Publicado em: 16 de dezembro de 2024
Entidades vão protocolar petições na Câmara Municipal. Um dos especialistas destacou que a Lei de Mudanças Climáticas, que Milton Leite quer mudar sob o argumento de que as metas de redução não serão alcançadas, já está sendo descumprida quando o assunto são os trólebus. Em 2025, um veículo deve ser retirado do sistema, diz SPTrans
ADAMO BAZANI
Colaboraram Luiz Romagnoli e Alexandre Pelegi
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RESUMO: AUDIÊNCIA PÚBLICA – POLUIÇÃO ÔNIBUS – PL MILTON LEITE – TRÓLEBUS
A Câmara Municipal de São Paulo realiza nesta segunda-feira (16), às 14h, audiência pública sobre o Projeto de Lei de autoria do presidente da casa, Milton Leite, que quer mudar as metas de poluição pelo transporte coletivo e possibilitar a volta da compra de ônibus a diesel. Entidades de defesa do meio ambiente protocolam nesta semana petições para que a manutenção da rede de trólebus da cidade seja incluída na nova redação do projeto. O prefeito Ricardo Nunes já falou em desativação gradual, mas especialistas defendem que, enquanto não houver a infraestrutura necessária para os modelos a bateria, a rede de trólebus ajudaria nas metas e traz vantagens. No primeiro texto do Projeto de Lei, Milton Leite propunha aumentar para 30 anos o prazo para o cumprimento total das metas e conseguiu aprovação em primeiro turno, sem divulgação e debate, mas teve de retroceder e voltou o limite de 20 anos após repercussão gerada pela divulgação da notícia pelo Diário do Transporte.
REPORTAGEM COMPLETA:
A conservação da atual rede de trólebus da capital paulista com um melhor aproveitamento e até mesmo uma eventual expansão devem estar nos planos da cidade para o cumprimento das metas de redução de emissões de poluição pelo transporte coletivo.
É o que defendem especialistas em transportes e meio ambiente, alguns deles, membros de entidades que devem protocolar ainda nesta semana petições na Câmara Municipal para que a manutenção dos trólebus, com a modernização da rede e inserção de modelos novos, esteja prevista no PL 825/2024, de autoria do presidente da casa, vereador Milton Leite (UNIÃO), que pretende alterar as metas intermediárias de redução de poluição e permitir com que as viações possam voltar a comprar uma parcela da frota em ônibus a diesel, algo proibido na cidade desde 17 de outubro de 2022.
Os percentuais de diminuição dos poluentes atmosféricos pelo sistema gerenciado pela SPTrans (São Paulo Transporte) não devem ser cumpridos como determina a atual lei, em vigor desde 2018, conhecida como Lei de Mudanças Climáticas (16.802, de 17 de janeiro de 2018).
Nesta segunda-feira, 16 de dezembro de 2024, a partir de 14h ocorre mais uma audiência pública sobre o PL de Milton Leite, no Salão Nobre Presidente João Brasil Vita (8º andar).
O PL 825/2025 foi aprovado em primeira votação, em tempo recorde no dia 04 de dezembro de 2024, sem debate e divulgação, mas após ter sido revelado pelo Diário do Transporte, na noite do sábado da semana retrasada, 07 de dezembro de 2024, houve polêmica.
O primeiro texto previa a ampliação para 30 anos para o cumprimento das metas de 2018 e a possibilidade de as empresas comprarem créditos de carbono em vez de ônibus menos poluentes. Além disso, por tempo indeterminado, as viações poderiam comprar 1/3 da frota a diesel. A divulgação da notícia pelo Diário do Transporte gerou polêmica e Milton Leite, no dia 09 de dezembro apresentou um novo texto, voltando para 20 anos o limite das metas finais (mudaram as intermediárias), restringindo a compra de ônibus a diesel, de forma escalonada até 2027. A possibilidade da créditos de carbono em vez de veículos novos foi retirada na segunda versão do PL.
Relembre:
Para estas entidades, não faz sentido prever a possibilidade de comprar ônibus a diesel e ao mesmo tempo não impedir que os trólebus, que são elétricos e não poluem, sejam descontinuados, mesmo que gradativamente, como já apontou o prefeito Ricardo Nunes.
Para os especialistas, se a discussão é zerar emissões ao mesmo tempo em que ainda não há infraestrutura suficiente para uma frota maior de ônibus a baterias, seria ilógico descontinuar a rede de trólebus.
O tecnólogo em transportes terrestres, que estuda a rede de ônibus da cidade de São Paulo, Thiago Silva, destacou que a Lei de Mudanças Climáticas, que Milton Leite quer mudar sob o argumento de que as metas de redução não serão alcançadas, já está sendo descumprida quando o assunto são os trólebus e que ninguém fala nada sobre isso. Segundo o especialista, a lei prevê que os trólebus sejam priorizados.
*“A linha 390E, que liga a Penha até o Terminal Parque Dom Pedro II poderia operar com trólebus desde já. Inclusive isso já constava na licitação firmada em 2019. Porém, até agora, a linha continua operando com veículos comuns. Além disso, na Lei nº 16.802 de 2018, que trata da inclusão de veículos menos poluidores, no item 4º, o parágrafo diz que deve ser priorizada a expansão da frota de trólebus dotados de um banco de baterias, algo que não está sendo cumprido. Com o advento dos novos trólebus que possuem banco de baterias de maior autonomia, seria possível ampliar o uso desse tipo de veículo, estendendo linhas e simplificando a rede aérea, além de desobrigar a necessidade de postos de recargas dentro das garagens, uma vez que a recarga das baterias seria realizada no momento em que os trólebus estão com as alavancas conectadas na rede aérea”*
O arquiteto e urbanista Ayrton Camargo e Silva, que é diretor da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) e vice-presidente da AEAMESP – Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrôs, disse que defender a extinção dos trólebus, mesmo que de forma gradual, é falta de conhecimento sobre temas como mobilidade e sustentabilidade.
*“O prefeito de São Paulo já falou várias vezes em acabar com os trólebus e que teoricamente existe tecnologia melhor. Uma fala estapafúrdia dessa só pode vir de alguém que não tem o menor conhecimento com o planejamento do transporte. Aliás essa característica não atinge só a ele, eu diria que boa parte dos prefeitos que o antecederam também desconhecem isso. Quando você não entende um problema e quando você é incapaz ou incompetente para resolver, você elimina, então essa proposta do prefeito, na minha avaliação, vem de uma visão absoluta e completa incompetência de não conseguir entender aonde essa tecnologia que nós ainda temos e que dominamos pode sim ser eficiente”* – critica.
O presidente do Movimento Respira São Paulo, Jorge Françozo, diz que, além dos benefícios ambientais e de aproveitamento de uma infraestrutura já existente, manter e até pensar na ampliação do sistema de trólebus para a capital é economicamente vantajoso
*“Com base no documento do último contrato de prestação de serviços, publicado neste segundo semestre de 2024, o custo de manutenção e operação dos trólebus é da ordem de R$ 2,56 milhões por mês. O custo de melhorias é R$ 1,12 milhão por mês. O custo de implantação de nova rede dupla, com cabos alimentadores aéreos e postes de concreto é da ordem de R$ 3 milhões por quilômetro. Pelos benefícios ambientais e em comparação a grandes infraestruturas para ônibus a bateria, o trólebus é bem vantajoso. A desativação desta infraestrutura, vai denotar desperdício de dinheiro público. A possível modernização dos trólebus com baterias, que vai trazer economia de energia, por não consumir energia nas horas de pico”* – explicou.
O especialista em mobilidade, Rafael Calabria, lembrou que existem novas tecnologias nacionais que permitem que os veículos funcionem conectados à rede de fiação aérea em um trecho e somente com baterias em outro. Chamado de E-Trol, este tipo de ônibus permite flexibilização dos itinerários e aproveitamento da capacidade ociosa hoje existente na rede de trólebus.
O modelo já tem produção nacional, em São Bernardo do Campos (SP), e vai rodar no BRT (Bus Rapid Transit) da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) entre a região do ABC e da capital paulista.
*“Existem muitas soluções para se debater. Como os trólebus que são uma solução importante porque a cidade já tem essa infraestrutura instalada. Já teve mais e há uma infraestrutura que pode ser recuperada. Existe o debate dos híbridos. Existe também o E-Trol, que está sendo implantado no Brasil, que é o trólebus híbrido, que tem bateria que recarrega ao longo do percurso, que reduz a demanda de infraestrutura das garagens. Então existem soluções”*. – disse o especialista em mobilidade urbana, Rafael Calábria.
O coordenador da Comissão de Meio Ambiente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), Olímpio Alvares, concorda que a lei de 2018 tem margem para ser mudada, mas deve antes haver uma discussão.
*“Entendo que a lei 16802, ela precisa ser revisada porque tem alguns requisitos impossíveis de serem cumpridos. É uma oportunidade excelente, já que a coisa ganhou foco, da comunidade fazer uma discussão com o pé no chão e com calma, sem açodamento, para chegar num acordo que atenda às necessidades do meio ambiente do setor de transportes da forma mais rápida que a realidade permitir”*. – explicou Olímpio.
E nesse debate do PL 825/2024, para trazer alterações na atual lei de 2018, o técnico em transportes terrestres, Marcos Galesi, diz que os trólebus devem ser contemplados. Segundo Galesi, há exemplos internacionais, de baixo custo, que poderiam ser adaptados à realidade paulistana, como na Itália, onde há sistemas de recargas rápidas para os ônibus elétricos com bateria aproveitando a rede de trólebus que, inclusive, é independente da rede de fornecimento de casas e estabelecimentos comerciais.
*“É muito importante incluir nessa PL a manutenção do sistema de trólebus de São Paulo, é uma tecnologia já consolidada, o mundo tem investido e não tem desprezado o trólebus. Só ver na Itália, a própria rede de trólebus pode ser utilizada para recarga e alimentação dos elétricos com bateria por oportunidade, já que a rede de trólebus é totalmente independente da rede elétrica residencial. Então para a tecnologia do trólebus, há espaço e pode ser bem utilizada”* – exemplificou.
“Se a discussão principal do PL versa sobre a infraestrutura, inserir a manutenção e ampliação da rede de trólebus é quase que um debate obrigatório. Os trólebus são de emissões zero e já há uma infraestrutura instalada e subutilizada. Não só isso, cuja ampliação e manutenção se dão custos e período extremamente vantajosos para a cidade. Os trólebus já são tecnologia consolidada”, disse o presidente do Movimento Defesa do Trólebus, Fábio Klein.
A rede de trólebus de São Paulo já vem passando por um desmantelamento ao longo de décadas que se intensificou em 2001, na gestão da então prefeita Marta Suplicy (PT).
Até 2000, São Paulo chegou a ter 26 linhas de trólebus, rede cerca de 300 km de extensão e 474 veículos.
Com a desativação das redes de corredores de Santo Amaro, Pinheiros, Butantã e as linhas da Zona Norte, os trólebus foram perdendo espaço.
Em 2024, quando o sistema de trólebus completou 75 anos, são oito linhas, rede de 168 km e 201 veículos.
O Diário do Transporte questionou a SPTrans (São Paulo Transporte), responsável pelo gerenciamento do sistema de ônibus na capital paulista, se, pela idade dos veículos, estão previstas “baixas” no sistema de trólebus para 2025.
Segundo a gerenciadora, uma unidade vai completar o limite possível para operar.
Veja a nota completa.
A SPTrans informa que apenas um trólebus deve ser substituído em 2025.. Todos os demais estão dentro da vida útil estimada, que é de 15 anos, podendo ser estendida em até três anos, se atenderem às exigências de itens mecânicos e de carroceria, em avaliação feita pela gestora.
Importante ressaltar que veículos mais antigos são utilizados preferencialmente na reserva técnica das concessionárias e passam por vistorias, feitas pela SPTrans, com mais frequência.
Atualmente, há 201 trólebus em operação, que atendem oito linhas e percorrem uma rede aérea de 168 km de extensão.
Linhas atendidas por trólebus:
2290/10 Terminal São Mateus – Terminal Parque Dom Pedro II;
342M/10 Terminal São Mateus – Terminal Penha;
2100/10 Terminal Carrão – Praça da Sé;
3160/10 Term. Vila Prudente – Term. Pq. D. Pedro II;
4112/10 Margarida Maria – Praça da República;
4113/10 Gentil de Moura – Praça da República;
408A/10 Machado de Assis – Cardoso de Almeida;;
2100-21 Terminal Vila Carrão – Terminal Parque Dom Pedro II;
Não há previsão para que este trólebus, que vai ser baixado em 2025, seja substituído por outro trólebus e nem de próximas novas compras.
UM POUCO DE HISTÓRIA:

Trólebus foram evoluindo ao longo do tempo e contribuindo para a mobilidade limpa.
Clique na imagem para ampliar – Montagem com várias fontes pela internet. Reúne apenas alguns dos modelos de trólebus.
O especialista em mobilidade elétrica, Jorge Françozo, resgatou uma reportagem da inauguração do sistema de trólebus e fez um retrospecto dos 70 anos do modal no Brasil.
A rede de trólebus de São Paulo já vem passando por um desmantelamento ao longo de décadas que se intensificou em 2001, na gestão da então prefeita Marta Suplicy (PT).
Até 2000, São Paulo chegou a ter 26 linhas de trólebus, rede cerca de 300 km de extensão e 474 veículos.
Com a desativação das redes de corredores de Santo Amaro, Pinheiros, Butantã e as linhas da Zona Norte, os trólebus foram perdendo espaço.
Em 2024, quando os trólebus completaram 75 anos no Brasil, eramo oito linhas, rede de 168 km e 201 veículos.
As primeiras operações comerciais deste ônibus elétricos foram em São Paulo, no dia 22 de abril, de 1949. A CMTC inaugurava a linha Aclimação / Praça João Mendes, de 7,2 km de extensão, em substituição a linha 19 dos bondes da antiga Light, empresa que teve os bens assumidos pela companhia municipal entre 1946 e 1947.
Apesar de os primeiros trólebus terem sido importados dois anos antes do início de sua operação, a ideia de implantar um sistema de ônibus elétrico (já consagrado na Europa e Estados Unidos) na cidade de São Paulo era mais antiga. Em 1939, a Comissão Municipal de Transportes Coletivos entregou a Prefeitura parecer favorável à adoção de ônibus elétricos na cidade. Neste mesmo ano, foi iniciado o estudo para a implantação da primeira linha, justamente servindo o bairro da Aclimação.
Mas as coisas andavam lentas demais no poder público municipal. O transporte na cidade estava completamente desorganizado. As empresas de ônibus disputavam regiões de alta demanda e melhor infraestrutura, e as demais eram abandonadas pelos prestadores de serviço. A Ligth, que operava os bondes na Capital, depois dos sustos das Guerras Mundiais, perdeu o interesse neste modelo de transporte. Ficou no sistema até o fim do período de conflito mundial, obrigada por força da lei, já que os bondes se tornaram essenciais com a crise sem precedente no fornecimento de petróleo.
A visão de vários administradores públicos em todo o mundo se voltava para os ônibus elétricos. Mas quem assumiria este sistema? Quem investiria na implantação de redes aéreas e novos veículos, importados e mais caros?
Os empresários que tinham passado por muitas dificuldades para manter suas operações devido ao encarecimento do combustível e das peças no período da Segunda Guerra não se arriscariam num investimento tão alto.
Trólebus na primeira linha do País, em 1949, na capital paulista
Assim, pode-se afirmar que o trólebus no Brasil teve sua implantação e manutenção ligadas ao investimento público. E foi justamente a recém-criada empresa pública de São Paulo, a CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos – que assumiu o investimento para colocar o Brasil na rota dos ônibus elétricos.
Para operar a primeira linha, foram importados 30 veículos com as seguintes configurações:
– 06 unidades de chassi Pulman Standard, carroceria da mesma marca e sistema elétrico Westinghouse norte-americanos.
– 20 unidades de chassi War La France, carroceria Wayne e sistema elétrico Westinghouse, também dos Estados Unidos e
– 04 unidades de chassi English Associated Equipament Company, carroceria da mesma marca e sistema elétrico BUT – British United Traction, da Inglaterra.
A chegada do trólebus nas cidades brasileiras
Trólebus para Belo Horizonte nos anos da década de 1950 também eram importados
O sistema de ônibus elétrico, apesar de alguns problemas de implantação, agradava os administradores públicos. Os veículos eram mais modernos, confortáveis, econômicos e, apesar de na época não ser tão forte a consciência ambiental, o fato de não poluírem e de emitirem bem menos ruído também pesava favoravelmente em relação aos trólebus.
Dez anos depois, em 1959, a rede de São Paulo que era de pouco mais de 7km de extensão já chegava a 31,9 km, servidos por quatro linhas.
Outras cidades brasileiras também aderiam ao “novo” sistema de transportes. Novo para nós, mas para a Europa e Estados Unidos já com décadas de existência. No ano de 1953, Belo Horizonte adquire quatro veículos elétricos e começa a operar seu primeiro serviço de trólebus. Meses depois foi a cidade fluminense de Niterói que aderiu ao sistema. Uma curiosidade é que os 45 ônibus elétricos franceses tinham sido importados para Petrópolis, também no Rio, mas por questões financeiras e administrativas, a cidade sequer implantou o sistema.
Campos, no Rio de Janeiro, inaugura, em 1957, o sistema com nove trólebus que já tinham sido usados de Niterói. Em 1958, Araraquara, no Interior Paulista, criava a CTA – Companhia de Troleibus de Araraquara, empresa de economia mista para implantar o sistema na cidade.

Trólebus monobloco O371 de Araraquara
Recife investe pesado na implantação dos trólebus. Em 1960, logo de cara, compra 65 veículos Marmom Herrington, com tração Westinghouse, norte-americana.
Cinqüenta trólebus Fiat/Alfa Romeo/Marelli começaram a atender a população de Salvador, no ano de 1959.
No ano de 1962, Rio de Janeiro adere aos trólebus. Mas a entrada da cidade neste tipo de serviço foi marcada por dificuldades e fatos inusitados. A começar por um acidente quando os veículos italianos Fiat/Alfa Romeo/General Eletric eram desembarcados no Porto. Em lotes diferentes, a cidade havia adquirido 200 veículos, mas um deles caiu no mar, não podendo ser resgatado. Portanto, o Rio ficaria com 199 carros. Se não bastasse isso, por falta de pagamento de taxas 164 ficaram retidos no Porto ao relento por mais de um ano. Muitos se deterioraram e tiveram de ser restaurados.

Trólebus Fiat Alfa Romeo do Rio de Janeiro. Foto: Blog Saudades do Rio
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, começou a operar ônibus elétricos em 1963, com nove veículos. Em agosto desse ano, Santos apresenta aos usuários cinco trólebus italianos, então operados pela SMTC – Secretaria Municipal de Transportes Coletivos. Pouco tempo depois, pelo sucesso inicial do serviço, a cidade do litoral sul paulista já tinha 50 carros e 76 km de rede aérea.

Trólebus em Porto Alegre nos anos 1990
Fortaleza teve seu primeiro serviço de trólebus implantado em 1967, com nove carros já de fabricação nacional Massari/Villares.
Bem mais tarde, em 1980, era criada a Transerp – Empresa De Transporte Urbano de Ribeirão Preto S.A., de economia mista. O início das operações de ônibus elétricos ocorreu em 1982.
Rio Claro, interior paulista, também inaugura serviços de trólebus, em 1986, com 10 veículos comprados da CMTC.

Trólebus de Rio Claro
Dois anos depois, em 1988, entra em operação o sistema considerado mais moderno e eficiente do País, os trólebus entre São Mateus (zona Leste de São Paulo) e Jabaquara (zona Sul), via Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema, inicialmente sob responsabilidade do governo do Estado de São Paulo. O diferencial do serviço é que ele opera desde o início em corredor segregado com pavimento especial de concreto e recebe constantes investimentos em renovação de veículos e manutenção da rede fornecedora de energia.
CTA – Companhia de Troleibus de Araraquara foi criada em 1958 para implantação dos ônibus elétricos
A indústria nacional assume o trólebus

Trólebus brasileiro GRASSI/VILLARES (1961) na Av. Lineu de Paula Machado em 1963. Foto: Raymond DeGroote – Acervo: Movimento Respira São Paulo – Reportagem: Adamo Bazani
Com esta introdução sobre o início dos principais serviços de trólebus, é possível perceber que, diferentemente do que ocorre hoje, as administrações públicas se interessaram e se viam satisfeitas com os ônibus elétricos, principalmente entre os anos de 1950 e 1960, quando ocorreu a maior parte das inaugurações.
Havia mercado para trólebus. Mas todos eram importados e com uma política mais nacionalista os custos de aquisição destes veículos tornariam um grande desafio para quem quisesse implantar um serviço de ônibus elétrico.
Já estava mais do que na hora da indústria nacional entrar neste filão.
E isso ocorreu em 1958 e de maneira gradual. Gradual porque enquanto a indústria de trólebus nacional ainda produzia alguns veículos, as importações continuavam. Não houve uma substituição imediata. Além disso, as primeiras unidades nacionais usavam tecnologia e muitos componentes estrangeiros.
Foi assim com o primeiro trólebus montado no Brasil. A carroceria e plataforma foram feitas pela Grassi.
Vale ressaltar um fato curioso que, a Grassi foi a primeira indústria nacional a produzir em série carrocerias de ônibus convencionais, ainda de madeira. Ela fez um ônibus para a Hospedaria dos Imigrantes em 1910 e nos anos de 1920 faria os primeiros veículos em linha.
A pioneira dos ônibus no Brasil também saiu na frente na produção de trólebus. No entanto, a empresa teve de incorporar tecnologia internacional e produziu o conjunto carroceria/plataforma sob licença da americana Marmon Herrington. Os equipamentos de tração e funcionamento elétrico foram fabricados pela Villares, sob licença comercial da Westinghouse e o coletor de energia da rede foi produzido pela Ohio-Bras.
A apresentação do primeiro trólebus montado no Brasil foi digna de um veículo diferente e revolucionário em comparação aos ônibus convencionais. A “viagem histórica” de lançamento foi feita no Rio de Janeiro, onde estava instalada a Villares. Com um gerador acoplado, o trólebus, trafegou por parte da Rodovia Presidente Dutra, contando com a presença do então presidente Juscelino Kubitschek. Logo após a “festa”, o trólebus veio para São Paulo prestar serviços pela CMTC.
O modelo agradou as operadoras brasileiras pelo desempenho e qualidade. O Grassi/Villares marcou o início da primeira geração dos trólebus no Brasil.
A Companhia de Troleibus Araraquara CTA, entre 1959 e 1961 adquiriu oito unidades do modelo. Em 1961, a CMTC comprava mais 9 Grassi/Villares.
O interesse pelo modelo por parte das operadoras fez com que outros fabricantes nacionais se atentassem para este mercado.
Em 1962, a Caio – Companhia Americana Industrial de Ônibus – lançava um protótipo, também com equipamento e tração Villares. Vinte unidades foram compradas pela CTU _ Companhia de Transportes Urbanos, de Recife, e uma pela CTA de Araraquara.
Mas uma evolução na indústria nacional de trólebus ocorreria no ano seguinte, em 1963. A Massari começa a produzir ônibus elétricos, mas com um diferencial: monoblocos, veículos cujo chassi e carroceria formavam um mesmo conjunto. Além do design ser considerado inovador para época, novas soluções de conforto e segurança foram adotadas, como a suspensão do tipo mista, com bolsões de ar e molas atuando de forma conjunta. O equipamento era produzido pela Villares. O modelo Massari foi tão bem aceito pelas operadoras, que nesta ocasião, se tornava líder no mercado, com veículos vendidos para Belo Horizonte, Porto Alegre, Araraquara, Fortaleza e São Paulo.
A importância da CMTC na manutenção do trólebus
Nacionalização ampliou o interesse pelos trólebus
O trólebus no Brasil teve sua consolidação atrelada ao investimento público. E aí a situação era um pouco delicada, principalmente pela visão imediatista de algumas administrações. Era um veículo mais caro (ainda é, mas na época a diferença para um ônibus convencional era maior ainda). Além disso, a manutenção dos veículos, muitos com peças importadas, e das redes exigiam recursos maiores. Na segunda metade dos anos de 1960, muitas cidades desativaram ou reduziram significativamente suas redes. O poder público, em muitas ocasiões, achava caro manter e comprar trólebus, mesmo com todas as vantagens que ele oferecia, como emissão zero de poluentes, pouco ruído e mais conforto.
A demanda de passageiros em algumas regiões crescia muito rapidamente e, como solução imediata, as administrações preferiam oferecer dois ou três ônibus pelo mesmo preço a oferecer um trólebus. Isso sem contar a influência da indústria automobilística que estava em expansão e queria mercado com uma oferta maior de ônibus convencionais e dos empresários que queriam expandir seus negócios com investimentos menores.
Para se ter ideia deste fenômeno, acompanhe as cidades que desativaram seus sistemas nesta época: Campos e Niterói, no Rio de Janeiro, em 1967, Salvador em 1968, Belo Horizonte e Porto Alegre, em 1969, Rio de Janeiro, em 1971, Fortaleza, em 1972.
A situação atingiu em cheio a indústria nacional de trólebus. As operadoras públicas que se prestavam ainda a operar trólebus tiveram de achar soluções. A importação não era viável devido às restrições tributárias impostas pela política de incentivo à indústria automobilística nacional.
Algumas empresas operadoras optaram por reformar suas frotas, o que era possível devido ao maior tempo de vida útil que um trólebus possui. Em especial, a CMTC de São Paulo passou a fabricar seus próprios trólebus.
Certamente, a companhia municipal foi uma das maiores produtoras de ônibus elétricos do País e isso significou o desenvolvimento de pesquisa, modelos e inovações que tornariam o trólebus viável. Assim como a consolidação do trólebus no Brasil deveu-se ao investimento público, foi a CMTC que permitiu sua permanência no mercado, não fosse a companhia a situação deste tipo de transporte estar bem mais complicada.
O período da CMTC como fabricante de trólebus compreendeu os anos de 1963 a 1969. A produção atingia 144 unidades, número invejável para qualquer indústria especializada, inclusive internacional. Com kits de carroceria da Metropolitana, do Rio de Janeiro, a CMTC criou seu padrão próprio de modelo. Convertia veículos diesel para elétricos, encarroçava trólebus mais antigos, e fazia veículos novos. As produções nas oficinas da CMTC, com mão de obra própria, não só representou a manutenção do sistema em São Paulo e no País, como uma boa oportunidade de negócios para fabricantes nacionais de chassis e sistemas de tração. Assim, não só para os passageiros, mas a atuação da CMTC, foi boa também para as indústrias. A empresa fez parcerias e usou equipamentos, tanto de chassi como de tração, da Westram, Villares, Siemens, GM, FNM e Scania.
Mesmo após seu período de produção, a CMTC continuava com as conversões de ônibus. Em 1971, por exemplo, transformou em trólebus, um veículo de chassi Magirus Deutz, carroceria Striulli, usando sistema de tração da Villares.
Veículos usados de outros sistemas desativados também eram adquiridos pela CMTC, o que mostra que, além de contribuir para um melhor transporte para o passageiro, para a manutenção do sistema no País, para o mercado da indústria nacional, a Companhia Municipal de São Paulo auxiliou muitas administrações que deixaram de operar trólebus a não saírem no prejuízo total. Em 1972, foram adquiridos nove modelos Massari Villares do sistema de Fortaleza, que havia sido paralisado.
