Publicado em: 16 de dezembro de 2025

Vice-presidente da ANTP afirma que a cobrança se concentra nas empresas operadoras enquanto o poder público descumpre atribuições essenciais sobre viário, obras, calçadas e segurança de passageiros
ALEXANDRE PELEGI
Depois de defender que o transporte coletivo precisa voltar a seduzir o passageiro e gerar orgulho em quem encara o ônibus todos os dias, o vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Cláudio de Senna Frederico, amplia o foco do debate e aponta um fator que costuma passar quase despercebido — embora esteja bem diante dos olhos de todos: a responsabilidade direta das prefeituras na qualidade do serviço.
Para Frederico, a fiscalização do transporte coletivo segue um roteiro conhecido. A lupa está quase sempre apontada para as empresas concessionárias e permissionárias — aquelas que dirigem, mantêm a frota e tentam cumprir horários — enquanto o poder público, que organiza (ou desorganiza) a cidade, muitas vezes fica fora do enquadramento.
Segundo o dirigente da ANTP, fiscalizar o transporte coletivo não é apenas conferir planilhas, pontualidade ou estado do veículo. É também fiscalizar quem controla a rua, a calçada, a obra e o entorno. Afinal, ônibus não anda no vácuo — anda na cidade real, com buraco, caçamba, carro parado em fila dupla e faixa exclusiva tratada como estacionamento eventual.
Uma das principais responsabilidades das prefeituras, destaca Frederico, é a priorização efetiva do sistema viário. E isso vai muito além de pintar uma faixa no asfalto e tirar foto para divulgação. Significa manter corredores livres de estacionamento irregular, de carga e descarga fora de hora, de obras privadas avançando sobre a via e de pavimento que mais parece teste de suspensão.
Outro ponto sensível é a gestão das obras urbanas. Intervenções viárias feitas sem coordenação com o transporte coletivo — ou com desvios improvisados que surgem da noite para o dia — afetam diretamente a operação das linhas, aumentam o tempo de viagem e colocam o passageiro numa espécie de “tour involuntário” pela cidade. Para Frederico, isso não é fatalidade urbana, é falha de gestão pública do transporte.
Como contraponto, ele cita Londres, onde centros de controle acompanham permanentemente o uso do viário, monitoram obras, organizam desvios e fiscalizam qualquer interferência que possa atrapalhar ônibus e outros modais. Lá, a rua não é apenas cenário do trânsito: é parte do sistema de transporte. Nada de “depois a gente vê”.
O mesmo raciocínio vale para os espaços fora do veículo. Calçadas, pontos de embarque e desembarque e áreas de distribuição de passageiros, segundo o vice-presidente da ANTP, precisam ser tratados como infraestrutura de transporte. Em outras palavras, não são sobras do urbanismo. Devem funcionar como uma estação de metrô — com ordem, acessibilidade e lógica — e não como um teste diário de obstáculos.
A segurança entra como capítulo essencial. Para Frederico, a segurança de passageiros e funcionários do transporte coletivo precisa ser superior à média da cidade, assim como ocorre nos sistemas metroferroviários. E isso não se resolve com adesivo no vidro nem boa vontade do motorista. Trata-se de uma atribuição direta do poder público.
Na avaliação de Cláudio de Senna Frederico, o passageiro só volta a confiar no transporte coletivo quando sente que há cuidado permanente com o serviço e presença efetiva do Estado na sua gestão. Quando percebe que alguém está olhando por ele — dentro e fora do ônibus — e não apenas esperando que “se vire”.
Sem que as prefeituras assumam essas responsabilidades básicas, o transporte coletivo perde competitividade e atratividade. Com uma cidade organizada, fiscalização equilibrada e gestão pública atuante — como mostram experiências internacionais — o ônibus deixa de ser apenas uma obrigação cotidiana e passa, finalmente, a ser uma escolha.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


