Publicado em: 15 de outubro de 2025
Falta de profissionais expõe desafio estrutural: reter talentos exige remuneração adequada, apoio humano e reconhecimento profissional, conclui Ilo Löbel da Luz
ALEXANDRE PELEGI
A falta de motoristas é hoje um dos maiores desafios enfrentados pelo setor de transportes — no Brasil e no mundo. Mas, segundo o consultor Ilo Löbel da Luz, o problema não está na ausência de interessados, e sim na incapacidade do mercado em tornar a profissão atrativa e sustentável.
“A raiz do problema não é a falta de candidatos, mas a dificuldade em tornar a profissão uma escolha de carreira atraente e duradoura”, afirma o especialista. “A solução exige uma abordagem integrada que combine valorização humana, formação contínua e uso inteligente da tecnologia.”
Tecnologia sem capacitação vira obstáculo
Os veículos modernos estão cada vez mais tecnológicos, com sistemas embarcados de alta complexidade. Para Löbel, essa evolução cria um paradoxo: ao mesmo tempo em que traz ganhos operacionais, impõe uma curva de aprendizado íngreme que pode afastar profissionais.
“Sem a devida capacitação, a tecnologia que deveria ser uma aliada se transforma em um obstáculo”, observa. “O treinamento precisa ser permanente e acessível, permitindo que o motorista se sinta preparado e valorizado diante das novas ferramentas.”
Mais que operação: apoio humano e valorização
O especialista defende que as empresas vão além dos treinamentos técnicos, oferecendo apoio real e humanizado aos colaboradores. Isso inclui acompanhamento sobre saúde, escalas, orientação de carreira e reconhecimento pelo desempenho.
“É preciso tratar o motorista como um profissional de alta complexidade, responsável direto pela segurança de vidas, pela eficiência operacional e pela experiência do passageiro”, enfatiza Löbel.
“A empresa que valoriza o bem-estar do motorista está, na verdade, investindo na sustentabilidade de seu próprio negócio.”
Gestão sem punição e com reconhecimento
A telemetria e outras ferramentas digitais devem ser utilizadas para aperfeiçoar o desempenho, mas sem criar um ambiente de vigilância. Löbel defende uma gestão baseada em evolução, não em punição.
“Monitorar é importante, mas reconhecer é essencial. Bonificar quem melhora, e não apenas punir quem erra, é o que transforma cultura em compromisso”, afirma.
Além disso, oferecer previsibilidade de jornada, férias flexíveis e trajetórias de progressão profissional são medidas cruciais para reter talentos e reduzir a rotatividade.
Um desafio comum a toda a economia
A dificuldade em encontrar mão de obra qualificada e engajada não é exclusiva do transporte. Segundo o consultor, trata-se de um sintoma presente em diversos setores da economia — da indústria ao varejo, passando pelos serviços logísticos.
“A solução no transporte, assim como nos demais, não é simples, mas passa por uma compensação financeira justa e um ambiente de trabalho que promova desenvolvimento, segurança e respeito”, diz Löbel.
A implementação dessa visão depende, segundo ele, de duas respostas cruciais que desafiam o modelo de negócio atual das transportadoras:
“As empresas estão dispostas a arcar com o custo de uma melhoria salarial significativa que estimule os trabalhadores a escolherem e permanecerem na profissão de motorista?
E mais: estão genuinamente dispostas a implantar e sustentar as mudanças culturais e operacionais necessárias, colocando o bem-estar e a formação no centro de sua estratégia?”
Investimento financeiro e cultural: a base da solução
Para o especialista, o futuro do transporte passa por um investimento duplo e inseparável: financeiro e cultural.
“A solução não está em paliativos, mas em uma mudança de mentalidade. As transportadoras precisam fazer dois investimentos inseparáveis:
o financeiro, com remuneração justa e competitiva;
e o cultural, com respeito, desenvolvimento e segurança como centro da operação.”
E conclui:
“Sem valorização, a mais avançada tecnologia é apenas um acessório caro. Mas, nas mãos de profissionais qualificados e motivados, ela se torna o motor da verdadeira eficiência.”
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes