Publicado em: 9 de julho de 2025
O legado inestimável do engenheiro na implantação e na contínua evolução do transporte elétrico na capital paulista
ALEXANDRE PELEGI
O trólebus, conhecido veículo de transporte público elétrico que opera conectado a uma rede aérea de fios de contato, possui uma trajetória notável e complexa no Brasil, especialmente na cidade de São Paulo. Desde as primeiras discussões e projetos, na década de 1930, até os desafios atuais, este modal desempenhou um papel significativo na paisagem urbana paulistana. Uma figura central e indispensável no seu desenvolvimento foi o engenheiro Adriano Murgel Branco, amplamente reconhecido como o “Pai do Trólebus no Brasil“.
O nascimento e crescimento do trólebus em São Paulo
A primeira experiência brasileira de operação de trólebus ocorreu em São Paulo, em abril de 1949, com uma linha inicial de 7,2 km de extensão, projetada para operar com 16 veículos, ligando a Vila Mariana à região central da cidade. A Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) de São Paulo foi fundamental no desenvolvimento inicial do sistema, expandindo sua frota, sistematicamente, até atingir mais de 400 veículos. A fabricação dos trólebus no Brasil começou em 1958, inicialmente por empresas privadas e, posteriormente, pela própria CMTC.
A década de 1960 trouxe enormes desafios para a manutenção do sistema, incluindo dificuldades na importação de veículos e de peças, o que levou a CMTC a desenvolver sua própria capacidade de fabricação e de manutenção desses veículos, em suas oficinas, construindo 139 trólebus, até 1964. Ao final da década de 1960, a rede de São Paulo já contava com 233 trólebus, 129 km de rede bifilar e 13 subestações retificadoras. Apesar desse crescimento inicial, o sistema sofreu uma rápida deterioração, na década de 1970, em parte devido à dificuldade na reposição de peças e à falta de recursos para novos investimentos.
Em meados de 1977, época que encerrou sua atividade de professor titular na Escola de Engenharia Mauá, Adriano Branco foi convidado para atuar na administração Olavo Setúbal, em que assumiu a Diretoria do Sistema Trólebus da CMTC. Missão: “desenvolver e implantar uma nova geração de trólebus para a cidade de São Paulo”.
Adriano Branco: O Engenheiro visionário do trólebus paulista
A importância de Adriano Branco para o sistema de trólebus de São Paulo é profundamente enraizada na história do transporte urbano da cidade. Conforme o depoimento do engenheiro Ivan Whately, vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia, “como engenheiro da CMTC, Adriano Branco montou os primeiros ônibus elétricos no Brasil, com peças dos bondes desativados, na década de 1960. Nessa época, ele já era chamado de ‘Pai do Trólebus no Brasil’ “.
Francisco Christovam era um jovem formando quando ingressou na CMTC ao lado de Adriano. Christovam testemunha: “Eu comecei a minha carreira, em outubro de 1977, com o Adriano, na CMTC, no início do desenvolvimento da chamada 3ª geração dos trólebus. A primeira geração era representada pelos trólebus importados e a segunda, pelos trólebus construídos pela própria CMTC”.
A contribuição de Branco foi além dessa montagem inicial, ressalta Ivan Whately, vice-presidente de Atividades Técnicas do Instituto de Engenharia atualmente. Whately conta que “como Diretor da Diretoria do Sistema Trólebus da CMTC, Adriano Branco implantou o primeiro corredor de trólebus, com veículos equipados com porta do lado esquerdo, na Av. Paes de Barros, na região da Mooca, em São Paulo. Com base no Plano SISTRAN, elaborado em 1975, pelo Governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Municipalidade, Adriano elaborou um Programa de Ação Imediata, para a implantação de uma frota de 200 novos veículos, cerca de 50 km de redes aéreas e de uma moderna garagem, cujo início se deu em 1977”. Whately destaca que Adriano fez a contratação da consultoria e o acompanhamento do projeto da Setepla e comandou as equipes de técnicas e testes realizados nos veículos em São José dos Campos (SP).
Para o desenvolvimento dos primeiros estudos, Adriano Branco contratou várias empresas de projeto e de gerenciamento, além da Setepla. Participaram do grupo de desenvolvimento a Logos Engenharia, ESCA Engenharia de Sistemas e PROMEC Engenheiros Associados, entre outras, com a missão de elaborar os projetos básicos e as especificações técnicas dos veículos, das redes de contato, das redes de alimentação, das subestações retificadoras e da garagem.
Francisco Christovam, que posteriormente seguiu carreia com larga passagem no setor de transportes, atualmente é Diretor-Executivo da NTU, e detalha a resiliência de Branco diante das dificuldades enfrentadas para a implantação dessa nova geração de trólebus. “Num primeiro momento, Adriano teve que enfrentar a resistência das montadoras, para produzir o primeiro trólebus totalmente brasileiro. Como os preços apresentados na licitação pública, para a fabricação dos veículos, ficou acima do razoável, Adriano foi até o Prefeito Olavo Setúbal e disse: ‘Olha, prefeito, estamos diante de uma situação inaceitável e que pode comprometer todo o esforço até agora realizado. Preciso da sua autorização para cancelar a licitação e montar um veículo com os menores preços apresentados pelos diversos fabricantes, para o chassi, para a carroceria e para os componentes elétricos’. Adriano então chamou a Scania, para fornecer os chassis; a Ciferal, para fabricar as carrocerias; a Bardella-Borriello para fornecer os motores e a Tectronic, para projetar e montar os comandos de tração”.
Antonio Vicente era um dos sócios da Tectronic e foi quem projetou o sistema de controle de velocidade dos veículos; os primeiros, atuado por contatores, e o segundo lote de 100 veículos com comando atuado por “chopper”.
A equipe interna da Diretoria de Trólebus da CMTC, sob a liderança de Adriano, incluía profissionais como Cristiano Murgel, Pedro Kassab, Marcelo Freitas, Mauro Uerrara, Miriam Bettina Lopes e Zé Luiz Vieira. Christovam fazia parte dessa equipe e garante que é um dos poucos técnicos que pode contar essa história em detalhes. Muito do que aprendeu, segundo ele, foi no final do expediente, quando Adriano reunia a equipe para relatar o resultado das negociações e dos entendimentos que tinha que realizar com fabricantes, órgãos de financiamento e autoridades, das três esferas de governo, que acompanhavam o desenvolvimento do projeto de São Paulo.
Graças a esses esforços, o sistema de trólebus de São Paulo expandiu-se rapidamente. A primeira etapa do SISTRAN, concluída no final de 1981, resultou em 200 novos trólebus de dois eixos, 15 subestações retificadoras e 50 km de rede aérea bifilar dupla. Uma segunda etapa, que não foi totalmente implantada, previa mais 210 veículos, 14 subestações e 69 km de rede aérea. Atualmente, o sistema de São Paulo opera com uma frota de cerca de 200 trólebus, operados a partir da Garagem Tatuapé, construída no início dos anos 1980, para a operação da nova frota de trólebus.
Luta persistente
Não à toa, Adriano é considerado por muitos o “pai do trólebus” no país, pela sua persistência em implantar e expandir o uso desse modal na cidade e depois em algumas cidades brasileiras. Em evento realizado no Instituto de Engenharia em 2013, sob o título 2° Seminário Trólebus,a instituição reuniu grandes nomes do setor que trouxeram em pauta a importância deste transporte para a melhoria da mobilidade e do meio ambiente. Mais uma vez, o nome de Adriano foi lembrado por sua história de luta na implantação desse transporte e pela preservação de várias linhas em ação na capital.
Adriano Branco sempre defendeu subsídios e o financiamento público do setor de transportes, mesmo sendo operado por empresas privadas. Segundo o engenheiro, com base em sua experiência, é possível notar que os transportes trazem lucro para toda a sociedade por meio de benefícios sociais e econômicos, as chamadas externalidades, que não são repassados para o setor novamente.
Desafios e o futuro do trólebus
Apesar do reconhecimento mundial da necessidade de se reduzir as emissões que contaminam a atmosfera e de reforçar o transporte público eletrificado, os trólebus na cidade de São Paulo vêm sendo desativados, nos últimos anos. O próprio Adriano Branco considerava o caso dos trólebus “paradigmático”, dada a longa história de estudos e planos para sua implementação e expansão, contrastando com o recente declínio. Ele citava estudos desde a década de 1930 e relatórios detalhados da Prefeitura Municipal, datados de 1943, sobre a implantação de linhas de ônibus elétricos.
O legado de Adriano Branco e a história dos trólebus em São Paulo servem como um lembrete da importância da visão, da resiliência e do investimento contínuo em soluções de transporte público eficientes e sustentáveis, especialmente em um cenário onde a eletrificação dos transportes é cada vez mais crucial para a sustentabilidade ambiental, econômica e social do transporte coletivo urbano de passageiros.
PARA SABER MAIS:
O transporte por trolebus em São Paulo
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes