A guerra tarifária entre EUA e China gerou uma disparada nos fretes marítimos no Brasil nas últimas duas semanas, desde que os países acordaram uma trégua de 90 dias. Em junho, os preços na rota de importação da Ásia para o Brasil deverão chegar a US$ 4 mil por contêiner, segundo dados da consultoria Solve Shipping. O valor é quase quatro vezes maior do que o de abril, quando as tarifas foram anunciadas.
O motivo da disparada é que, com a redução temporária das tarifas, navios e contêineres estão sendo desviados para a rota EUA-China, explicou Leandro Barreto, sócio da Solve Shipping.
Quando as tarifas foram anunciadas, diversas viagens entre EUA e China foram canceladas, e os fretes no mundo caíram. “No primeiro momento, a guerra puxou os fretes para baixo, mas agora há muita carga represada e, em 90 dias, querem passar um elefante por um buraco de agulha. A expectativa é que varejistas dos EUA tentem fazer estoques para o Natal e Black Friday nessa janela, porque não se sabe o que vai vir depois. Então, navios de outras rotas vão ser realocados”, disse.
Em apenas uma semana, o frete Ásia-Brasil subiu mais de 100%, chegando a um patamar atual de US$ 3.300 por contêiner, segundo Andrew Lorimer, diretor-executivo da consultoria Datamar. Para ele, o preço seguirá em alta nas próximas semanas
“As empresas de navegação anteciparam o GRI [sigla em inglês para General Rate Increase], que são os aumentos que colocam sobre o frete nos momentos de pico de demanda, que no Brasil acontecem entre julho e setembro, quando as empresas fazem estoques para o Natal”, disse ele.
No mercado, há notícias de alguns “blank sailings” (cancelamento de viagens) por empresas de navegação, o que significa que a capacidade disponível em navios já deverá ser reduzida.
Além disso, a falta de contêineres começa a ser percebida e poderá gerar problemas também para rotas de exportação nessa modalidade, disse Lorimer.
Barreto também alerta para o risco de falta de contêineres, em especial refrigerados. “Nesta época do ano, tradicionalmente já faltam contêineres ‘reefer’, por conta de safras em outras regiões, então isso pode se agravar”, disse. Um possível atenuante seria uma menor demanda no Brasil por conta da crise da gripe aviária, que poderá reduzir as exportações e amenizar a pressão de alta.
A disparada de preços é o primeiro efeito significativo das tarifas sobre fretes no país. Nos primeiros meses do ano, o volume de importações cresceu. No acumulado entre janeiro e abril, houve um crescimento anual de 10,7% nas importações em contêineres, que somaram 1,136 milhões de TEUs (medida equivalente a contêiner de 20 pés), segundo a Datamar.
Na avaliação de David Pinheiro, sócio da Cargo Sapiens, a demanda subiu principalmente a partir do anúncio das tarifas, em abril. “Houve um redirecionamento de exportações chinesas dos EUA a outros mercados, como o Brasil.” Já Lorimer diz que não é possível afirmar que a alta do começo do ano esteja relacionada às tarifas.
A expectativa é que, durante os 90 dias de trégua, os fretes seguirão altos. Para Lorimer, a grande dúvida é como ficará a situação após esse período. “Possivelmente, até lá os acordos comerciais estarão estabelecidos, o que pode suavizar o frete. Mas esse assunto ainda deverá ter idas e vindas.”
Outra variável importante é como ficará a negociação das tarifas entre EUA e Europa, onde os portos já enfrentam congestionamentos devido a outros motivos. “É um mercado grande, e não estão chegando em um acordo, o que gera dúvidas. Hoje há um congestionamento forte na Europa, por conta do nível dos rios, da falta de mão de obra, isso tudo dificulta o contexto todo do frete, agrava a falta de contêineres, de navios e coloca a pressão para cima”, diz Lorimer
Para Pinheiro, é difícil traçar projeções. “A cadeia é tão complexa que seria audacioso prever. Depende não só das tarifas, mas dos volumes, da oferta de navios, de conflitos geopolíticos. O mercado tem sido muito dinâmico.”