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FlixBus vence na Justiça Europeia e reacende discussão sobre regulação e concorrência na ANTT


No Brasil persiste o desafio de conciliar inovação tecnológica e novos modelos de negócio com a segurança jurídica e a equidade regulatória

ALEXANDRE PELEGI

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) rejeitou um recurso apresentado pelo governo da Espanha contra decisão da Comissão Europeia que autorizava a FlixBus a operar uma linha internacional entre a Alemanha e a Espanha com permissão para vender passagens dentro do território espanhol, em trechos como Madri–Barcelona — prática conhecida como cabotagem.

A sentença, publicada em 7 de outubro de 2025, manteve o entendimento de que a Espanha não apresentou provas suficientes de danos graves e irreparáveis que justificassem suspender a autorização, abrindo o mercado de longa distância espanhol a novos concorrentes e rompendo com o modelo histórico de concessões exclusivas.

A decisão tem repercussão direta sobre o debate brasileiro. Assim como na Europa, o Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (TRIP) enfrenta o desafio de conciliar inovação tecnológica e novos modelos de negócio com a segurança jurídica e a equidade regulatória.

Para analisar as lições que o caso europeu traz ao Brasil, o Diário do Transporte ouviu o consultor Ilo Löbel da Luz, especialista em regulação da ANTT, mobilidade e inovação no transporte de passageiros.

Europa dá um recado: não basta temer a concorrência, é preciso provar os riscos

Segundo Ilo Löbel, a principal mensagem do caso FlixBus é a mudança de paradigma sobre o papel do Estado frente à concorrência.

“O Tribunal europeu inverteu a lógica”, explica. “A Espanha alegava risco à sustentabilidade do sistema, mas não apresentou evidências. O TJUE deixou claro que não se bloqueia inovação com base em suposições. Quem quer restringir o mercado precisa demonstrar, com dados concretos, que a entrada de um novo operador causará prejuízos graves e irreparáveis.”

Para o consultor, essa lógica deveria inspirar o debate brasileiro.

“Ainda há no Brasil uma cultura de proteção preventiva — a ideia de que é melhor travar a mudança antes que ela aconteça. O problema é que isso desestimula a inovação e perpetua ineficiências. Precisamos aprender a regular a partir da experiência, não do medo.”

Paralelos com o modelo brasileiro

A decisão europeia reflete dilemas familiares à regulação da ANTT. O sistema brasileiro convive com autorizações recentes e concessões antigas, algumas ainda amparadas por decisões judiciais, num mosaico de regimes operacionais distintos.

“O caso espanhol é quase um espelho do nosso”, afirma Löbel. “Lá, as concessões exclusivas travaram a entrada de novos operadores, como a FlixBus. Aqui, ainda discutimos como equilibrar abertura e responsabilidade. A ANTT tem avançado — com consultas públicas e ajustes regulatórios —, mas o desafio é consolidar um marco que permita competição sem abrir mão da equidade.”

Ele lembra que o mercado brasileiro também enfrenta pressões semelhantes às vistas na Europa, com novas plataformas digitais e modelos de operação mais enxutos tentando disputar espaço com operadoras tradicionais.

“Não é um conflito entre o antigo e o novo”, diz. “É uma disputa por coerência. Todos devem jogar sob as mesmas regras.”

Capilaridade e equilíbrio: um debate que se repete

Assim como na Espanha, parte do setor brasileiro argumenta que a abertura de mercado pode ameaçar a capilaridade do transporte regular, concentrando serviços em rotas rentáveis e deixando regiões menores descobertas.

“Esse é o mesmo argumento usado pelo governo espanhol”, observa Löbel. “E o TJUE respondeu de forma precisa: o problema não está na concorrência, mas na ausência de políticas públicas que garantam cobertura onde o mercado não chega. A solução não é fechar o sistema, é criar instrumentos de compensação.”

Para o especialista, o Brasil já discute mecanismos que poderiam cumprir esse papel, como fundos de universalização, subsídios cruzados ou incentivos operacionais regionais.

“O Estado pode e deve atuar, mas como regulador e indutor, não como barreira”, reforça.

O que a decisão ensina à ANTT e ao Brasil

Löbel resume o aprendizado europeu em uma frase:

“Inovação com regras claras é o verdadeiro equilíbrio.”

“A decisão do TJUE mostra que a modernização do transporte depende de uma regulação justa, não de mais regulação”, diz. “O futuro do transporte rodoviário está em garantir que todos partam das mesmas condições — segurança, qualidade, responsabilidade — e que a disputa aconteça no que realmente importa: atendimento, eficiência e experiência do passageiro.”

Para ele, o desafio da ANTT é consolidar esse novo marco sem romper a base de confiança construída ao longo das décadas.

“O transporte regular é uma política pública essencial. Mas isso não significa que precise ser imutável. A regulação deve proteger o passageiro, não o status quo.”

Conclusão: o futuro se constrói com equilíbrio

A decisão europeia, ao liberar a cabotagem da FlixBus, não acabou com o modelo de concessões espanhol, mas obrigou o país a repensá-lo. No Brasil, a reflexão segue o mesmo caminho.

“Harmonizar o ambiente de negócios não significa andar para trás”, conclui Löbel. “Significa permitir que o progresso avance sobre uma base sólida e justa. A competição só é real quando todos estão sob as mesmas regras. Esse é o aprendizado que o ‘caso FlixBus’ oferece — e que o Brasil não pode ignorar.”

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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