Publicado em: 25 de junho de 2025
Diversificação tecnológica e energética do transporte coletivo urbano – aspecto central do projeto – será realizada pela adoção do biometano como combustível renovável complementar aos ônibus elétricos a bateria e aos trólebus
OLIMPIO ÁLVARES, ESPECIAL PARA O DIÁRIO DO TRANSPORTE
A Portaria 1.184 de 17 de junho de 2025 da Prefeitura de São Paulo acaba de instituir um Grupo de Trabalho Intersecretarial visando a elaborar em 30 dias um projeto conceitual para implantação de Corredores Verdes de Transporte (CVTs) na Cidade de São Paulo. A iniciativa dos CVTs tem como base a agenda climática do Município, promovendo a mobilidade urbana sustentável, mais segura e eficiente, de baixo carbono fóssil, e emissões drasticamente reduzidas de poluentes tóxicos e ruído.
O projeto prevê a modernização da infraestrutura associada ao transporte público, agregando soluções sustentáveis inovadoras, como a “metronização” do sistema ônibus, terminais e pontos de parada com painéis digitais de comunicação com o usuário do sistema, geração de energia solar, jardins de chuva e áreas permeáveis (com função paisagística e proteção contra enchentes).
A diversificação tecnológica e energética do transporte coletivo urbano – aspecto central do projeto – será realizada pela adoção do biometano como combustível renovável complementar aos ônibus elétricos a bateria e aos trólebus; esses últimos, aliás, já circulam em grande número em São Paulo, graças à implementação da Lei 16.802/2018, que estabeleceu a substituição gradual (em vinte anos) das frotas de ônibus, de coleta de lixo, fretamento, transporte escolar, entre outros, por veículos movidos a combustíveis e energias de origem não-fóssil. Desse modo, a medida integrará aspectos de mobilidade limpa, infraestrutura resiliente, comunicação digital, paisagismo urbano, inovação climática e convivência humana.
Do ponto de vista econômico-financeiro, não faz nenhum sentido que os ônibus elétricos, que custam (incluindo infraestrutura de carregamento, segunda bateria, sistema de gerenciamento de carga, área adicional e reformas nas garagens) mais do de quatro vezes o valor de um ônibus convencional a diesel, permaneçam quase parados em congestionamentos intermináveis durante boa parte de seu tempo de vida operacional – seria o cúmulo da ineficiência na gestão do transporte coletivo, com muito tempo e dinheiro desperdiçados.
Se implementada de modo sistemático e abrangente, a iniciativa dos CVTs será uma das medidas objetivas mais eficazes de descarbonização (combate ao aquecimento global) do transporte de passageiros, e redução das emissões de poluentes tóxicos do sistema de mobilidade motorizada da cidade. Além disso, os corredores com operação avançada sempre demonstraram ter potencial de transferência de demanda do transporte individual poluente para o coletivo não poluente, com benefícios adicionais à saúde da população e à integridade do clima do planeta.
CVTs e as emissões de poluentes e CO2
As grandes concentrações urbanas apresentam violações sistemáticas dos padrões de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), especialmente para o material particulado fino, característico das emissões do diesel; isso representa grave ameaça à saúde da população mais vulnerável, especialmente para portadores de doenças respiratórias crônicas, idosos, crianças pequenas e recém-nascidos. Os estudos sobre mortalidade precoce devida às altas concentrações de material particulado na Cidade de São Paulo, sugerem cifras da ordem de 3.500 mortes anuais – essa é a segunda, entre todas as causas de óbitos. Apenas a hipertensão está acima da poluição do ar no ranking de fatores de risco de morte.
Os níveis das emissões de particulados e de consumo de combustível (e, portanto, das emissões de CO2 fóssil), apresentam consistentemente valores significativamente menores para as velocidades médias mais altas, típicas de corredores. Por isso, os CVTs – mesmo que neles eventualmente trafeguem ônibus movidos a diesel – sempre propiciam ao sistema emissões médias globais bem mais baixas de poluentes tóxicos e de CO2 fóssil. No caso dos CVTs que operam apenas com veículos movidos a combustíveis renováveis de baixíssimas emissões, como o biometano ou Diesel Verde (uma realidade em países desenvolvidos), ou mesmo a energia elétrica (emissão local nula), o problema das emissões é praticamente inexistente.
Mas o efeito da velocidade média mais alta nos corredores pode ainda ser amplificado no caso de operações mais sofisticadas, onde há prioridade para os ônibus nos semáforos e faixas duplas de rolamento do corredor nos pontos de parada.
Não se pode esquecer também, que o menor tempo de viagem possibilita atender o serviço de transporte com menos veículos, o que traz ainda menos consumo de combustível, menos emissões de CO2 fóssil (se ainda houver ônibus a diesel no corredor) e menos ruído urbano.
Os ônibus a movidos a gás natural ou a biometano, que operarão nos CVTs e em meio ao tráfego, também contribuem para a redução das emissões de ruído, oferecendo uma experiência mais agradável, tanto para os passageiros e condutores, como para a população exposta nas calçadas. Além da menor vibração, os ônibus a gás emitem cerca de 3 dB(A) a menos que os equivalentes a diesel nos testes normalizados de ruído de passagem; reduções de níveis sonoros de apenas 3dB(A) representam queda de cerca de 50% na potência sonora que atinge os ouvidos dos transeuntes. No caso dos ônibus elétricos – campeões do silêncio – esses produzem ruído ainda menor: cerca de 6 dB(A) a menos que os equivalentes diesel.
É oportuno lembrar que de acordo com uma antiga pesquisa de opinião que circulou na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb (onde atuei durante 26 anos), constatou-se que a poluição sonora era, depois da poluição do ar, o segundo maior fator ambiental de incômodo para a população no meio urbano. Em 2022, numa audiência no Senado em Brasília, a poluição sonora foi novamente confirmada como o segundo maior problema ambiental urbano; e em 2012, durante a Rio+20, o Senado citou estudos da OMS afirmando que o ruído estava na mesma posição de risco: logo após a poluição do ar.
Expansão modernizada da rede de trólebus In-Motion Charging
Os CVTs são uma ótima oportunidade para a municipalidade “pensar fora da caixa” e avaliar novos conceitos de operação de corredores de alta capacidade, dando oportunidade à inovação tecnológica, com reflexos positivos na eficiência e desempenho financeiro do sistema.
A instalação de um curto trecho de fios aéreos pode ser uma nova solução definitiva, menos dispendiosa e sustentável para o sistema trólebus, conforme descrito no relatório da UITP de maio de 2019 “In motion charging innovative trolleybus”.
A experiência europeia tem demonstrado que essa solução é particularmente rentável para grandes frotas, ou para operação com grande consumo de energia, para dar conta de uma alta velocidade média em corredores avançados (BRT – Bus Rapid Transit), com trólebus articulados longos. Essa solução, conhecida como “In Motion Charging” (IMC), permite o atendimento extremo de demanda com até 24h de operação sem pausa.
Como o conceito de carregamento do IMC pode requerer ao longo do trajeto apenas cerca de 20% a 40% de cabos (mais simples e baratos que os convencionais), a depender do projeto do sistema de transporte, pode ser muito simples e mais fácil encontrar seções adequadas para uma instalação mais econômica dos cabos aéreos.
Quanto melhor e mais eficiente for o desenvolvimento das baterias que equipam o IMC, mais eficiente se tornará a tecnologia de recarga do IMC, que pode ainda combinar a instalação de pontos para carga rápida de oportunidade, reduzindo ainda mais o tamanho das baterias, os custos do sistema e aumentando em até cerca de 80% o índice de operação no modo autônomo (independente do carregamento aéreo). Desse modo, a depender das condições gerais do sistema avaliado, o IMC pode oferecer, segundo a experiência europeia, o menor custo operacional (TCO) entre todas as alternativas (ônibus elétrico a bateria, diesel, gás, híbrido, H2 etc.).
Do ponto de vista estético, um concurso para escolha do design específico do IMC da cidade (com seus postes de apoio da rede apenas nos trechos definidos de carregamento aéreo) pode revelar ideias atraentes e tornar a instalação plenamente aceitável.
Iniciativa dos CVTs vem em boa hora
O fato é que o Transporte Público vem perdendo passageiros para o transporte individual motorizado. De acordo com a pesquisa origem-Destino do Metro de São Paulo, o transporte coletivo correspondia a 54,1% dos deslocamentos individuais; em 2024, sua participação caiu para 51,2%. Essa perda de 2,9% significa uma ameaça existencial ao sistema; é chegada a hora dos órgãos que cuidam do transporte público declararem guerra aos modos de transporte por aplicativo e às perigosas motocicletas, que vem causando um banho de sangue no País. Os CVTs, a articulação política e institucional e a eficiência do transporte coletivo, estarão entre as “armas mais letais” do arsenal das autoridades e gestores do Transporte Público.
Sobre essa ameaçadora crise de demanda, o Diretor Executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, Francisco Christovam, publicou por esses dias um artigo lapidar, que destaca a necessidade do resgate do protagonismo do Transporte Público, o mais importante pilar da mobilidade urbana sustentável do País. Trata-se de um chamamento aos organismos e profissionais do setor para as batalhas que se sucederão em breve.
Enfim, resta fazer o merecido registro de que, além de constituírem-se em um marco futurista da Cidade, os Corredores Verdes de Transporte a serem concebidos pela Prefeitura de São Paulo carregarão um significado simbólico de valorização da convivência harmônica e integração dos usuários do transporte público e passantes com a natureza e com os demais modais de transporte motorizado e não motorizado.
Os CVTs serão um “Gol de Placa” da Administração Municipal na Era do Desenvolvimento Sustentável.
Olimpio Alvares é engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, consultor independente de empresas e instituições públicas e privadas nacionais e internacionais, consultor do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss, especializado em Transporte Sustentável e Emissões Veiculares no Japão e Suécia; durante 27 anos atuou na Cetesb ocupando cargos de gerência no Depto. de Controle de Emissões de Veículos Automotores. Atualmente, entre outras atividades, representa a ANTP como membro titular do COMFROTA – Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frotas por Alternativas Mais Limpas do Município de São Paulo.