolocar o tema na agenda de políticas públicas, especialmente em anos eleitorais, significava discutir orçamento, prioridades urbanas, marcos legais e modelos de financiamento. Sem isso, afirmou, o setor continuaria reagindo aos problemas, em vez de liderar a construção de cidades mais justas, eficientes e sustentáveis.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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