Publicado em: 28 de agosto de 2025
Associação que reúne comandantes de Bombeiros de todo o País diz estar preocupada porque frota tanto de ônibus como de carros elétricos vai crescer muito no Brasil e edificações não estão preparadas. Indústria teme desestímulo
ADAMO BAZANI
Colaboraram Arthur Ferrari e Vinícius de Oliveira
O conselho que reúne os comandantes gerais dos Corpos de Bombeiros de todo o País, Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom, conhecida como Liga dos Bombeiros), lançou na última terça-feira, 26 de agosto de 2025, um documento oficial com as propostas de diretrizes a serem adotadas pelas corporações para a criação de leis e normas voltadas a adaptações de garagens para veículos elétricos.
Houve reações negativas por parte da indústria de ônibus, caminhões e carros movidos com eletricidade.
O documento engloba edificações domésticas; garagens de prédios comerciais; estacionamentos de estabelecimentos como shoppings, mercados e igrejas; garagens de ônibus; pátios de transportadoras; entre outras.
Segundo as regras sugeridas, a responsabilidade de instalação e garantia de eficiência de locais onde haja recarga de veículos elétricos caberá integralmente ao responsável técnico e/ou empresa instaladora, juntamente com o proprietário/responsável pelo uso. Os responsáveis terão de seguir normas técnicas nacionais de segurança.
As instalações terão de possuir sistemas de desligamento manual de todas as estações de recarga que não fiquem a mais de cinco metros de distância das entradas dos imóveis, pátios e terrenos.
As garagens devem ter ainda sistemas de detecção de incêndio com chuveiros de acionamento automático casos haja identificação de chamas de resposta rápida.
Além disso, o documento especifica que o pavimento da edificação onde houver ocupações com garagens seja dotado de ventilação natural com abertura mínima de 50% do perímetro em pelo menos duas fachadas, o sistema de extração mecânica é dispensado.
O órgão justifica a elaboração do documento à preocupação com o crescimento da frota tanto de ônibus como de carros elétricos no Brasil e diz que as edificações não estão preparadas, em sua maioria.
Ainda de acordo com a Ligabom, houve debates com diversas entidades ligadas à eletrificação de veículos e uma audiência pública voltada para a população em geral e representantes das Montadoras de veículos elétricos; Instaladores e fabricantes de estações de carregamento; Representantes dos setores de construção civil, imobiliário, engenharia e arquitetura; Proprietários de veículos movidos a novas energias; Projetistas e instaladores de sistemas de segurança contra incêndio e centros acadêmicos.
O documento, entretanto, não agradou a todos e recebe contestações.
Uma das entidades reúne justamente os fabricantes de ônibus, carros e caminhões elétricos.
Segundo a ABVE (Associação Brasileira de Veículos Elétricos), as regras propostas vão gerar custos desproporcionais e pode haver um desestímulo à eletrificação de frota, necessária, de acordo com a entidade, diante da poluição das cidades.
Os fabricantes apontam supostos equívocos técnicos no documento, como o que confundiria, de acordo com nota da entidade, o modo de recarga (conceito funcional da IEC 61851‑1) com padrão de conector (tipo físico).
A ABVE ainda diz que os prazos definidos no documento são impossíveis, como a vigência das regras em 180 dias e exigência imediata das medidas elétricas, mais difíceis ainda em pátios comerciais de maior fluxo de veículos.
Os produtores de carros, ônibus e caminhões elétricos sustentam ainda que o “documento da Ligabom não seguiu o texto de consenso construído em mais de um ano de diálogo entre entidades como ABVE, Secovi, Sinduscon, Abravei e outras, em conjunto com técnicos do CB-SP, e apresentado oficialmente ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no dia 11/6/2025”.
Veja abaixo a nota da ABVE e o documento na íntegra do conselho dos Bombeiros.
NOTA DA ABVE:
A propósito da “Diretriz Nacional Sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos”, divulgada no dia 26 de agosto pelo Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom), a ABVE tem o seguinte posicionamento:
A ABVE reconhece avanços importantes na Diretriz Ligabom, especialmente no capítulo sobre normativas de instalação de equipamentos de recarga (conformidade com NBR 5410, NBR 17019 e NBR IEC 61851‑1, corte de energia, desligamento manual e sinalização, entre outros itens) e nas provisões de segurança dos edifícios novos.
Contudo, ao prever uma série de medidas de segurança nos prédios existentes e apenas nas garagens onde houver Sistemas de Abastecimento de Veículos Elétricos (SAVE), a Diretriz, na prática, se mostra de difícil de aplicação técnica para a maioria dos edifícios atuais. É também discriminatória à eletromobilidade e à instalação de equipamentos de recarga em edifícios, impondo custos desproporcionais às garagens.
O texto condiciona, para edificações existentes, a instalação de chuveiros automáticos (sprinklers) e detecção automática em toda a garagem quando houver SAVE (item 6 da Diretriz).
Trata‑se de uma redação ao mesmo tempo clara e ambígua. É clara na discriminação aos sistemas de recarga, pois sempre que houver um SAVE toda a garagem será obrigada a ter chuveiros automáticos. E também ambígua, pois onde não houver SAVE tais chuveiros não serão necessários. Ou seja, punirá quem instala sistemas de recarga – equipamentos de alta confiabilidade – e será omissa quanto às garagens sem recarga, perpetuando o status quo.
O documento desestimula a oferta de recarga e cria um obstáculo injustificável ao direito do consumidor e à modernização dos edifícios e da frota nacional de veículos.
Ele contém também um importante equívoco técnico, que compromete a segurança do serviço de recarga. Restringe a recarga aos Modos 3 e 4 (item 3.2), mas, em outro trecho, admite “SAVE Tipos 1 e 2” para garagens externas (item 4.3). Confunde modo de recarga (conceito funcional da IEC 61851‑1) com padrão de conector (tipo físico). Trata-se de erro terminológico, já que a recarga Modo 1 é proibida internacionalmente, em qualquer circunstância.
A Diretriz Ligabom também não tem paralelo conhecido no mundo, ao atrelar a obrigatoriedade de sprinklers à mera existência de equipamentos de recarga nas garagens.
De fato, a própria Exposição de Motivos admite a “carência de regulamentação específica em âmbitos nacional e global” e o “caráter pioneiro” do texto — evidências de que não há referência internacional que suporte o vínculo obrigatório entre os sprinklers e os SAVE.
Ao longo de 17 meses de intensas negociações em torno do tema, a ABVE sempre defendeu medidas robustas e modernas para proteger vidas, patrimônio e edificações. Mas entende que segurança deve ser universal e neutra em tecnologia, conforme padrões consagrados pelas mais acreditadas instituições técnicas internacionais.
O documento também parece desconhecer o risco dos veículos a combustão. Os maiores sinistros recentes em estacionamentos — como Liverpool (2017) e London Luton Airport (2023) — tiveram origem em veículos a combustão, agravados pela propagação de combustíveis líquidos. A própria bibliografia da Diretriz cita o relatório pericial de Luton, evidenciando que a segurança deve ser universal, e não dirigida contra uma tecnologia específica. Cabe lembrar que só no Estado de São Paulo ocorrem em média 16 incêndios de veículos a combustão por dia, ou quase 6 mil/ano, segundo o próprio Corpo de Bombeiros (CB-SP).
Os prazos definidos são igualmente inexequíveis: vigência em 180 dias e exigência imediata das medidas elétricas do item 3 para edificações existentes, o que é incompatível com a realidade de condomínios, shoppings e aeroportos.
Por fim, é importante frisar que o documento da Ligabom não seguiu o texto de consenso construído em mais de um ano de diálogo entre entidades como ABVE, Secovi, Sinduscon, Abravei e outras, em conjunto com técnicos do CB-SP, e apresentado oficialmente ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no dia 11/6/2025.
A ABVE teme que o texto induza à publicação de normativas estaduais desequilibradas nos seus critérios de segurança, estimulando conflitos desnecessários entre condôminos, proprietários de veículos elétricos, empresas de recarga e administradores prediais.
Mantida a Diretriz como foi divulgada, a judicialização do tema será inevitável, bem como medidas legislativas visando assegurar por lei o “direito à recarga” aos legítimos proprietários, usuários e fabricantes de veículos elétricos e equipamentos.
Por tais motivos, a ABVE roga pelo bom senso para que o documento da Ligabom seja devidamente ajustado e aplicado com sabedoria. E segue à disposição dos Corpos de Bombeiros e das autoridades estaduais para revisar a Diretriz com base em neutralidade tecnológica, evidência científica e análise de risco, sem punir quem adota tecnologias mais limpas e sem travar a modernização das garagens.
Num momento em que milhares de vidas e bilhões em patrimônio continuam sendo perdidos anualmente por causa da poluição do ar e das mudanças climáticas, o Brasil não pode deixar de aproveitar a oportunidade de legar a seus cidadãos uma regulação moderna, viável, tecnicamente eficaz e segura para todas as edificações
DIRETRIZES DA LIGABOM:
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes