Publicado em: 28 de julho de 2025
Projeto piloto abrange 14 cidades, incluindo Goiânia, expondo desafios e a urgência de padronização para políticas públicas eficazes
ALEXANDRE PELEGI
O Brasil enfrenta um desafio histórico na formulação de políticas públicas de mobilidade urbana: a escassez e a fragmentação de dados. Uma iniciativa conjunta, envolvendo a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o Ministério das Cidades e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), busca preencher essa lacuna, visando a construção de um sistema de dados nacional fidedigno que possa transformar a gestão do transporte público no país.
Nesta segunda-feira, 28 de julho de 2025, en reunião da FNP em Goiânia, a iniciativa foi apresentada e discutida pelos presentes.
O Desafio da Falta de Informação
A realidade atual é de um cenário onde informações cruciais sobre o transporte público são desconhecidas. Gilberto Perre, da FNP, ressalta a dimensão do problema: “O país não sabe com segurança qual é o número de municípios que têm serviço de mobilidade urbana. Nós não sabemos quantos ônibus circulam nas nossas ruas e avenidas. Qual é a idade média da frota dos ônibus que circulam nas nossas cidades? Qual é a meta? Quantos passageiros são transportados em cada cidade, em cada estado e quantos são no país?”. Ele complementa que, diferentemente da saúde (DATASUS) e da educação (INEP), a mobilidade não possui uma base de dados nacional robusta e com marco regulatório que obrigue o fornecimento de informações.
Outro ponto crítico é a dificuldade no acesso aos dados, que muitas vezes estão sob o controle das operadoras e não do poder público. Ogeny Maia, do Fórum Nacional de Secretários de Mobilidade, aponta que “O grande problema do secretário de mobilidade hoje é que, o acesso dos dados do, do, do, da agenda toda, que é justamente, o calcanhar de Aquiles deste projeto, é… Ele na maioria das vezes está dentro do operador, e não do poder público”.
A Solução: um Banco de Dados de Estado no IBGE
Diante desse cenário, a proposta é criar um banco de dados de mobilidade que sirva de alicerce para políticas públicas eficientes. A FNP defende que “o país passe a ter, de fato, um sistema de dados nacional fidedigno, que possa oferecer as possibilidades de construção e partição de política pública na área”. Para isso, Perre destaca a necessidade de um marco regulatório que torne o fornecimento de dados obrigatório, assim como ocorre em outras áreas.
A escolha do IBGE para sediar esse banco de dados é estratégica, conforme explica Perre: “Isso é como o DATASUS e o INEP, tem que ser um órgão de Estado, porque se eu vou ter política pública para repassar dinheiro em função desses dados, como é que eu vou me valer de uma utilidade, hoje em dia, a gente vai ficar abrigado numa instituição privada, se um dia desligar, daqui a pouco desliga. Então, óbvio que isso é uma função de Estado e aí, por isso, essa tese, essa defesa de que, é, essa, esse banco de dados fica abrigado no órgão de Estado e nos parece o IBGE é o órgão adequado.”. O próprio presidente do IBGE, Márcio Pochmann, confirmou que “o IBGE, é, está passando por uma mudança de-de perfil institucional e a sua missão é ser guardião de dados de Estado”.
Maria do Carmo, também do IBGE, reforça o papel da instituição: “O IBGE tá disponível pra ajudar, tá? Acho que a gente pode trocar experiências… E, é claro, a gente pretende com isso tornar as cidades mais acessíveis, mais humanas e muito mais democráticas.”. Ela destaca que “Mobilidade é muito mais do que acesso, né? Mobilidade você tá discutindo o deslocamento, mas acesso a políticas públicas, saúde, educação, lazer. Tem uma questão de oportunidade também envolvida”, e que “tendo um banco de dados, só assim a gente pode ter evidências concretas pra poder fazer políticas públicas.”.
Resultados do Piloto e Próximos Passos
Um projeto piloto, envolvendo quatorze cidades (Goiânia, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Curitiba, Florianópolis, Belém, Manaus, João Pessoa, Campinas, Contagem, Uberlândia e Campina Grande), já está em andamento, coletando dados de GPS, GTFS, cadastro de frota e usuário. Essas cidades representam aproximadamente 2% da frota de ônibus do país.
João Lucas, da FNP, apresenta alguns insights preliminares do piloto:
Apenas duas das cidades piloto conseguem fornecer dados em interface aberta (online), enquanto as demais dependem de arquivos cedidos, o que dificulta a automatização de um banco de dados nacional.
• É crucial a criação de um protocolo padrão de dados e a obrigatoriedade do município em partilhar esses dados de forma online via API (Application Programming Interface), para que não seja opcional.
• Um desafio notável foi a dificuldade em obter dados de demanda (bilhetagem eletrônica).
Os dados preliminares do piloto já revelam insights importantes, como o fato de que 66% da frota operante nas cidades piloto utiliza veículos Euro 3 e 5, e que 67% da quilometragem percorrida é por esses mesmos veículos, o que levanta preocupações ambientais. As emissões de CO2 nas treze cidades do piloto chegam a “duas mil e oitocentas toneladas de CO2 emitidas”, o que equivale a “cerca de quatrocentos e setenta mil veículos individuais rodando por dia”.
Apesar dos avanços, há desafios. João Lucas aponta que “Um desafio que a gente teve, talvez um marco grande aqui, é não conseguir o dado de demanda, de bilhetagem eletrônica.”. Para a expansão do projeto, é fundamental a padronização e a disponibilidade dos dados online.
Os resultados consolidados do piloto serão apresentados no final de outubro, no Rio de Janeiro, em reunião da FNP
A expectativa é que, na COP (Conferência das Partes), haja um anúncio do governo federal sobre a expansão desse projeto piloto para mais cidades, com o apoio estratégico do IBGE.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes