Elas – as pessoas por trás da Superliga – estão de volta.
A A22 Sports, empresa que está tentando organizar uma competição alternativa aos torneios europeus (Champions League, Europa League e Conference League), anunciou na terça-feira (17) que solicitou à Uefa o reconhecimento de seu novo torneio internacional, a Unify League. Isso ocorre quase um ano depois da determinação do Tribunal de Justiça Europeu (TJE) que a Uefa não poderia se opor à criação de outros torneios internacionais, desde que atendessem a determinados critérios, que vão desde um processo de classificação inclusivo até a conformidade com o calendário da Fifa.
Então é isso? Agora temos um rival para a Liga dos Campeões?
Não exatamente, pois há uma série de obstáculos a serem superados primeiro.
Tecnicamente falando, a decisão do TJE considerou que os regulamentos da Uefa davam a ela poder demais para bloquear competições rivais, de modo que a entidade redigiu novas regras imediatamente após o veredicto – que, segundo eles, estão em conformidade com a decisão do TJE. Alguns desses regulamentos estabelecem critérios em termos de classificação aberta e meritocrática – aspectos que a Unify League parece atender –, enquanto outros, de acordo com a A22, não estão em conformidade.
A A22 citou especificamente um que proíbe qualquer nova competição de clubes de “afetar o bom funcionamento” dos torneios da Uefa – que, francamente, é mais ou menos o objetivo da concorrência: atrapalhar seus rivais e aumentar sua participação no mercado. O argumento é de que as regras, da forma como estão escritas, basicamente forçam as equipes que se qualificam para as competições da Uefa a jogar nelas.
Portanto, em um cenário de troca de versões, podemos esperar mais discussões entre advogados e possivelmente cartas para a Corte Europeia para esclarecer tudo. Mas esse é apenas o primeiro obstáculo.
Qual é o próximo?
Bem, mesmo que eles superem esse obstáculo e consigam o que querem – o que, como A22 escreveu, significa que “os clubes são livres para decidir qual torneio vão disputar” –. a criadora da Unify League precisa persuadir as equipes que é justamente isso que elas desejam. E isso não será fácil, porque, embora os clubes estejam interessados em prestígio, história, em ter voz ativa em suas competições e interagir com os torcedores, convenhamos, o dinheiro é o principal motivador.
Não está claro como o modelo de negócios da Unify League vai gerar mais receita em termos de direitos comerciais e de mídia. Na era moderna, a Champions League certamente dominou o mercado, quase como um Super Bowl do futebol.
Afinal, qual é o modelo da A22?
Não há muitos detalhes, mas é plausível dizer que eles terão patrocinadores, assim como a Uefa. A grande diferença, no entanto, está nos direitos de mídia.
Em vez de vender direitos para emissoras e streamers, eles terão seu próprio serviço de streaming, a Unify Platform. Todos os jogos serão exibidos gratuitamente, embora com publicidade. E para aqueles que não gostam de intervalos comerciais, haverá a oportunidade de comprar “assinaturas premium acessíveis” que oferecerão mais recursos tecnológicos do que a TV padrão.
É possível ganhar mais dinheiro assim?
Essa pergunta levanta uma série de questões bastante óbvias. Se tudo o que você precisa fazer para ganhar mais dinheiro é exibir jogos gratuitamente com intervalos comerciais, por que as emissoras existentes não pensaram nisso? E se o segredo para obter mais receita é ter “assinaturas premium acessíveis”, em vez das caras atuais, por que não fizeram isso?
É claro que há algum mérito em questionar o atual modelo de preços – a transmissão gratuita atrai um público maior e mais exposição para os patrocinadores, o que pode significar taxas de publicidade mais altas, enquanto os valores mais baixos de assinatura podem torná-lo um jogo de volume, em que você obtém mais assinantes e acaba com mais dinheiro –, mas é preciso de uma pitada de fé para pensar que esses caras podem fazer isso funcionar onde todos os outros falharam. Dito isso, eles estão convencidos de que seu formato será mais empolgante e gerará um público maior…
Como assim?
Em resumo, haverá quatro ligas, sendo que as duas principais (Star League e Gold League) são compostas por 16 clubes cada. Cada liga é dividida em dois grupos de oito, e todos jogam em casa e fora, em um total de 14 partidas. Os quatro primeiros colocados de cada grupo se classificam para as quartas de final, que também serão disputadas em casa e fora, e as semifinais e a final serão em jogos únicos.
Isso totaliza 246 jogos, um pouco mais do que o total da atual Champions League no “modelo suíço” (237 jogos), mas, é claro, ela tem 36 clubes contra os 32 das Ligas Star e Gold combinadas, então acho que eles podem dividir um bolo um pouco maior em menos fatias.
Quanto ao fato de ser mais emocionante, não tenho certeza. Você terá muitas das mesmas equipes jogando entre si na fase de grupos, ano após ano, e imagino que terá alguns jogos sem sentido porque, com quatro dos oito classificados, as equipes poderiam saber se estão dentro ou fora do mata-mata faltando três ou quatro jogos, o que torna os dias de jogos finais bastante irrelevantes.
Há também o fato de que a decisão do TJE os obriga a serem “baseados no mérito” e “abertos a todos”, o que pode ser um obstáculo para eles.
O que você quer dizer com isso?
Bem, a antiga/abortada Superliga Europeia tinha 12 megaclubes garantidos – 15 na proposta original, antes que Bayern de Munique, Borussia Dortmund e Paris Saint-Germain dissessem não. De acordo com os regulamentos da A22, se a competição tivesse começado nesta temporada, clubes como Dortmund, Liverpool, Aston Villa, Barcelona e Atlético de Madrid, todos eles na Champions League, não teriam vaga garantida na competição, mas precisariam lutar em várias rodadas classificatórias por uma das vagas nos playoffs.
E adivinhe só? Os clubes gostam de coisas certas e detestam incertezas, especialmente quando se trata de receitas.
Mas eles não acabarão na próxima liga ‘inferior’?
Você está se referindo à “Gold League”, certo? Na verdade, o Atlético de Madrid e o Borussia Dortmund também não teriam vaga garantida; eles precisariam chegar lá por meio dos playoffs. Mas, sim, a próxima liga abaixo provavelmente gerará uma receita substancialmente menor do que a da liga principal, assim como a Europa League gera menos dinheiro do que a Liga dos Campeões. Esse é o problema.
É uma venda realmente difícil, e eles terão dificuldade em convencer os clubes de que isso é mais lucrativo. A menos que…
A menos que o quê?
A menos que haja alguém disposto a oferecer aos clubes uma grande garantia de compensação. Alguém que diga: “Eu lhe garanto mais do que você está ganhando agora”. E isso é difícil porque, atualmente, a Uefa gera cerca de 4,4 bilhões de euros (R$ 28,6 bilhões) com suas três competições. Pouco mais de 6 bilhões desse valor vai para os custos administrativos (R$ 2 bilhões), pagamentos aos clubes que não se classificam (R$ 2,8 bilhões), subsídios para as competições femininas e juvenis (R$ 162 milhões) e para os cofres da Uefa (R$ 1,4 bilhão) para serem redistribuídos às federações afiliadas.
Agora, a A22 obviamente poderá realizar um torneio mais enxuto, de modo que seus custos administrativos serão menores, e talvez não queira subsidiar a competição feminina. Talvez não paguem tanto aos clubes que não se qualificarem ou às associações afiliadas, embora digam que terão algum mecanismo de solidariedade. Mas, ainda assim, eles precisarão chegar bem acima do valor de R$ 28,6 bilhões de euros para fazer valer a pena.
E, lembre-se, como os jogos serão realizados em sua própria plataforma, eles também terão custos de marketing, tecnologia e produção que atualmente são absorvidos pelas emissoras.
Então, sim, imagino que seria necessário alguém disposto a dizer: “Eu vou colocar R$ 39 bilhões por ano para cobrir a desvantagem nos próximos dois anos para fazer essa coisa decolar e garantir que os clubes estejam em melhor situação com a Unify League do que em qualquer outro lugar”.
Francamente, isso é uma tonelada de dinheiro e, é claro, há o risco de um cenário desastroso tanto para a Uefa quanto para a Unify League.
Qual é exatamente o “cenário desastroso”?
Imagine que eles acabem competindo diretamente entre si e que o A22 convença alguns clubes, mas não outros. Ou, como também há um vespeiro de legislação nacional em vários países que impede os clubes de participarem de uma liga como essa, e que pode ou não estar em conformidade com a decisão do TJE, alguns clubes simplesmente não podem. E então?
Digamos que a Unify League tenha Real Madrid, Manchester City, Bayern e Inter de Milão. A Champions League tem Barcelona, Liverpool, Borussia Dortmund e Juventus (presumivelmente, o PSG também, a menos que Nasser Al Khelaifi abandone o barco). Ambas as competições estão nitidamente mais fracas e, não, não se trata de um declínio linear, pois o sucesso da Liga dos Campeões se baseia no fato de ter os melhores clubes em um só lugar. Se tirarmos metade deles, o interesse não cai pela metade, mas muito mais do que isso.
A destruição mútua pode ser um exagero, mas certamente tornaria a vida muito mais difícil para todos.
Então, o que acontecerá em seguida?
Espero muitas idas e vindas entre os advogados e, talvez, algum esclarecimento do TJE, mas, em última análise, isso parece uma jogada de poder, em que o A22 quer levar a Uefa à mesa de alguma forma. Exceto que é difícil ver como o A22 tem alguma influência, pois seu modelo de negócios parece ser bobo e ninguém de destaque, além do Real Madrid, foi defendê-los.
A não ser, é claro, que haja alguém nas sombras com vários bilhões disposto a bancar toda a operação.