Publicado em: 15 de dezembro de 2025

Ex-técnico do Geipot/EBTU, engenheiro Batinga, que foi superintendente de transportes urbanos de três capitais, defende política nacional com governança federativa, fontes de financiamento definidas e implementação inicial em cidades médias
ALEXANDRE PELEGI
A discussão sobre um novo modelo nacional para o transporte coletivo urbano volta ao centro do debate diante da crise estrutural dos sistemas, da fragmentação institucional e das dificuldades de financiamento. Para o engenheiro Carlos Batinga, que teve papel direto tanto no planejamento de transportes nas décadas de 1970 e 1980 quando na implantação do SUS em nível municipal, o Brasil já viveu experiências bem-sucedidas que podem servir de base para um Sistema Único de Mobilidade (SUM).
Nesta entrevista ao Diário do Transporte, Alexandre Pelegi conversa com Batinga sobre o passado do planejamento urbano, as lições do SUS e os caminhos possíveis para estruturar uma política nacional de mobilidade.
Carlos Batinga foi técnico do Geipot/EBTU, além de Superintendente de Transportes Urbanos de Natal, Salvador e João Pessoa, além de prefeito de Monteiro (PB) e deputado estadual na Paraíba.
Leia a entrevista na íntegra:
Alexandre Pelegi – Diário do Transporte: Quando você olha para trás, para o início do planejamento urbano no Brasil, o que mais chama atenção naquele período?
Carlos Batinga: Chama atenção o fato de que houve método, estratégia e investimento em pessoas. Nos anos 1970, quando começaram os primeiros planos diretores de transportes urbanos, o país tinha apenas nove regiões metropolitanas. Não havia equipes técnicas locais capacitadas, então o GEIPOT selecionou cerca de cem profissionais recém-formados e os incluiu num programa estruturado de capacitação em planejamento de transportes urbanos, com apoio de consultores nacionais e internacionais e participação da Universidade de Brasília.
Diário do Transporte: Essa formação técnica teve impacto direto nos planos diretores que vieram depois?
Carlos Batinga: Sem dúvida. Após a capacitação, esses técnicos foram distribuídos pelas regiões metropolitanas para executar os planos diretores. Mais tarde, parte deles participou de uma segunda etapa, quando os planos se expandiram para outras capitais e cidades médias, dentro do convênio EBTU/BIRD. O conhecimento não ficou concentrado: ele se espalhou pelo país.
Diário do Transporte: Como funcionava a articulação entre governo federal, estados e municípios nesse modelo?
Carlos Batinga: O convênio EBTU/BIRD exigia contrapartida institucional. Estados e municípios precisavam alocar equipes locais, que também eram capacitadas com a mesma grade curricular. A EBTU custeava essa formação. O resultado foi a criação de equipes técnicas espalhadas pelo Brasil, trabalhando junto com o GEIPOT e consultores, sob uma coordenação clara e com objetivos bem definidos.
Diário do Transporte: Esse processo ajudou a estruturar os órgãos gestores locais?
Carlos Batinga: Sim. Essas equipes formaram a base dos recursos humanos que deram origem aos órgãos de gerência locais e regionais. Além disso, houve o Projeto Aglurb, que viabilizou a implantação da infraestrutura prevista nos planos diretores, com financiamento federal e contrapartida local. Tudo estava encadeado: planejamento, capacitação, projetos e recursos para execução.
Diário do Transporte: Na sua avaliação, por que esse modelo acabou se perdendo ao longo do tempo?
Carlos Batinga: Ele foi desmontado gradualmente, há quase três décadas, sem que outro modelo sistêmico o substituísse. Perdemos a lógica de continuidade, a coordenação nacional e, principalmente, a formação estruturada de quadros técnicos. Hoje sentimos falta exatamente disso.
Diário do Transporte: É nesse contexto que surge a ideia do Sistema Único de Mobilidade (SUM)?
Carlos Batinga: Exatamente. Diante da busca por caminhos para melhorar o transporte coletivo urbano, o SUM surge como uma alternativa lógica e viável, inspirada diretamente no SUS. Não se trata de copiar, mas de aprender com uma experiência que deu certo.
Diário do Transporte: Você viveu de perto a implantação do SUS. O que essa experiência ensina para a mobilidade?
Carlos Batinga: O SUS foi criado na Constituição de 1988, mas só começou a funcionar de fato cerca de dez anos depois. Foi necessário criar regulamentos, procedimentos, conselhos de controle social, capacitar equipes, formar comissões intergestores. Em 1998, como prefeito de Monteiro (PB), participei de uma experiência piloto de municipalização, com acompanhamento direto do Ministério da Saúde e do Estado. O foco era ajustar sistemas, formar equipes locais e, só então, expandir.
Diário do Transporte: Como essa lógica poderia ser aplicada ao transporte urbano?
Carlos Batinga: O SUM precisa primeiro ser aprovado como política pública nacional. Depois, devem ser definidas regras, fontes de financiamento e conselhos gestores com participação da sociedade civil. Só então faz sentido implementar projetos-piloto em poucas cidades médias, onde exista alinhamento político entre União, estados e municípios.
Diário do Transporte: Há espaço para discutir tarifa zero dentro desse modelo?
Carlos Batinga: Sim, mas como consequência, não como ponto de partida. Um sistema estruturado como o SUM pode abrir caminho para discutir tarifa zero no futuro. Começar pelo mais ousado, sem construir as bases institucionais e financeiras, leva fatalmente ao fracasso.
Diário do Transporte: Para finalizar, você acredita que o país está pronto para retomar esse caminho?
Carlos Batinga: Acredito firmemente que sim, desde que haja vontade política, planejamento e respeito às etapas. O Brasil já fez isso antes. Basta reaprender com a própria história.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


