É uma questão histórica que passa pelo passado de exploração do continente, mas a Copa Africana de Nações conseguiu, após muito tempo, reagir e fazer uma espécie de ‘revolução’ no que diz respeito ao comando das seleções.
O ESPN.com.br acompanha a questão há cerca de 15 anos, e a situação, que já chegou quase ao extremo, virou radicalmente: enfim, a partir de 2021, os técnicos africanos passaram a ser maioria entre as equipes da principal disputa continental.
Mas não era assim, e o ápice do comando estrangeiro se deu em 2015. Ainda com 16 participantes, a CAN teve naquela edição disputada na Guiné-Equatorial 13 países com técnicos ‘gringos’, 12 da Europa, sendo cinco franceses (o único de outra parte do mundo foi o argentino Esteban Becker, que liderou o país-sede). Incríveis 81% – apenas África do Sul, República Democrática do Congo e Zâmbia tiveram comandantes africanos (19%).
Em 2017, no Gabão, os estrangeiros repetiram a maioria contra os africanos no comando: 12 a 4 (75% contra 25%); dois anos depois, no Egito e na primeira vez com 24 seleções, a CAN manteve a tendência de queda neste tópico, mas de novo o levantamento mostrou bem mais técnicos ‘gringos’ que africanos: 16 a 8 (66,6% contra 33,4%).
Enfim, a virada africana
A virada finalmente veio em 2021. Em Camarões, dois terços dos 24 técnicos que começaram a disputa, ou seja, 16, eram africanos, logo, houve uma inversão exata da porcentagem observada em terras egípcias (66,6% contra 33,4%). Sim, a mudança pode ter a ver com o inchaço do campeonato, que chegou à quarta edição com o número atual de seleções (24), mas ainda não há qualquer dado concreto que possa comprovar isto.
O fato é que a ‘revolução’ foi feita. E tem sido mantida. Em 2024, na Costa do Marfim, e agora em 2025/2026, no Marrocos, o índice caiu um pouco em relação há dois anos, mas segue com os técnicos africanos sendo maioria em relação aos estrangeiros: 14 a 10, logo, uma proporção de 58,3% contra 41,7%.
Vale explicar que para este levantamento não foi levado em consideração apenas o local de nascimento dos treinadores, mas toda a sua trajetória no futebol – como a seleção que defendeu quando jogador -, nacionalidade dos pais, entre outros. É o caso, por exemplo, de Amir Abdou, em 2021, que nasceu em Marselha, na França, mas tem pais e nacionalidade de Comores, seleção que praticamente não existia até sua chegada, em 2014 – foi considerado africano; é também a situação do mais famoso técnico do continente na atualidade, Walid Regragui, que surpreendeu o globo ao assumir em cima da hora e mesmo assim levar Marrocos à semifinal e, no fim, ao quarto lugar da Copa do Mundo de 2022, no Qatar. Filho de pais marroquinos, ele nasceu e foi criado no subúrbio de Paris, mas sempre teve ligação com a cultura do país africano e, quando atleta, o lateral-direito jogou pelos Leões do Atlas por oito anos, tendo até sido vice-campeão da CAN em 2004 (final perdida para a Tunísia).
Fato inédito em 2026?
Um verdadeiro escândalo. Foi isto que aconteceu em 2024 com a Costa do Marfim, que sediou a CAN, chegou como uma das candidatas ao título e até venceu a Guiné-Bissau na estreia (1 a 0), mas depois despencou: derrota para a Nigéria (1 a 0) e uma goleada inexplicável sofrida para a modesta Guiné Equatorial (4 a 0).
Diante da vergonha, a federação de futebol do país não teve qualquer dúvida e anunciou a saída do técnico francês Jean Louis-Gasset (que morreu no último dia 26 de dezembro aos 72 anos) antes mesmo de os demais jogos da rodada final da fase de grupos acabarem. Assumiu o auxiliar-técnico, que é o marfinense Emerse Faé, os resultados ajudaram, e os Elefantes não só se classificaram como um dos quatro melhores terceiros colocados como acabaram campeões da competição pela terceira vez na história (2 a 1 sobre a Nigéria na final).
A incrível história de reviravolta dos Elefantes há dois anos, que começaram com um comandante estrangeiro e acabaram com um africano, possibilita agora a chance de algo inédito na história da Copa Africana: por quatro edições seguidas só técnicos do continente acabarem campeões.
Já são três vezes em que o ‘tri’ genuíno aconteceu, uma para o lado estrangeiro e duas para o lado africano. Nas edições de 1984 (Camarões campeão), 1986 (Egito campeão) e 1988 (Camarões campeão), o então iugoslavo Radivoje Ognjanović, o inglês Mike Smith e o francês Claude Le Roy, nesta ordem, saíram vitoriosos; o ‘troco’ veio em 2006, 2008 e 2010, quando o egípcio Hassan Shehata levou os títulos com o Egito.
Na atual sequência, o argelino Djamel Belmadi venceu em 2019 com a Argélia, o senegalês Aliou Cissé ganhou com Senegal em 2021 e, por fim, como já relatado, o marfinense Emerse Faé ficou com a taça ano passado com a Costa do Marfim. Na história, após 34 edições (esta de 2025 é a 35ª), a divisão de títulos é esta: Africanos – 19; Estrangeiros – 15.
Nesta quarta-feira (31), serão conhecidos os últimos classificados da fase de grupos, e aí saberemos quantos técnicos estrangeiros e africanos seguirão na briga pelo título de 2025/2026 da CAN, que terá nova edição em 2027, com três países-sede, Quênia, Tanzânia e Uganda, e outra já em 2028, quando passará a ser disputada de quatro em quatro anos, o que não fará mais a competição ter disputas em anos de Copa do Mundo.
Veja, abaixo, quem são os técnicos da CAN 2025, se são africanos ou estrangeiros e algumas curiosidades
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Total de técnicos: 24
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Africanos: 14 (58,3%)
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Estrangeiros: 10 (41,7%)
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Seleções comandas por técnicos do próprio país: 11
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Seleções comandas por técnicos africanos de outros países: 3 (Botsuana, Nigéria e Sudão)
Grupo A
Comores
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Stefano Cusin, canadense-italiano (nasceu em Montreal, no Canadá), 57 anos
Mali
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Tom Saintfiet, belga, 52 anos
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‘Senhor África’ (já comandou 7 seleções do continente – Namíbia, Zimbábue, Etiópia, Malauí, Togo, Gâmbia e Mali)
Marrocos
Zâmbia
Grupo B
África do Sul
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Hugo Broos, belga, 73 anos
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Lenda do futebol belga
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Campeão da CAN em 2017, com Camarões (Terceiro com a África do Sul em 2023)
Angola
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Patrice Beaumelle, francês, 47 anos
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Bicampeão da CAN (2012, com Gâmbia, e 2015, com a Costa do Marfim)
Egito
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Hossam Hassan, egípcio, 59 anos
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3 vezes campeão da CAN
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Maior goleador da seleção do Egito (69 gols em 177 jogos – Salah tem 65)
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Ídolo do Al-Ahly-EGI
Zimbábue
Grupo C
Nigéria
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Éric Chelle, malinês, 48 anos
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Era zagueiro
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Nasceu na Costa do Marfim (Abdijan), filho de mãe malinesa e pai francês
Tanzânia
Tunísia
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Sami Trabelsi, tunisiano, 57 anos
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Era defensor e jogou a Copa de 1998 com o país
Uganda
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Paul Put, belga, 69 anos
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Outro técnico ‘Senhor África’ (já treinou 6 seleções do continente – Gâmbia, Burkina Faso, Quênia, Guiné, Congo e Uganda)
Grupo D
Benin
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Gernot Rohr, alemão, 72 anos
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Jogou no timaço Bayern de Munique-ALE do começo dos anos 1970, mas não teve sucesso; no Bordeaux-FRA de 1977 a 1989, virou ídolo: campeão do Francês 3 vezes (1984, 1985 e 1987) e da Copa da França duas (1986 e 1987)
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Outro técnico ‘Senhor África’ (já comandou 5 seleções do continente – Gabão, Níger, Burkina Faso, Nigéria e Benin)
Botsuana
República Democrática do Dongo
Senegal
Grupo E
Argélia
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Vladimir Petkovic, bósnio-suíço, 62 anos
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Ganhou a Copa da Itália 2012/2013 com a Lazio
Burkina Faso
Guiné-Equatorial
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Juan Micha, guinéu-equatoriano, 50 anos
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Desde março de 2021 no cargo
Sudão
Grupo F
Camarões
Costa do Marfim
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Emerse Faé, marfinense, 41 anos
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Campeão da CAN 2024 com a Costa do Marfim após começar como assistente e assumir o comando técnico durante a competição
Gabão
Moçambique
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Francisco Queriol Conde Júnior, Chiquinho Conde, moçambicano, 60 anos
Levantamento sobre técnicos
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Africanos – 14 (Marrocos 1 + Zâmbia 1 + Egito 1 + Mali 1 + Tunísia 1 + África do Sul + Senegal 1 + Burkina Faso 1 + Guiné-Equatorial 1 + Gana, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Moçambique)
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Nigéria com malinês
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Botsuana com sul-africano
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Sudão com ganês
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Estrangeiros – 10 (Bélgica 3 + França 2 + Alemanha 1 + Argentina 1 + Canadá/Itália 1 + Bósnia/Suíça 1 + Romênia 1)
CAN 2015
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16 seleções
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Estrangeiros – 13 (81%)
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Africanos – 3 (19%)
CAN 2017
Estrangeiros – 12 (75%)
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Jose Antonio Camacho, Espanha (Gabão)
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Paulo Duarte, Portugal (Burkina Faso)
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Hugo Broos, Bélgica (Camarões)
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Georges Leekens, Bélgica (Argélia)
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Henryk Kasperczak, Polônia (Tunísia)
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Michel Dussuyer, França (Costa do Marfim)
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Claude Le Roy, França (Togo)
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Hervé Renard, França (Marrocos)
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Avram Grant, Israel (Gana)
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Milutin Sredojevic, Sérvia (Uganda)
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Alain Giresse, França (Mali)
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Héctor Cúper, Argentina (Egito)
Africanos – 4 (25%)
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Baciro Candé, Guiné-Bissau (Guiné-Bissau)
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Callisto Pasuwa, Zimbábue (Zimbábue)
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Aliou Cisse, Senegal (Senegal)
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Florent Ibenge, República Democrática do Congo (República Democrática do Congo)
CAN 2019
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24 seleções
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Estrangeiros – 16
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Africanos – 8
CAN 2021
Estrangeiros – 8 (33,4%)
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Toni Conceição, Portugal (Camarões)
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Vahid Halilhodzic, Bósnia e Herzegovina (Marrocos)
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Milovan Rajevac, Sérvia (Gana)
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Patrice Neveu, França (Gabão)
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Carlos Queiroz, Portugal (Egito)
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Didier Gomes Da Rosa, França (Botsuana)
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Tom Saintfiet, Bélgica (Gâmbia)
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Patrice Beaumelle, França (Costa do Marfim)
Africanos – 16 (66,6%)
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Firmin Sanou, Burkina Faso (Burkina Faso)
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Wubetu Abate, Etiópia (Etiópia)
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– Pedro Leitão Brito (Bubista), Cabo Verde (Cabo Verde)
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Aliou Cisse, Senegal (Senegal)
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Norman Mapeza, Zimbábue (Zimbábue)
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Kaba Diawara, Guiné (Guiné)
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Meke Mwase, Malauí (Malauí)
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Amir Abdou, França-Comores (Comores)
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John Keister, Inglaterra-Serra Leoa (Serra Leoa)
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Djamel Belmadi, Argélia (Argélia)
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Augustine Eguavoen, Nigéria (Nigéria)
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Burhan Tia, Sudão (Sudão)
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Baciro Candé, Guiné-Bissau (Guiné-Bissau)
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Mondher Kebaier, Tunísia (Tunísia)
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Mohamed Magassouba, Mali (Mali)
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Juan Micha, Guiné-Equatorial (Guiné-Equatorial)
CAN 2023 (disputada em 2024)
Estrangeiros – 10 (41,7%)
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Jean-Louis Gasset, França (Costa do Marfim) MUDOU DEPOIS
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José Peseiro, Portugal (Nigéria)
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Rui Vitória, Portugal (Egito)
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Chris Hughton, Inglaterra-Irlanda (Gana)
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Tom Saintfiet, Bélgica (Gâmbia)
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Pedro Gonçalves, Portugal (Angola)
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Hubert Velud, França (Burkina Faso)
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Hugo Broos, Bélgica (África do Sul)
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Sebastien Desabre, França (República Democrática do Congo)
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Avram Grant, Israel (Zâmbia)
Africanos – 14 (58,3%)
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Baciro Candé, Guiné-Bissau (Guiné-Bissau)
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Juan Micha, Guiné-Equatorial (Guiné-Equatorial)
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Conde Chioquinho, Moçambique (Moçambique)
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Pedro Leitão Brito (Bubista), Cabo Verde (Cabo Verde)
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Aliou Cisse, Senegal (Senegal)
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Rigobert Song, Camarões (Camarões)
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Kaba Diawara, Guiné (Guiné)
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Djamel Belmadi, Argélia (Argélia)
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Amir Abdou, França-Comores (Mauritânia)
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Jalel Kadri, Tunísia (Tunísia)
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Collin Benjamin, Namíbia (Namíbia)
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Eric Chelle, Mali (Mali)
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Walid Regragui, França-Marrocos (França-Marrocos)
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Adel Amrouche, Argélia (Tanzânia)