Os anos de 1970 foram dos piores para a indústria e os sistemas de trólebus no Brasil. Para se ter noção, entre 1970 e 1976 nenhum ônibus elétrico foi produzido no País. Até mesmo a CMTC e o poder municipal de São Paulo deixaram de ter como prioridade este modelo de transporte de passageiro. Muitas linhas tinham sido desativadas na capital paulista, substituídas por ônibus diesel, e os veículos estavam envelhecidos. O mesmo se constatava em outros municípios que ainda se propunham a operar veículos de tração limpa.
Mais uma vez, o trólebus agonizava.
Adriano Branco e o Sistran

Adriano Branco em entrevista ao repórter Adamo Bazani
A mobilidade menos poluente no Brasil e o trólebus evoluíram devido ao esforço de diversos técnicos e profissionais que coordenaram avanços tecnológicos e novos conceitos de operação.
Nos anos 1970, novamente uma iniciativa de São Paulo deu uma nova vida este sistema de transportes, que é amplamente utilizado em todo o mundo. E esse “renascimento” dos trólebus tem nome, data e importantes personalidades envolvidas. Entre 1975 e 1979, estava à frente da prefeitura de São Paulo, Olavo Setúbal. Ele é considerado na história o grande entusiasta do trólebus.
Os anos de 1970, o mundo foi abalado por mais um dos muitos choques de fornecimento de petróleo que diminuiu a produção global dos combustíveis, elevando seus valores. Era caro operar com veículos em cidades tão grandes e com sistemas complexos.
Já consciente também da necessidade de veículos não poluidores e da extrema urgência de alternativas para a tração dependente do petróleo, Olavo Setúbal, inspirado em diversos modelos mundiais de operação, decide revitalizar o sistema de trólebus na cidade.
Os reflexos não foram só para São Paulo, mas para a indústria nacional inteira. Nascia em 1977, o projeto Sistran – Sistema Integrado de Transportes. O grande mentor e responsável pelo projeto foi o engenheiro Adriano Murgel Branco, responsável pela recém criada Diretoria de Sistemas de Trólebus.
Adriano Branco morreu em 23 de dezembro de 2018, aos 87 anos, vítima de complicações de saúde.
Os conhecimentos técnicos, o entusiamo e a capacidade de articulação de Adriano Branco literalmente deram nova energia aos trólebus.
A grande contribuição do projeto para a indústria foi que, além de prever o aumento de redes e corredores exclusivos na cidade, o Sistran contemplava a fabricação de novos trólebus, com equipamentos mais modernos, de conforto, segurança e com operação mais econômica. Mais uma vez a cidade de São Paulo “pensou” e realizou estudos que as indústrias sozinhas não tinham interesse em fazer, pela então falta de procura no mercado.
Foram consultados diversos modelos de operação e características de veículos produzidos principalmente na Europa e nos Estados Unidos. O ousado plano de recuperação do sistema de ônibus elétrico chamava a atenção da indústria nacional. Os fabricantes buscavam em suas sedes no exterior alternativas para adaptarem à realidade de operação brasileira.
Um exemplo disso foi a Mercedes Benz, que chegou a importar de sua sede na Alemanha, um modelo O 305 com tração elétrica.
O novo trólebus de São Paulo trazia avanços importantes, a começar por um comando eletrônico de velocidade por recortadores, denominado Chopper, mais eficiente e econômico. A suspensão deveria ser pneumática e a direção hidráulica. A acessibilidade e o conforto também foram itens pensados. A disposição dos bancos no salão de passageiros permitia melhor deslocamento interno, o piso em relação ao solo era mais baixo e as portas mais largas.
A produção dos primeiros 200 trólebus previstos pelo Sistran, em 1979, ficou a cargo do consórcio formado pelas empresas Ciferal (carroceria), Scania (chassi), Bardela Boriello (motor elétrico) e Tectronic (sistema de integração e tração elétrica). Cidades como Recife, também adquiriam estes novos veículos. Em 1980, 12 unidades foram vendidas para a pernambucana – Companhia de Transportes Urbanos – CTU.

Trólebus Ciferal foi um dos frutos do Sistran. Acervo: SPTrans
Outras empresas produtoras, no entanto, voltaram a se interessar pela produção de veículos elétricos, já com base nos desenvolvimentos trazidos pelo projeto de Olavo Setúbal e Adriano Murgel Branco. Exemplo foi a Marcopolo que, juntamente com a Scania (chassi) e Ansaldo (equipamento elétrico), desenvolveu um protótipo bem recebido pelo mercado. Santos operou com este modelo em 1979. Entre 1980 e 1981, foram vendidas 10 unidades para Araraquara. Entre 1982 e 1983, juntamente com a Scania, a Marcopolo vende sete veículos novamente para Santos, com equipamento elétrico Brown Boveri, e 90 unidades para a CMTC, tambpem com chassi Scania e equipamento da Tectronic.
Em 1982, a Transerp, de Ribeirão Preto, comprava 20 unidades de carroceria Caio Amélia, chassi Scania e equipamento Villares.
O Plano Sistran previa para São Paulo 1.280 trólebus e criação de mais 280 km de rede, que se juntariam aos 115 km já existentes.
Após o governo de Olavo Setúbal, frente à Prefeitura de São Paulo, ocorreu a tão temida descontinuidade administrativa. O projeto que revolucionou a indústria nacional de trólebus não chegou a ser implantado totalmente. Pouco das novas linhas foi implantado e a cidade se limitou a fazer pequenas reformas na rede já existente e a colocar os trólebus novos em vias comuns, diferentemente das pistas segregadas previstas.
Mesmo não sendo cumprido a risca, o Sistran permitiu que o trólebus não “morresse” no País e mais uma vez teve a CMTC e o poder público municipal de São Paulo como grandes incentivadores. Pena que depois nem a cidade seguiu seu próprio exemplo.
Apesar desta descontinuidade do projeto, a cidade de São Paulo ainda contribuía para o crescimento e inovação da indústria de trólebus no Brasil. Em 1985, surgiam por encomenda da CMTC, os primeiros trólebus articulados brasileiros. Eram dois modelos, um Caio Amélia, chassi Volvo e equipamento Villares e um Marcopolo Torino, chassi Scania e equipamento Powertronics (antiga Tectronic).
Allen Morrison

Trólebus de Niterói.Imagem da coleção de Allen Morrison
Outro nome que não pode passar em branco na história do trólebus é do professor da Universidade de Columbia, nos EUA, Allen Morrison, considerado um maiores pesquisadores de transportes movidos à eletricidade do mundo. Morrison morreu em janeiro de 2019, aos 90 anos, por problemas de saúde.
O pesquisador viajou por diversas cidades registrando imagens e dados dos sistemas que serviram de banco de dados até para o desenvolvimento de novos veículos e estruturas.
O professor também escreveu diversos livros sobre bondes, trens e sistemas de metrô.
A indústria ferroviária entra no setor de trólebus

Trólebus Cobrasma, do Corredor ABD, no início dos anos 1990 – Acervo: Metra
Com os investimentos e prioridades voltados à indústria automobilística, o setor ferroviário assistiu, a partir dos anos de 1960, à queda brutal de sua participação no setor de transporte. Em vez de estradas de ferro, rodovias assumiam as principais ligações entre pólos econômicos e populacionais. Em vez de trens, ônibus e carros eram responsáveis pela maior parte dos deslocamentos.
As linhas de trens diminuíam, os serviços por trilhos ficavam cada vez mais raros e a indústria nacional ferroviária se via numa situação muito difícil, sem mercado e com grande ociosidade. Algumas delas, antes de entrarem para a falência ou serem adquiridas por novos grupos, se arriscaram a produzir ônibus e trólebus nos anos de 1980.
Estas empresas incorporavam as experiências que tinham em tração elétrica em trilhos nos veículos sobre pneus. Exemplos foram a Mafersa e a Cobrasma. Um dos conceitos trazidos por este segmento foi do monobloco: chassi e carroceria formavam um mesmo conjunto e os trólebus saíam de fábrica mais leves, seja pelo material empregado seja pela dispensa de peças que o modelo permitia. Isso representava maior eficiência energética e menor consumo.
O diferencial destes produtos logo foi assimilado pelo mercado e grandes quantidades de veículos eram encomendadas num único lote. A Mafersa foi escolhida para fornecer 78 trólebus à CMTC, entre 1986 e 1988, para a implantação de um corredor para ônibus expressos e ônibus elétricos. Em 1987, a Mafersa também apresentou um trólebus articulado, a exemplo do que ocorrera com empresas mais tradicionais no setor de ônibus, como Caio e Marcopolo, que trariam ao mercado trólebus articulados em 1985.
Entre 1985 e 1987 era a vez da Cobrasma apresentar protótipos aceitos em diversos sistemas. Três foram entregues à CTA de Araraquara, dois com equipamento Villares e um com Brown Boveri. Os veículos utilizavam plataforma da Massari.
A Cobrasma se consolidou no mercado quando, em 1988, foi inaugurado o corredor Metropolitano de Trólebus e ônibus Expressos, entre São Mateus (zona Leste de São Paulo) e Jabaquara (zona Sul), servindo os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema. As obras do corredor começaram em 1985 e o sistema é considerado até hoje o modelo ideal para trólebus. A maior parte do trajeto é feito em via segregada com pavimento especial. Isso deu prioridade ao ônibus elétrico na divisão do espaço com os carros e melhores condições de operação. Não passando por valetas, buracos e oscilações de um asfaltamento comum aos outros carros, os trólebus ganhavam velocidade e as trepidações se tornariam menores, diminuindo o problema da queda de alavancas (pantógrafos), pretexto utilizado até hoje para aqueles que são contra os trólebus. Não é raro atribuir congestionamentos a queda de energia ou de alavancas em vias de tráfego comum, por onde também circulam os trólebus. Com a operação segregada, além de o problema ocorrer em menor número quando ocorre não atrapalha o restante dos motoristas.
A Cobrasma entregou para a inauguração do Corredor Metropolitano 46 unidades, com tração Powetronics. Um dos diferenciais do trólebus da Cobrasma é que ela utilizava na carroceria o mesmo material que aplicava em seus carros ferroviários, aço inoxidável, o que garantia mais durabilidade ao trólebus que, mesmo sem essas características, apresenta vida útil maior que a do ônibus convencional.
A Mafersa encerra sua produção em 1999 e a Cobrasma deixa de produzir ônibus, tanto elétricos como convencionais em 1990. O encerramento das produções das duas empresas, vale ressaltar, não se deu pela qualidade dos produtos, que, em poucos anos haviam se tornado referências no mercado, mas por problemas financeiros que já enfrentavam quando começaram a fazer ônibus, pela concorrência de outras empresas e falta de estímulos para sistemas de transportes como os trólebus.
Apesar da diminuição dos sistemas de trólebus em todo o Brasil nos anos de 1990, a indústria nacional se especializava na fabricação destes veículos, com forte participação de empresas automotivas, como Volvo, Mercedes Benz e Scania.
Além disso, empresas nacionais começaram a desenvolver tecnologia própria para a fabricação de trólebus mais modernos, com melhor rendimento operacional e mais econômicos.
Privatização da CMTC:

Trólebus Neobus chassi Mercedes-Benz operado pela Viação Santo Amaro
A CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos foi a grande incentivadora do trólebus não apenas em São Paulo, mas no Brasil e, sem exageros, de parte da América Latina.
Autoridades de transportes de todo o País, interessadas em sistemas menos poluentes, vinham a São Paulo conhecer a tecnologia e os veículos. O mesmo ocorria com gestores e operadores de transportes de países vizinhos.
A empresa pública chegou a montar trólebus, fabricando carrocerias e integrando os sistemas elétricos.
Na gestão de Paulo Maluf, a companhia municipal foi privatizada.
Em linhas gerais, a privatização da CMTC ocorreu em duas etapas. Inicialmente foram repassadas às empresas privadas as operações com ônibus a diesel, em 1993.
No ano de 1994, o processo de privatização da CMTC culminou com o repasse dos serviços de trólebus, veículos e garagens.
Já em 1995, a CMTC deixou de ser gerenciadora, sendo criada a SPTrans – São Paulo Transporte, empresa de economia mista, sendo controlada pela prefeitura.
Em abril de 1994, os serviços de trólebus que antes era da CMTC foi assumido por três empresas: a Transbraçal, especializada em terceirzação de serviços, que passou a operar a garagem do Brás, a Eletrobus que comprou as operações da garagem do Tatuapé, e a TCI – Transportes Coletivos Imperial, assumindo a garagem de Santo Amaro. Era o fim da era das operações de ônibus e trólebus pelo poder municipal, em São Paulo.
Em 1998, foram comprados 110 trólebus de diferentes modelos pelas operadoras privadas.
Mais tarde, surgiram outras empresas para assumir os serviços que eram deixados de lado por estas empresas que compraram o sistema e a frota da CMTC. Na zona Sul de São Paulo, chegou a operar a empresa Soares Andrade. O patrimônio e as linhas desta empresa e da Imperial, que encerrou as atividades em 1997, foi adquirido pela Viação Santo Amaro. A empresa foi buscar no mercado nacional soluções para a renovação da frota, como os Trolebus Caroceria Neobus Mega Evolution, Mercedes Benz, com equipamento elétrico da Gevisa.
Em 2002, a Eletrobus encerra suas operações, sendo seu patrimônio transferido após venda para a Eletrosul. A empresa fica pouco tempo no mercado, o que mostra que o sistema de trólebus não recebia mais os mesmos incentivos das administrações públicas, pelo menos em relação à infra-estrutura de rede e viária, e se tornava interessante para um número cada vez menor de operadores. Em 2003, no lugar da Eletrosul entra a Viação São Paulo São Pedro. Os veículos foram transferidos para a garagem de Itaquera.
