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entre a cobrança da estrada, a regulação travada e o peso crescente da indústria


Setor entra no novo ano pressionado por efetividade regulatória, concorrência equilibrada e profissionalização da experiência do passageiro, enquanto o ônibus rodoviário assume protagonismo crescente na indústria nacional

ALEXANDRE PELEGI

A estrada está cobrando. Cobrando coerência, cobrando profissionalismo, cobrando decisões que foram adiadas por tempo demais. No transporte rodoviário, não existe discurso que sobreviva à operação diária: atraso sem explicação, regra que não sai do papel e concorrência desbalanceada aparecem imediatamente na ponta, no passageiro que está na plataforma, no guichê ou parado no acostamento.

A regulação, por sua vez, segue travada — com um marco legal em vigor, mas sem efeito prático. E a indústria, com protagonismo crescente no setor, passa a influenciar cada vez mais os rumos do transporte rodoviário, seja pela renovação da frota, pelo padrão de serviço ou pelo peso econômico de suas decisões.

Para entender quais são, de fato, os sinais do transporte rodoviário brasileiro para 2026, Alexandre Pelegi ouviu especialistas e analisou dados de toda a cadeia, da regulação à operação, passando por fabricantes de chassis e carrocerias. O diagnóstico é convergente: 2026 não será um ano de promessas. Será o ano em que a estrada — e o passageiro — vão cobrar a conta.

Depois de um ciclo marcado por investimentos relevantes em frota, mudanças no perfil do usuário e promessas de modernização regulatória, o transporte rodoviário chega ao novo ano sob múltiplas pressões: a pressão da estrada, que expõe falhas operacionais em tempo real; a pressão institucional, diante da dificuldade de tirar o novo marco regulatório do papel; e a pressão econômica, em um cenário de juros elevados, crédito restrito e expectativas cautelosas para a indústria.

Regulação existe, mas ainda não se materializou

Um dos principais pontos de atenção para 2026 é a efetiva implementação do novo marco regulatório do transporte rodoviário de passageiros, estabelecido pela Resolução nº 6.033/2023 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em vigor desde fevereiro de 2024.

Segundo o consultor e especialista em transporte rodoviário Ilo Löbel da Luz, embora o marco tenha introduzido instrumentos modernos de regulação e fiscalização, a regulação ainda não chegou à prática.
“Temos um marco regulatório em vigor, sistemas sofisticados e ferramentas de monitoramento, mas isso ainda não se traduziu em autorizações administrativas efetivas. O placar segue zerado”, afirma.

Na avaliação do especialista, a ausência de janelas ordinárias e extraordinárias para novas autorizações cria um vácuo jurídico perigoso, que compromete decisões de investimento e planejamento. “O transporte rodoviário é intensivo em capital e risco. Sem previsibilidade regulatória, o setor opera no escuro”, avalia Löbel da Luz.

Concorrência desigual e risco direto ao passageiro

Esse vácuo regulatório tem efeitos práticos no mercado. Um deles é o avanço do chamado fretamento disfarçado, quando serviços autorizados para turismo ou fretamento operam, na prática, como linhas regulares, com venda individual de passagens.

Para Ilo Löbel da Luz, o problema vai além da concorrência. “Muitas pessoas compram uma viagem acreditando que estão em uma linha regular, com bilhete fiscal e direitos assegurados, quando na verdade estão embarcando em um fretamento camuflado”, explica.

O impacto recai diretamente sobre o usuário.

Quando a fiscalização identifica esse tipo de operação irregular, o ônibus pode ser apreendido. Quem fica parado na estrada é o passageiro, sem alternativa imediata”, afirma.

O consultor defende inovação, mas com isonomia regulatória. “Não é razoável exigir de quem opera regularmente todas as obrigações fiscais, trabalhistas e de segurança, enquanto outros competem explorando brechas legais. Isso distorce o mercado e fragiliza o passageiro”, diz.

A experiência do passageiro vai além do ônibus

Apesar dos avanços tecnológicos observados nos últimos anos — como a ampliação de ônibus leito-cama, double decker, conectividade embarcada e maior padrão de conforto —, a experiência do passageiro ainda é prejudicada por fatores externos ao veículo.

Segundo Ilo Löbel da Luz, esse é um dos paradoxos centrais do setor. “O transporte rodoviário investe milhões em ônibus de última geração, mas entrega o passageiro a rodoviárias degradadas, inseguras e sem informação. O ônibus é de primeiro nível, mas a jornada é antiga”, afirma.

A falta de comunicação agrava o problema. “O cliente rastreia uma encomenda em tempo real, mas não recebe uma explicação clara quando o ônibus atrasa vinte minutos. Isso quebra confiança”, diz.

Ele também alerta para soluções adotadas sem governança. “Sala VIP sem estratégia vira elefante branco. Aplicativo sem integração com a operação vira risco jurídico. Se o CCO, o motorista e o app não falam a mesma língua, a empresa cria um problema maior do que aquele que queria resolver”, completa.


 

Indústria vê o rodoviário como vetor de protagonismo

Do ponto de vista industrial, as expectativas para 2026 são de cautela, mas com destaque crescente para o segmento rodoviário. Avaliações da Fabus, da Fenabrave e da Anfavea indicam que, mesmo em um cenário macroeconômico adverso, o ônibus rodoviário tende a apresentar desempenho relativo superior a outros segmentos.

Segundo Rubem Bisi, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus (Fabus), em entrevista à revista Technibus, manter volumes próximos aos de 2025 já será um desafio. “O mercado de ônibus entra em 2026 com muitas incertezas macroeconômicas, especialmente por conta dos juros elevados e do crédito restrito”, afirmou.

Ainda assim, o rodoviário ocupa posição central. “O segmento rodoviário continua sendo um dos mais resilientes da indústria, principalmente por concentrar veículos de maior valor agregado”, disse Bisi.

A projeção da indústria é de que a produção de ônibus rodoviários alcance cerca de 9,5 mil unidades em 2026, frente a aproximadamente 7,3 mil unidades em 2025, reforçando o protagonismo do segmento na cadeia automotiva pesada.

Com maior valor agregado e demanda resiliente, o ônibus rodoviário lidera as projeções da indústria para 2026, segundo dados da Fabus e da Anfavea.

A Fenabrave não divulga projeções fechadas por segmento para 2026, mas a leitura do mercado indica resiliência maior no rodoviário, em função do perfil de demanda e do valor agregado dos veículos.

Comunicação e profissionalização entram na agenda

Outro ponto recorrente nas análises para 2026 é a necessidade de o transporte rodoviário falar melhor com o passageiro. O setor ainda se comunica muito internamente, enquanto o usuário cobra previsibilidade, transparência e informação clara.

Especialistas avaliam que não bastará investir em frota moderna. Será necessário profissionalizar processos, alinhar operação, tecnologia e comunicação e reforçar a confiança do passageiro no serviço regular.

Um ano de escolhas — e de cobrança

O diagnóstico compartilhado por especialistas, operadores e indústria é direto: o transporte rodoviário não está em declínio, mas também não pode mais operar à base de improviso.

Em 2026, a estrada seguirá cobrando coerência, a regulação será pressionada a sair do papel e a indústria continuará exercendo influência crescente sobre os rumos do setor. Como resume Ilo Löbel da Luz, a estrada não perdoa improviso.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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