Publicado em: 26 de dezembro de 2025

Nova política tarifária rompe com o modelo de bilhetes de curto prazo e aposta no uso recorrente do transporte público na capital da Arábia Saudita
ALEXANDRE PELEGI
A cidade de Riyadh, capital da Arábia Saudita, anunciou uma mudança inédita na política tarifária do seu sistema de transporte público, com foco direto na redução do uso do automóvel. A partir de 1º de janeiro de 2026, o metrô e os ônibus integrados passarão a oferecer passes anuais e passes semestrais para estudantes, com viagens ilimitadas, medida pensada para estimular o uso contínuo do transporte coletivo e consolidá-lo como alternativa cotidiana ao carro particular.
É a primeira vez que o sistema de transporte público da capital saudita adota produtos tarifários permanentes de média e longa duração. Até então, o modelo estava restrito a bilhetes avulsos e passes por tempo limitado, válidos por horas, dias ou, no máximo, 30 dias, o que dificultava a fidelização de usuários frequentes.
O que muda na prática
Com a nova política, passam a existir opções tarifárias fixas e de longo prazo, que permitem ao usuário utilizar metrô e ônibus de forma ilimitada, sem a necessidade de recargas constantes. A mudança beneficia principalmente trabalhadores e estudantes, que realizam deslocamentos diários e passam a ter previsibilidade de gastos e maior simplicidade no uso do sistema.
Os passes anuais serão voltados ao público em geral, enquanto os passes semestrais com condições diferenciadas atenderão estudantes regularmente matriculados. O objetivo é tornar o transporte público mais competitivo em relação ao automóvel, especialmente para quem se desloca todos os dias dentro da cidade.
Ruptura com o modelo anterior
Embora o sistema de Riyadh já conte com passes válidos por períodos curtos — como bilhetes por horas, dias ou até um mês —, não existia até agora um produto tarifário permanente voltado ao uso contínuo ao longo de vários meses ou de um ano inteiro.
A introdução dos passes anuais e estudantis representa, portanto, uma mudança estrutural na lógica tarifária, ao criar planos voltados à média e longa duração, com preços fixos e regras claras, reduzindo barreiras ao uso frequente do transporte público.
Transporte público como política de mobilidade
Segundo o governo saudita, a medida faz parte de uma estratégia mais ampla para reorganizar a mobilidade urbana de Riyadh, reduzindo a dependência do automóvel, melhorando a eficiência dos deslocamentos e fortalecendo o papel do metrô e dos ônibus como eixos estruturantes da cidade.
A expectativa é que a política tarifária ajude a mudar o comportamento dos usuários, ampliando a base de passageiros recorrentes, aumentando a previsibilidade da demanda e melhor aproveitando a infraestrutura de transporte já implantada.]
Papel do metrô na capital saudita
O metrô de Riyadh integra um dos maiores projetos de transporte público do Oriente Médio e foi concebido para funcionar como a espinha dorsal da mobilidade urbana da capital, em integração com corredores de ônibus e outros serviços coletivos.
A criação de passes ilimitados de longa duração reforça essa estratégia ao aproximar o custo e a conveniência do transporte público da lógica de uso do automóvel, incentivando a população a adotar o metrô e os ônibus como meios principais de deslocamento no dia a dia.
Com a entrada em vigor da nova política em 2026, Riyadh passa a contar com um instrumento tarifário inédito, capaz de influenciar hábitos de deslocamento e marcar uma nova fase do transporte público na capital da Arábia Saudita.
Passes anuais ilimitados: experiência internacional e impactos sobre carro e emissões
A adoção de passes anuais ilimitados não é uma novidade no cenário internacional e está associada, em diversas grandes cidades, a mudanças mensuráveis no padrão de deslocamento urbano. Em geral, esses instrumentos tarifários fazem parte de políticas mais amplas de mobilidade que tratam o transporte público como serviço essencial e recorrente, e não como uso eventual.
Em Paris e na região da Île-de-France, o passe Navigo Annuel, válido para metrô, trens regionais, ônibus e VLT, consolidou o transporte público como custo fixo mensal para milhões de moradores. Estudos locais indicam que usuários com passe anual realizam mais viagens fora do pico e reduzem significativamente o uso do automóvel para deslocamentos cotidianos, especialmente casa–trabalho.
Na Suíça, o Generalabonnement (GA) — passe anual válido praticamente em todo o transporte público do país — é considerado um dos pilares do sistema de mobilidade. A ampla adesão ao GA está associada a altas taxas de uso do transporte coletivo, menor dependência do carro em áreas urbanas e redução consistente das emissões per capita do setor de transportes, quando comparadas a países com renda semelhante.
Em Londres, o Travelcard anual, integrado ao metrô, ônibus e trens urbanos, tornou-se uma ferramenta clássica de fidelização. Pesquisas do órgão de transporte local indicam que usuários com passes de longa duração tendem a abandonar o carro mesmo para viagens que antes eram feitas de forma híbrida, combinando automóvel e transporte público.
Na Alemanha, antes mesmo da criação do bilhete mensal nacional (Deutschlandticket), cidades como Berlim, Hamburgo e Munique já utilizavam passes anuais como instrumento para reduzir a quilometragem rodada por automóveis. A lógica é simples: ao transformar o transporte público em custo fixo previsível, o carro passa a ser percebido como opção mais cara e menos racional para o dia a dia.
Na Espanha, tanto em Madri quanto em Barcelona, os passes não são tratados apenas como produto comercial, mas como instrumento de política urbana. Eles funcionam em conjunto com zonas de restrição ao tráfego de carros; políticas de redução de estacionamento; priorização do transporte coletivo; e metas de redução de emissões. Ao transformar o transporte público em serviço de assinatura, as cidades espanholas criam um incentivo permanente ao uso do sistema, enquanto o automóvel passa a ser uma opção mais cara, menos prática e menos racional para o dia a dia.
De uma maneira geral os passes anuais ilimitados funcionam porque:
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transformam o transporte público em custo fixo previsível;
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reduzem o custo psicológico por viagem (“já está pago”);
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estimulam o uso mesmo fora do horário de pico;
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aumentam a fidelização do usuário;
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tornam o transporte coletivo mais competitivo que o automóvel no dia a dia.
Em termos de política pública, eles não são apenas tarifa, mas instrumento de mudança de comportamento.
Mudança de comportamento e efeito climático
Do ponto de vista ambiental, o impacto dos passes anuais não vem apenas da troca direta de viagens de carro por transporte público, mas da mudança de comportamento ao longo do tempo. Quando o usuário passa a ter acesso ilimitado ao sistema, o transporte coletivo deixa de ser uma escolha pontual e passa a estruturar a rotina urbana.
Esse efeito tem reflexos diretos na:
- redução do número de viagens motorizadas individuais;
- diminuição do consumo de combustíveis fósseis;
- queda das emissões de CO₂ e poluentes locais, especialmente em cidades com metrôs eletrificados.
Estudos europeus mostram que políticas tarifárias voltadas a passes de longa duração têm maior efeito climático quando combinadas com redes de alta capacidade, confiáveis e integradas — exatamente o tipo de sistema que Riyadh busca consolidar com seu metrô.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


