No transporte rodoviário de passageiros, empresas de ônibus e plataformas digitais vivem uma relação de dependência que ainda carece de sintonia. As viações dominam o essencial — operação, frota, segurança e cumprimento de normas — enquanto as plataformas se especializaram em tecnologia, marketing e experiência do usuário. O passageiro, porém, sente no bolso e no tempo o resultado dessa falta de integração.
O consultor jurídico Ilo Löbel da Luz, especialista em regulação da ANTT, resume de forma direta:
“Não existe concorrência entre quem opera e quem vende. O que existe é interdependência. A viação tem o produto, e a plataforma tem o canal. Quando cada um faz bem o seu papel e os sistemas se conectam, quem ganha é o passageiro.”
Essa “conexão” a que ele se refere ainda é um desafio, principalmente no pós-venda — momento em que o cliente precisa cancelar ou remarcar uma passagem.
“Hoje, é um processo que lembra os anos 1990: o cliente abre um chamado, a plataforma manda um e-mail, a viação responde manualmente, e tudo isso leva dias. É um verdadeiro pesadelo operacional, e o passageiro não entende por que um aplicativo moderno não consegue resolver algo tão básico.”
Segundo Löbel, essa falta de integração cria um efeito dominó:
“As plataformas gastam mais com atendimento, as empresas correm risco de multa por atrasos e o cliente desiste de usar o ônibus na próxima viagem. Todos perdem.”
A solução, ele explica, passa por algo que parece técnico, mas é fundamental: uma API padronizada de pós-venda.
“API é a sigla para ‘Interface de Programação de Aplicações’. Na prática, é um canal digital seguro que faz dois sistemas diferentes conversarem entre si. É como se a plataforma tivesse uma linha direta com o sistema da viação — sem e-mails, planilhas ou intervenção humana.”
Com essa integração, processos hoje lentos seriam instantâneos.
“O cliente pede o cancelamento, a plataforma consulta a viação via API, e a resposta volta em segundos: o valor da passagem, a multa, o reembolso. Tudo dentro das regras da ANTT. O mesmo vale para remarcações. É eficiência, transparência e respeito ao consumidor.”
O impacto seria imediato para todos os lados, afirma o consultor:
“A plataforma ganha produtividade, a viação elimina riscos e o passageiro tem o problema resolvido na hora. É um ganha-ganha-ganha real, não um slogan.”
Mais do que um avanço tecnológico, Löbel vê nisso uma mudança de mentalidade.
“Enquanto a regulação for tratada como obstáculo, o setor continuará preso ao passado. As regras precisam estar embutidas no próprio código das plataformas. A regulação deve fazer parte da inteligência digital do transporte.”
Ele reforça que modernizar o sistema não significa flexibilizar a lei, mas operacionalizá-la de forma inteligente.
“A ANTT define o que deve ser feito, e a tecnologia mostra como fazer melhor. O passageiro não precisa ser o elo fraco dessa cadeia. Se há norma, que ela funcione a favor dele — e não contra.”
Na visão do consultor, o futuro do transporte rodoviário depende justamente dessa convergência entre operação, regulação e tecnologia.
“Enquanto estivermos presos à planilha e ao e-mail, não adianta falar em inovação. A estrada digital já existe — falta só conectar os fios certos.”
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