A Transbraçal, que havia adquirido os serviços da garagem do Brás e a maior parte da frota “velha” da CMTC, com trólebus dos anos de 1960, deixa de operar em 2001. Os veículos mais novos da empresa foram adquiridos pela Expandir – Empreendimentos e Participações, empresa ligada ao Grupo Ruas, um dos mais influentes no setor de transportes da cidade e, hoje, detentor da encarroçadora Caio, a maior fabricante de carrocerias urbanas do País. Mais tarde, a empresa conseguiu do poder público a possibilidade de operar somente com veículos diesel. Eram mais linhas de trólebus extintas.
Processo de extinção de linhas que se intensificou a partir de 2001, quando assumira à prefeitura, Marta Suplicy. O corredor de trólebus da Avenida Santo Amaro, um dos maiores de São Paulo, foi desativado. O sistema entrava numa queda vertiginosa, apesar de conhecidos os ganhos ambientais e econômicos da operação com veículos com maior durabilidade, rendimento energético e emissão nula de gases poluentes. Consórcios de trólebus começavam a operar com ônibus diesel.
Parta justificar as constantes desativações, o poder público utilizou argumentos como o maior valor dos trólebus em comparação aos ônibus convencionais, a maior flexibilidade dos ônibus diesel e os problemas de quedas de pantógrafo, que ocasionavam congestionamentos Dificuldades estas que poderiam ser contornadas com investimento em modernização de rede e criação de vias prioritárias, como a do ABC Paulista.
Em 2003, as redes das regiões da Praça da Bandeira e da Rua Augusta também eram aposentadas. No dia 6 de maio de 2004, foi a vez da rede do corredor Nove de Julho ser retirada.
Com o fim das atividades da Eletrobus, em 2002, assume em caráter provisório o Consórcio Aricanduva, na zona Leste de São Paulo. Logo em seguida, a garagem passaria para a responsabilidade da Himalaia Transportes. A empresa, além de assumir a garagem do Tatuapé, operou os serviços de outros consórcios que também saíram do sistema de trólebus municipal de São Paulo, como o SPBus.
A Himalaia, empresa originária da Himalaia Transportes e Turismo, de 1968, assinou em 2004, quando o mandato de Marta Suplicy chegava a sua reta final, um contrato emergencial de prestação de serviços.
Em 2006, na licitação do consórcio que operaria a região remanescente de trólebus, correspondente à ligação entre parte da zona Leste e o centro, foi incluída no contrato da licitação a exigência de substituição de 140 trólebus antigos por novos veículos. A substituição foi totalmente concluída em 2013. A frota foi ampliada em 62 unidades (contando os protótipos).
Outras privatizações:
O processo de privatização dos serviços de trólebus também marcou a história deste tipo de veículos em outras cidades.
Em Santos, o sistema agonizava desde os anos de 1990. Em 1995, por exemplo, de 57 km de rede aérea, apenas 13,7 eram operados em uma única linha. A cidade litorânea que contou com mais de 50 trólebus, só tinha nesta época em operação sete veículos. Em 1998, as operações da CSTC – Companhia Santista de Transportes Coletivos foram privatizadas. A empresa passaria a ser apenas gerenciadora. O processo de venda do braço operacional da CSTC contemplou também o remanescente serviço de trólebus. Que foi assumido pela Viação Piracicabana.
O único processo de privatização que não foi concomitante com a redução da oferta de trólebus ocorreu com o Corredor Metropolitano do ABD (São Mateus/Jabaquara, na Capital, via Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, com extensão para a Berrini, na zona Sul de São Paulo e Mauá, também no ABC Paulista). Ao contrário, o cronograma para o sistema incluía a colocação de mais trólebus e a eletificação do restante do corredor operado somente por veículos a Diesel, entre a cidade de Diadema, no ABC, e o bairro do Jabaquara, na zona Sul de São Paulo.
Apesar de já ter a participação de empresários, com a propriedade de veículos, como as Viações ABC, Santa Rita e Diadema, as operações do corredor começaram com a atuação da Companhia do Metropolitano e logo em seguida da EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, ambas autarquias do Governo do Estado de São Paulo.
Em 1997, as operações e responsabilidade sobre a manutenção da rede aérea, do corredor e dos terminais passam para a iniciativa privada, no primeiro regime de concessão e não de mera permissão, para o setor de transporte público no Brasil. Em 24 de maio de 1997, entra em operação a empresa Metra, consórcio liderado pelo Grupo da Auto Viação ABC.
Diferentemente das outras privatizações, no Corredor ABD foram realizadas ampliações de frota e da capacidade energética do sistema.
Fura-Fila, um capítulo na história do trólebus em São Paulo
Apontado na época como um projeto que seria revolucionário na mobilidade da capital paulista, o Fura-Fila, ligação suspensa cuja primeira fase seria entre a região central e parte da zona leste, originalmente seria um verdadeiro VLP -Veículo leve sobre Pneus operado por trólebus biarticulados com guias laterais, o que auxiliaria a condução e deixaria o sistema mais rápido.
Um modelo de veículo foi desenvolvido especialmente para o sistema, com carroceria Marcopolo e design bem mais moderno que os ônibus “quadradões” da época. O ângulo da dianteira lembrava um trem.
A inspiração veio de modelos de transportes como das cidades de Essen (Alemanha) e Adelaide (Austrália).
Mas a falta de continuidade administrativa, política e de projeto alteraram completamente a proposta original.
O Fura-Fila seria um sistema de transportes limpos em vias segregadas e, diferentemente do que muitos pensão não se limitaria à ligação entre o atual terminal Sacomã e a região de Cidade Tiradentes.
Foram anunciados 170 km de vias em ligações de grande movimento de São Paulo.
As intervenções começaram em 1998. A promessa do novo sistema de transporte garantiu a eleição do candidato de Paulo Maluf, Celso Pitta, para a prefeitura de São Paulo.
No ano de 2000, um ônibus especialmente encarroçado pela Marcopolo ,com design totalmente diferente dos demais, chegou a circular sobre o Rio Tamanduateí na Avenida do Estado, por um período de quatro meses.
No entanto, as obras não iam para frente.
Em 2002, o projeto foi rebatizado pela então prefeita Marta Suplicy, de Paulistão.
As demais linhas foram descartadas e foram mantidas apenas a linha 1 entre Sacomã e Parque Dom Pedro II e a linha 2 entre Parque Dom Pedro II e Vila Prudente/São Mateus.
Os trólebus também foram descartados e a intenção era usar ônibus híbridos ou mesmo a diesel.
As obras foram iniciadas com a construção do Terminal Sacomã e da via elevada.
No entanto, no final de 2003, já tendo sido gastos R$ 600 milhões pelas gestões Pitta e Marta, as obras foram paralisadas por falta de verbas.
Foi discutida até mesmo a possibilidade de demolição da estrutura, no entanto, a administração do então prefeito José Serra, que se afastou do cargo para concorrer às eleições para Governador, deixando no lugar o vice Gilberto Kassab, apontou para viabilidade de continuação da obra.
Então somente, em 8 de março de 2007, 10 anos depois do início das obras, o primeiro trecho do Expresso Tiradentes, com 8,5 km de extensão, foi entregue à população.
No dia 28 de abril de 2009, o prefeito Gilberto Kassab e o governador José Serra, anunciaram convênio para alterar o projeto inicial. O trecho até Cidade Tiradentes se transformaria na linha 15-Prata de monotrilho, prevista para ser inaugurada em 2012.
Mas o monotrilho atualmente só tem 7,8 km e não irá mais até Cidade Tiradentes.
O trecho entre Vila Prudente e Ipiranga e Boa Esperança e Hospital Cidade Tiradentes, no extremo leste, tiveram o projeto “congelado”, sem previsão de início das obras.
História recente
Na primeira década dos anos 2.000 destaque para empresas como Eletra, Tuttitransporti, Iluminatti, WEG, Siemens, Bosch, etc. Mesmo sem muito estímulo e com mercado reduzido, soluções nacionais despertaram interesses de investidores internacionais: uso de corrente alternada em vez de contínua, que permite a utilização de eixos de tração de ônibus produzidos no Brasil; refrigeração a água, que deixa os veículos mais leves e com maior rendimento; alavancas pneumáticas, que evitam as quedas constantes dos pantógrafos; sistemas de gerenciamento; e controle de operação e desempenho. De importador, o Brasil passou a ser exportador de sistemas de trólebus, em alguns casos, ironicamente, encontrando mais mercado no exterior do que nas próprias cidades.
No ano de 2013, a empresa Metra colocou em operação no Corredor ABD (entre o ABC Paulista e a Capital) 20 trólebus de 18 metros zero quilômetro, com capacidade para 120 passageiros cada.
Com a compra, a imagem do trólebus foi qualificada porque os veículos tinham carroceria atual (Caio Millennium BRT), iluminação de LED, ar-condicionado, carregadores USB para celulares,portas elétricas e dispositivos para aumentar o conforto e a segurança.
No segundo semestre de 2016, a Metra investiu R$ 15 milhões para colocar em operação mais 10 trólebus novos articulados, de 18 metros de comprimento, do mesmo modelo.
Um projeto da Metra-Eletra chamado Dual Bus provou que o trólebus pode ser compatível a outras formas de tração.
Em 2015, as empresas do Grupo ABC apresentaram um ônibus que reúne duas tecnologias: elétrico híbrido e trólebus.
O sistema híbrido é em série, ou seja, o motor a combustão tem a função apenas de gerar energia para o motor elétrico. Por isso, pode ser um propulsor de cilindrada menor, que também emite menos poluição. A movimentação na função híbrida é proporcionada apenas pelo motor elétrico. Já na função trólebus, o veículo opera conectado à rede aérea e não emite nenhum tipo de poluente.
O Dual Bus também possui caixa de transmissão, da Allisson modelo Torqmatic T450 por causa da configuração que une as funções trólebus e elétrico-híbrido.
O gerador é mais potente que de outros modelos de trólebus e elétricos, com 170kW (ou 230 cavalos). Isso porque, o veículo tem 23 metros de comprimento, ante os 18 metros de outros ônibus elétricos articulados, cujo gerador rende em torno de 120 kW.
A carroceria modelo Millennium III, da Caio, recebeu configuração para operar no Corredor Metropolitano ABD, da Metra, no trecho entre Diadema e Brooklin, na zona Sul de São Paulo. Há portas à esquerda também e a capacidade é para 153 passageiros, com 56 assentos, 96 lugares em pé e espaço para uma pessoa que depende de cadeira de rodas ou anda acompanha de cão-guia.
As baterias são de Chumbo Ácido pelo fato de uma das configurações ser de ônibus elétrico-híbrido.
Estes avanços nacionais provam que o Brasil poderia ampliar as redes de trólebus, que seriam opções a mais para as cidades que têm planos sérios para reduzir a poluição.
Restauração:
Em 2018, um ano antes de o trólebus completar 70 anos, a memória deste veículo ganhou um presente, ou melhor, dois.
A empresa Ambiental Transportes (que vai integrar o Consórcio TransVida com o modelo de linhas da licitação) atuou na restauração de dois modelos históricos.

Unidade recebeu carroceria atual em 1996
Um deles chegou à CMTC em 1980, adquirido ainda no âmbito do Projeto Sistran, um plano de 1978 na gestão de Olavo Setúbal como prefeito, capitaneado pelo secretário de transportes, Adriano Murgel Branco. A carroceria era Ciferal Padron Amazonas sobre chassi Scania.
Em 1996, a unidade foi reformada pela empresa que operava os serviços na época, Eletrobus, recebendo a carroceria Marcopolo Torino GV.
Em 2008, o veículo foi baixado, ou seja, retirado da operação. O trólebus foi adquirido pela empresa em leilão e quase chegou a ser desmanchado. Foi aproveitado como veículo de treinamento até 2013. Entre 2015 e 2016, serviu para testar alavancas pneumáticas para novos modelos.

Trólebus em exposição de 2018

A partir de 1985, os modelos articulados ampliaram a capacidade do sistema de trólebus
O outro trólebus é um articulado que chegou à CMTC em 1985. O chassi Volvo B58. A carroceria era Caio Amélia.
Em 1996, também foi reformado pela Eletrobus, recebendo a versão articulada da carroceria Marcopolo Torino GV.
E-TROL:
O E-Trol, um modelo que mescla sistema de trólebus com pantógrafo (alavanca para a fiação aérea) com baterias para longo percurso e velocidade normal de operação.
O Diário do Transporte mostrou que em agosto de 2022, a empresa Eletra anunciou que o sistema de corredores de ônibus rápidos entre o ABC Paulista e a capital, o BRT-ABC, será operado por veículos deste tipo.
O veículo de 21,5 metros, tem chassi Mercedes-Benz e em parte do trajeto vai operar como trolébus e em outra parte, como ônibus elétrico a bateria.
De acordo com CEO da Eletra, Milena Braga Romano, o corredor terá trechos com rede aérea como a dos trolébus. Enquanto estiver operando nesses trechos, o veículo carrega as baterias. Nos trechos sem a rede aérea, o funcionamento é com o banco de baterias já carregado.
Segundo a diretora comercial da Eletra, Ieda Oliveira, entre as vantagens é que não haverá necessidade de carregamento dos ônibus nas garagens, dispensando as caras estruturas de recarga.
O BRT-ABC tem novo prazo para ser entregue. Fim de 2024. A promessa inicial era entre o fim de 2022 e início de 2023.
Relembre:
Eletra anuncia E-Trol, um mix de elétrico a bateria e trolébus para o BRT ABC
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes