Publicado em: 13 de novembro de 2025

Dado faz parte do inventário das emissões divulgado pelo Sistema Transporte da CNT, que revela que o ônibus não é o vilão da poluição, pelo contrário, o estímulo ao transporte coletivo é cada vez mais comprovado como medida socioambiental
ADAMO BAZANI / VINÍCIUS DE OLIVEIRA
Com uma das frotas mais velhas do mundo, correspondendo a uma idade média entre 30 e 40 anos entre os transportadores autônomos, os caminhões, isoladamente, respondem por 34% das emissões de gás carbônico no Brasil.
Entretanto, os vilões da poluição ainda são os veículos menores no transporte individual. Os automóveis respondem por 30% das emissões, os comerciais leves por quase 15%, e as motos por aproximadamente 3%. O dado faz parte do relatório do inventário das emissões, divulgado pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), do Sistema Transporte, na COP30, Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas), que ocorre em Belém (PA).
O Diário do Transporte está na capital paraense, a convite da Eletra Industrial, acompanhando as principais discussões sobre mobilidade e meio ambiente.
A reportagem conversou com Fernanda Rezende, diretora da CNT, que explicou que o Brasil precisa priorizar o transporte coletivo, inclusive o metropolitano, ampliar as redes de ferrovias de cargas e passageiros, mesclando melhor os meios de transporte, incentivar cada vez mais o uso do ônibus e também criar alternativas para renovação da frota de caminhões.
Acompanhe a entrevista na íntegra:
ADAMO BAZANI: O Diário do Transporte conversa com a diretora da Confederação Nacional do Transporte, o Sistema Transporte, Fernanda Rezende. Há pouco houve a declaração do inventário de emissões no transporte. Um dado que chamou a atenção foi que, isoladamente, os caminhões representam 34% das emissões de gás carbônico, mas os veículos leves ainda lideram, somando as diferentes categorias. Fernanda, alguns desses dados chamaram a atenção? Essa do caminhão é relativamente inédita, né?
FERNANDA REZENDE: É, o caminhão, o ônibus, ele é tido como vilão nos grandes centros urbanos quando a gente fala de emissão, de congestionamento, só que na verdade o grande vilão são os carros, as motos que estão ali circulando pelas cidades. O inventário trouxe, quando a gente olha veículos pesados, a comparação de veículos pesados com veículos leves, que os veículos leves emitem 48% das emissões setoriais do transporte, enquanto os veículos pesados emitem 44%. Está bem parecido ali, mas quando a gente pega de forma isolada, por exemplo, o ônibus emite somente 10%, enquanto o carro, só o carro, você considerar carro e moto, é 34%.
ADAMO BAZANI: Agora, proporcionalmente em relação à frota, tem muito mais carro, então é natural que haja uma poluição maior pelo número de carros, a gente tem que ponderar isso também, né?
FERNANDA REZENDE: Sim, o inventário de emissão, ele considera a quantidade de carros, a quantidade de veículos circulantes como também o consumo de combustível, então justamente por ter mais carros é que a gente tem o maior percentual de emissão do veículo leve. Mas essa é justamente uma das funções para se reduzir a emissão do setor de transporte. Se a gente tiver priorização do transporte público, a gente consegue reduzir o número de carros circulando na rua e priorizar o transporte público, então gerando assim menos emissão setorial.
ADAMO BAZANI: Quer dizer, isso não inocenta o carro. Por que a gente fez questão de levantar esse aspecto? Porque justamente é isso, né? Ah, mas polui mais porque tem mais carro, mas o problema é esse, é ter muito carro e ter menos transporte coletivo.
FERNANDA REZENDE: Menos transporte coletivo. A gente tem um outro estudo que faz uma ponderação per capita das emissões e nesse estudo a gente mostra que o ônibus emite um sexto a menos do que o carro e metade do que se emite uma moto quando a gente compara passageiros transportados. Então políticas públicas efetivas para priorizar o setor de transporte coletivo, seja em ônibus ou transporte sobre trilho, seriam essenciais para a gente atingir a meta de redução e neutralidade do setor de transporte.
ADAMO BAZANI: Você falou sobre transporte sob trilhos. Hoje 90% das emissões vem do transporte rodoviário. O transporte sob trilhos, tanto de cargas como de passageiros, também ajudaria nisso.
FERNANDA REZENDE: Tem um equilíbrio da matriz de transporte, isso a gente pode falar de cargas e passageiros, ele seria o melhor dos mundos, porque quando você fala de transporte de carga, a base da nossa economia do Brasil é agronegócio, minério e produtos industriais. São cargas de baixo valor agregado que deveriam estar sendo transportadas por ferrovias e hidrovias. Então o uso da multimodalidade tiraria caminhões das vias circulando em grandes distâncias e deixaria esses veículos somente para circular até 500 quilômetros, tal qual eles são vocacionados. Então o equilíbrio da matriz de transporte de carga seria fundamental para fazer a descarbonização. E quando a gente fala para o transporte de passageiros, também o equilíbrio entre a matriz também seria importante. Hoje o transporte rodoviário corresponde a 90% das emissões do setor de transporte. Então a gente anda muito mais no transporte rodoviário e não necessariamente no transporte coletivo. A gente utiliza muito o transporte individual para fazer esses deslocamentos, seja em grandes centros urbanos, como também entre grandes centros. Então utilizar o transporte em massa, vamos dizer assim, um transporte que leve maior quantidade de pessoas seria essencial para redução da emissão de carbono.
ADAMO BAZANI: E você falou sobre a ligação das cidades. Hoje, por exemplo, antes de vir aqui para o painel, a gente esteve no BRT Metropolitano da Grande Belém, que é um sistema que está contando com ônibus elétricos, mas com ônibus zero quilômetro, mas acima de tudo ele está tirando carros, vans de circulação, motos, porque ele está trazendo modicidade tarifária, ele está incluindo pessoas que estavam excluídas do transporte metropolitano. Cidades como Santa Isabel, Castanhal, que não tinham acesso direto no transporte de maior demanda aqui para a capital Belém. E nesse contexto a gente vê um abismo de qualidade entre os sistemas de ônibus municipais e os sistemas de ônibus metropolitanos. Tanto em trilhos quanto em BRTs, a solução também passa em ligações entre cidades diferentes? Isso está sendo, digamos, relegado?
FERNANDA REZENDE: Com certeza. Eu acho que o investimento em transporte público, planejamento, vamos dizer assim, antes do investimento a gente tem que falar em planejamento. O planejamento da mobilidade urbana é um planejamento de longo prazo. Então o que tem acontecido em grandes cidades é esquecer esse planejamento e fazer implantações pontuais. Então é preciso olhar dos nossos governantes, pensar na Região Metropolitana e não somente dentro de um município. Porque essa ligação entre as regiões é importante. Às vezes você não tem uma política integrada. Então a CNT defende muito a criação, por exemplo, de uma autoridade metropolitana para fazer essa gestão e um planejamento integrado entre as cidades do transporte público e para a mobilidade em geral. Então o ideal seria construir grandes linhas troncais nas regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes, é construir linhas troncais de transporte sobre trilho e ônibus, alimentando essas linhas troncais, para que a gente consiga fazer essa integração. E essa integração tem que ser temporal, tem que ser tarifária, para que atraia o passageiro. Então, em 2024, nós lançamos uma pesquisa falando sobre a mobilidade da população urbana. E a população urbana deixou de usar ônibus. Em 2017, era meio a meio. O transporte coletivo respondia por 50% do transporte nas grandes cidades e o transporte individual por outros 50%. Nessa nossa última edição, esse número inverteu. O transporte coletivo está com 30% e o transporte individual com 70%. E a gente questionou ainda se os passageiros que deixaram de utilizar o ônibus, se ele voltaria. E ele falou que voltaria, mas para isso ele precisaria de transporte com qualidade, com previsibilidade e com conforto. O que poderia adequar tudo isso seria justamente essa priorização.
ADAMO BAZANI: E a modicidade tarifária? A gente estava vendo esse exemplo ainda do BRT no Belém. Para ir, por exemplo, de Castanhal até a Universidade do Pará, o estudante gastava quase R$ 25 de uma van insegura, depois pegava uma moto ou então um ônibus aqui. O mototáxi é muito presente na capital Belém. Agora é R$ 4,60. E quem paga, quem é de carro também está deixando. Então a modicidade tarifária é muito importante. Para a gente finalizar também o nosso bate-papo, a gente falou dos caminhões, né? Em relação a trocar a frota dos caminhões, porque proporcionalmente o número de caminhões é maior do que de ônibus, mas é bem menor do que os automóveis médios. E aí que a gente vê o X da questão. É bem menor e polui quase a mesma coisa. O caminhão é muito velho no Brasil, não é?
FERNANDA REZENDE: Sim, hoje a gente tem grandes empresas do setor de transporte que tem a idade média da frota é em torno de nove, não chega a mais de dez anos. Mas quando a gente olha para os transportadores autônomos, essa idade ultrapassa duas décadas. Eles são maioria e eles não têm um ativo de garantia para se adquirir um financiamento, para conseguir a troca de um veículo novo. Normalmente o veículo dele é muito antigo e desvalorizado. Então com a venda do veículo antigo, ele não consegue comprar um veículo novo, menos poluente. Então a CNT defende muito um programa de renovação de frota. A gente sabe que veículos antigos não vão sair de uma fase P1, P2, já direto para a fase P8, de veículos mais novos. Mas a gente tem que fazer um planejamento de forma que essa renovação seja feita de uma forma escalonada. Então retirar veículos da fase P1, P2, levando esses motoristas a circularem nos veículos da fase P5. E da P5, P7 para veículos da fase P8.
ADAMO BAZANI: Financiamentos públicos para seminovos.
FERNANDA REZENDE: Sim, financiamentos públicos para seminovos.
ADAMO BAZANI: Seria um caminho.
FERNANDA REZENDE: Uma política estruturada. Principalmente olhando para o transportador autônomo.
ADAMO BAZANI: Perfeito, Fernanda. A gente agradece bastante a sua participação no Diário do Transporte e parabeniza pelo inventário que trouxe luz a muitos temas e a muitos mitos da descarbonização no transporte.

Veículos leves lideram emissões no transporte, revela inventário inédito da CNT
Estudo representa um marco no compromisso com o desenvolvimento sustentável do transporte brasileiro
As emissões dos veículos leves correspondem a 48,25% do total de 189.840.717,56 toneladas de CO₂ equivalente contabilizadas em 2023 pelo setor de transporte brasileiro, de acordo com o Inventário CNT de Emissões de Gases do Efeito Estufa do Setor de Transporte, elaborado pela Ambipar. O documento detalha o volume total de emissões por modal – rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário – e inaugura uma nova fase de planejamento rumo à descarbonização do setor.
Conduzida pelo próprio setor privado, a iniciativa representa um avanço significativo na agenda climática, oferecendo um diagnóstico inédito que reposiciona o transporte brasileiro nos esforços ambientais nacionais e internacionais. Desenvolvido a partir de metodologias globalmente reconhecidas e acreditadas, como o GHG Protocol (Protocolo de Gases do Efeito Estufa) e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima), da ONU (Organização das Nações Unidas), o Inventário contou com a colaboração de 36 entidades do setor, que forneceram dados primários por modo de transporte.
O resultado é um retrato detalhado e consistente, com alta segregação entre categorias veiculares e subcategorias de fontes energéticas. O Inventário revela a predominância das emissões do modo rodoviário (92,89%) em função de sua relevância na matriz de transporte nacional, sendo responsável por 65% da movimentação de cargas e por mais de 90% da movimentação de passageiros. Nessa modalidade, os veículos leves – automóveis, motocicletas e comerciais leves – aparecem como os maiores emissores, seguidos pelos veículos pesados, como caminhões, ônibus e micro-ônibus.
O levantamento destaca ainda o importante papel estratégico do transporte coletivo por sua eficiência energética e menor emissão por passageiro, como uma das principais soluções para a descarbonização e o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis. Ao incluir também as emissões relacionadas à infraestrutura portuária e aeroportuária, o Inventário amplia o escopo da análise e oferece uma visão abrangente e integrada do impacto ambiental do setor de transporte brasileiro.
O modo aeroviário surge em segundo lugar, com 4,89% das emissões totais, considerando os voos domésticos do setor. Na sequência, o ferroviário contribui com 1,80% (ferrovias de cargas, trens urbanos e VLTs), enquanto o aquaviário, que inclui a cabotagem marítima e fluvial, representa apenas 0,41%, sendo apontado como a alternativa de menor impacto ambiental do setor.
O estudo se diferencia por trazer informações robustas, atualizadas e desagregadas, com rigor técnico, o que permitirá futuramente sua integração aos relatos oficiais governamentais. As emissões foram analisadas por categoria veicular, tipo de operação, região e infraestrutura, permitindo identificar os principais focos de emissão e as oportunidades de mitigação.
Os dados, segundo a CNT, trazem transparência, governança e engajamento, oferecendo apoio às empresas na tomada de decisão, bem como à construção e melhoria de políticas públicas que fortaleçam a descarbonização do setor de transporte.
O presidente do Sistema Transporte (CNT, SEST SENAT e ITL), Vander Costa, afirma que a busca por soluções sustentáveis no transporte exige mais do que intenção; requer dados consistentes. “O Inventário oferece uma base segura para planejar os próximos passos rumo à descarbonização, mostrando onde o setor está e permitindo definir aonde quer chegar”, destacou.
Boas práticas
Além do diagnóstico, o documento apresenta um capítulo dedicado às boas práticas de mitigação e neutralização já adotadas, com a demonstração de 18 estudos de caso que tratam de transição energética, eficiência operacional, reflorestamento e inovação.
“São práticas executadas em campo, em empresas que possuem certificados internacionalmente reconhecidos, demonstrando que o setor não apenas mede suas emissões, mas também já age para reduzi-las. Essas empresas não estão esperando a regulação chegar. Elas já estão resolvendo os impactos ambientais com responsabilidade e visão de futuro”, ressalta Fernanda Rezende, diretora executiva da CNT.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes
Vinícius de Oliveira, para o Diário do Transporte


