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Europa acelera ônibus elétricos, expõe riscos de segurança digital e redefine escolhas tecnológicas — lições diretas para o Brasil


Crescimento da frota elétrica, alerta para sistemas capazes de imobilizar veículos à distância e disputa entre bateria e hidrogênio mostram que a transição energética exige escala, governança e decisões pragmáticas — temas cada vez mais centrais também no transporte público brasileiro

ALEXANDRE PELEGI

A Europa vive um novo ciclo da mobilidade elétrica nos ônibus urbanos, combinando expansão acelerada, pressão geopolítica e revisão das escolhas tecnológicas. Na última semana uma sequência de reportagens internacionais reforçou três movimentos claros: crescimento rápido da frota elétrica a bateria, alertas de segurança cibernética envolvendo veículos conectados e tensões no mercado entre fabricantes que apostaram no hidrogênio e os que avançaram em escala elétrica.

Essas dinâmicas — embora europeias — têm efeitos diretos no debate brasileiro sobre eletrificação, planejamento e comunicação com o passageiro.

Escala e custo: Europa confirma domínio do ônibus elétrico a bateria

O mercado europeu de ônibus elétricos entrou em uma fase de consolidação, marcada por expansão acelerada e aumento de participação de fabricantes que priorizam tecnologia de baterias. Dados divulgados pela BYD Europe mostram que os registros de ônibus elétricos no continente cresceram 41% no primeiro semestre de 2025, elevando a participação da marca de aproximadamente 5,5% em 2024 para quase 10% em 2025 — um salto incomum para o setor de transporte coletivo.

A Europa já ultrapassou a marca de 8 mil ônibus elétricos a bateria registrados em 2024, com tendência de crescimento contínuo em países como Alemanha, França, Reino Unido, Países Baixos, Dinamarca e Espanha, que mantêm programas nacionais de renovação de frota atrelados a metas de descarbonização e fundos climáticos. A Alemanha, por exemplo, utiliza recursos do Klimaschutzprogramm para cofinanciar até 80% da aquisição de ônibus de zero emissão, o que impulsiona compras em cidades como Hamburgo, Berlim e Colônia. Trata-se do Programa Alemão de Proteção ao Clima, que reúne um conjunto de políticas e investimentos destinados a reduzir emissões, estimular tecnologias limpas e acelerar a transição energética no transporte público. Em outras palavras, é o “guarda-chuva” regulatório que orienta a eletrificação da mobilidade urbana na maior economia da Europa.

Além dos operadores municipais, redes metropolitanas maiores, como Transport for London (TfL) e RATP de Paris, ampliaram seus pedidos, priorizando ônibus elétricos de 12 e 18 metros, reforçando a padronização tecnológica e a economia de escala. Esse volume vem pressionando os fornecedores europeus tradicionais — como Solaris, VDL e Iveco/Heuliez — a acelerarem linhas de produção dedicadas ao elétrico.

A BYD, por sua vez, intensificou sua presença industrial no continente. A fábrica na Hungria, originalmente projetada para montagem, está expandindo áreas de produção de carrocerias e packs de bateria, com capacidade estimada para milhares de unidades anuais. O movimento reduz tempo de entrega e mitiga riscos logísticos, permitindo disputar espaço com fabricantes europeus em grandes licitações.

Todo esse cenário confirma uma mudança estrutural: a bateria elétrica se tornou a tecnologia dominante no transporte urbano europeu, suplantando alternativas como híbridos e hidrogênio em volume e estabilidade de custos. A maturidade crescente também repercute no custo total de propriedade (TCO), com operadores relatando reduções expressivas em manutenção, menor variabilidade na autonomia e maior previsibilidade de desempenho.

Para o Brasil, onde diversas capitais estudam transições semelhantes, esse avanço europeu oferece um parâmetro importante: quanto maior a escala global, menor o risco associado à adoção, e maior a disponibilidade de peças, fornecedores, know-how e benchmarks operacionais. Projetos em BRTs e redes estruturantes podem se beneficiar diretamente desse aprendizado internacional, tanto na definição do mix tecnológico quanto no planejamento de infraestrutura de recarga.

Risco e governança: segurança cibernética entra na agenda

A discussão sobre segurança digital ganhou força na Europa após investigações revelarem que ônibus elétricos fabricados pela Yutong, utilizados por operadores da Noruega e do Reino Unido, continham sistemas com capacidade de desligamento ou imobilização remota.

O caso veio à tona depois que a operadora norueguesa Ruter identificou, durante auditorias técnicas, que alguns modelos de ônibus elétricos permitiam ao fabricante acessar componentes críticos, entre eles módulos de bateria e tração, por meio de comandos enviados à distância. Esses acessos estavam associados a ferramentas de diagnóstico e a atualizações OTA (over the air) — processos em que o software do veículo é atualizado pela rede, sem contato físico com o ônibus.

Embora tais recursos sejam comuns para correções e melhorias, a descoberta ganhou contornos geopolíticos porque parte das funções não estava plenamente documentada nos contratos nem descrita com precisão aos operadores. A Ruter, ao submeter o caso às autoridades norueguesas de segurança digital, relatou que o nível de acesso remoto permitia alterar parâmetros sensíveis do veículo, levantar dados operacionais e, em cenários extremos, imobilizar unidades em circulação.

Relatórios técnicos apontaram ainda que mecanismos semelhantes estavam presentes em frotas adquiridas por operadores britânicos, alimentando um debate ampliado sobre soberania operacional, transparência de software e governança de dados em veículos conectados — especialmente quando fornecidos por fabricantes inseridos em cadeias industriais de países que disputam protagonismo tecnológico com a Europa.

Para o Brasil, o episódio funciona como alerta. A digitalização das frotas, combinada à eletrificação, exige que contratos definam claramente quem tem autorização para enviar comandos ao veículo, como são geridas as atualizações OTA e quais limites técnicos impedem que o fabricante tenha controle sobre sistemas essenciais. A segurança do transporte público passa a incluir auditorias de firmware, rastreabilidade de acessos e políticas de cibersegurança específicas para sistemas embarcados — um tema até recentemente ausente nos editais de renovação de frota.

Tecnologia e escolha: hidrogênio perde tração diante da bateria

A disputa tecnológica no transporte urbano europeu deixou claro, em 2025, que o hidrogênio perdeu tração frente à bateria elétrica — não por falta de interesse político, mas por razões econômicas e operacionais concretas.

Relatórios setoriais mostram que o custo por quilômetro dos ônibus a hidrogênio permanece entre 2 e 3 vezes maior que o dos modelos a bateria, devido ao preço do combustível, à pouca oferta de eletrolisadores e ao número reduzido de estações de abastecimento. Além disso, operadores urbanos apontam que a manutenção das células a combustível ainda exige cadeias de suprimentos dependentes e maior complexidade logística.

A Solaris Bus & Coach ilustra esse descompasso. Mesmo sendo líder europeia em veículos a hidrogênio, a empresa viu seu portfólio ser superado por concorrentes focados em baterias — como BYD, Volvo, Mercedes-Benz e VDL — que avançaram rapidamente em escala, autonomia e confiabilidade. A crítica publicada pela CleanTechnica (“vencendo a corrida errada”) reflete um diagnóstico já consolidado entre operadores: a tecnologia dominante será aquela que entrega previsibilidade operacional no menor custo possível, critério hoje amplamente atendido pela solução a bateria.

Para países como o Brasil — onde o hidrogênio verde aparece como aposta estratégica em discursos políticos e na COP30 — a experiência europeia serve como alerta pragmático. O hidrogênio pode ter papel relevante em corredores de longa distância e cargas pesadas, mas no transporte urbano a bateria consolidou, por ora, uma vitória estrutural em custo, maturidade e infraestrutura.

O que estas tendências revelam para o Brasil

Apesar de ocorrerem na Europa, as tendências observadas têm impacto direto sobre o planejamento da mobilidade brasileira. A expansão da frota elétrica europeia mostra que a tecnologia já atingiu maturidade industrial, oferecendo previsibilidade de custos, ampla oferta de fabricantes e maior confiabilidade operacional — elementos fundamentais para cidades brasileiras que planejam renovações de frota até o fim da década.

A disputa tecnológica também deixa lições: a experiência europeia demonstra que o mercado já consolidou a bateria como solução prioritária para o transporte urbano, enquanto o hidrogênio segue restrito a nichos e projetos piloto. Esse movimento pode ajudar gestores públicos brasileiros a tomar decisões mais seguras e realistas.

O debate sobre segurança cibernética, por sua vez, revela um novo eixo de responsabilidade: com ônibus cada vez mais conectados, torna-se indispensável que contratos e editais nacionais incluam governança digital, controle claro das atualizações remotas, auditoria de software e proteção dos dados operacionais.

Por fim, essas transformações tecnológicas só fazem sentido quando integradas à comunicação com o passageiro: previsibilidade, transparência e confiabilidade são pilares para recuperar a confiança no transporte público.

A experiência europeia mostra que eletrificar frotas é apenas parte do caminho — o desafio maior está em garantir governança, segurança e qualidade percebida.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes

 



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