Publicado em: 6 de dezembro de 2025

Para Ilo Löbel da Luz, restrição da companhia aérea ao uso do banheiro dianteiro expõe retrocesso na experiência do cliente e abre espaço para avanço do transporte por ônibus, que democratizou o conforto
ALEXANDRE PELEGI
Enquanto o aéreo restringe o básico, o rodoviário democratiza o conforto: a lição da “crise do banheiro”
A medida adotada pela LATAM Airlines em voos domésticos — restringindo o acesso ao banheiro dianteiro exclusivamente aos passageiros da Premium Economy — trouxe à tona um debate amplo sobre atendimento, prioridades operacionais e o papel da aviação na jornada do passageiro. A determinação, segundo a companhia, segue “procedimentos de segurança e fluxo interno de cabine”, mas a repercussão expôs percepções muito distintas entre operação e experiência do cliente.
A orientação começou a circular internamente entre tripulantes no fim de novembro e rapidamente ganhou repercussão após passageiros relatarem que estavam sendo impedidos de acessar o sanitário dianteiro mesmo quando ele estava vazio. A LATAM reforçou que o banheiro da frente deve permanecer reservado à classe superior, direcionando passageiros da classe econômica exclusivamente ao sanitário traseiro, gerando filas alongadas e desconforto a bordo.
A justificativa operacional segue o argumento de controle de fluxo na área frontal da aeronave, especialmente em Airbus A320 e A321, os modelos mais usados nas rotas domésticas. No entanto, especialistas em experiência do passageiro avaliam que a medida, além de incomum, cria barreiras desnecessárias.
O consultor Ilo Löbel da Luz, advogado e especialista em regulação do transporte rodoviário, é enfático:
“Quando transformar banheiro em privilégio vira estratégia, é sinal de que a aviação perdeu o rumo. A LATAM trocou segmentação por segregação — e quem sente isso é o passageiro da econômica, tratado como um incômodo operacional.”
Impacto simbólico e erosão da experiência
Segundo usuários que relataram a situação em redes sociais, a tripulação chegou a posicionar barreiras físicas discretas e orientar verbalmente os passageiros da econômica a não utilizar o banheiro dianteiro, mesmo nos períodos de voo estável. O desconforto gerado pela fila única no fundo da aeronave intensificou a sensação de diferenciação forçada entre classes.
Para Ilo, esse impacto simbólico é mais nocivo que o operacional:
“Transformar uma necessidade fisiológica em marcador de classe envia uma mensagem devastadora: o cliente comum vale menos. Não existe entrega de valor quando um serviço básico é negado. Isso é miopia estratégica — e o mercado reage.”
A abordagem da LATAM contrasta com práticas internacionais, onde companhias associam diferenciação de classe a serviços adicionais, e não à supressão de acessos essenciais.
Enquanto o modal aéreo reduz a experiência a bordo, o transporte rodoviário interestadual vive um ciclo de qualificação acelerada. As classes Leito e Leito-Cama, e a expansão das frotas Double Decker, elevaram o nível de conforto em rotas que competem diretamente com o aéreo em viagens de até 800 km.
Ilo destaca essa evolução:
“Enquanto o aéreo aposta na escassez, o rodoviário ampliou o conforto e democratizou a experiência. Hoje não é raro o passageiro perceber que viaja melhor de ônibus do que de avião, pagando muito menos.”
Wi-Fi, plataformas de streaming, tomadas USB, maior espaço de poltronas e banheiros acessíveis tornaram-se padrão, criando uma comparação direta na mente do passageiro.
Para o consultor, o caso da LATAM funcionou como ponto de virada simbólico:
“Sem querer, a companhia entregou ao rodoviário uma campanha espontânea de marketing. O passageiro olha para o avião e vê barreiras; olha para o ônibus e vê acolhimento. A escolha fica clara.”
Ele aponta que, em um cenário de aperto de tarifas aéreas e aumento da ocupação média por aeronave, decisões como essa geram rejeição e estimulam a busca por alternativas.
“O cliente moderno compara dignidade. Isso não é detalhe. Se no ônibus ele é tratado como cliente e no avião como problema, a migração acontece sozinha”, diz.
A lição, conclui Ilo, é direta:
“Conforto real gera fidelidade. Exclusividade artificial gera rejeição. Hoje, nesse duelo, o transporte rodoviário está na cabine de comando.”
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


