Publicado em: 9 de outubro de 2025
Desembargadora quer analisar melhor recurso movido por aplicativo que havia sido multado em até R$ 50 mil por dia junto com empresas de fretamento
ADAMO BAZANI
Foi suspenso nesta quarta-feira, 08 de outubro de 2025, o julgamento pelo TRF 1 (Tribunal Regional Federal da Primeira Região), correspondente a Brasília, de um recurso de agravo de instrumento pelo qual o aplicativo de ônibus rodoviário Buser e empresas de fretamento tentam se livrar de uma condenação por descumprimento de decisão que considerou ilegal que estes serviços atuem em regine de “circuito aberto”, com embarques e desembarques ao longo dos trajetos e vendas individuais de passagem, como empresas regulares.
A suspensão ocorreu após pedido de vistas (mais tempo para analisar) por parte da desembargadora federal Kátia Balbino, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
A magistrada, que é presidente da turma, abriu divergência do voto do desembargador-relator, Flávio Jardim, que foi favorável ao recurso do aplicativo e das fretadoras.
“Vou abrir uma divergência, considerando os limites do agravo de instrumento e por ser um pouco mais conservadora em relação às questões do transporte público. Eu até costumo pressionar a ANTT a fazer cumprir os prazos de análise dos processos de autorização, porém não consigo avançar, por entender que nós apenas poderíamos decidir no sentido de manter ou cassar a liminar”, destacou a desembargadora.
CIRCUITO FECHADO X CIRCUITO ABERTO
De acordo com as normas atuais, são formas diferentes de prestação de serviços de ônibus rodoviários.
O circuito fechado é para o fretamento. Nele, o mesmo grupo de pessoas na ida da viagem tem de ser o da volta. Não pode haver venda individual de passagem (seja por bilhetes ou sob o nome de rateio). Ou seja, para o fretamento, não pode haver um guichê físico, um aplicativo ou por site pelo qual a pessoa entra e faz uma compra individual de passagem. O fretamento deve ser contratado por um grupo. Por exemplo, frequentadores de uma igreja, grupos de estudantes, executivos, grupos de turismo, etc. O fretamento não pode ter embarque e desembarque individual no meio da viagem, como as seções de uma linha.
Já o circuito aberto é para as linhas regulares rodoviárias, que são aquelas operadas por empresas autorizadas. O passageiro pode comprar individualmente o bilhete por guichês, sites de vendas de passagens ou nos sites e aplicativos das empresas de ônibus. Os passageiros não precisam se conhecer e não é necessário que o mesmo grupo da ida seja o da volta.
As empresas de linhas regulares operam em rodoviárias ou pontos de embarque e desembarque oficiais. Estas companhias têm uma série de obrigações a cumprir que os fretados não têm e, aparentemente, não querem. Por exemplo:
– Devem transportar vários passageiros sem cobrar tarifa, como idosos, pessoas com deficiência e pessoas de baixa renda;
– Devem fazer a viagem com o ônibus lotado ou com pouca gente. Alguns aplicativos que trabalham com ônibus fretados não fazem a viagem se não houver, por exemplo, 40% de ocupação do veículo;
– Devem atender em rodoviárias regulares ou em pontos de apoio e de embarque e desembarque oficiais, com licenças de prefeituras e governos estaduais;
– Devem cumprir horários e itinerários fixos estipulados pelo poder público.
– Devem operar linhas de alta e baixa demanda
Um dos pontos das discussões é que todas estas obrigações que as empresas regulares têm representam custos.
Se deixar os ônibus fretados por aplicativos venderem as viagens, vouchers e passagens de forma individual, mas sem estas obrigações, a concorrência seria desleal. Isso porque os fretados teriam os direitos dos ônibus regulares, mas sem os custos e obrigações dos ônibus regulares.
Logo, poderiam fazer um preço menor, mas sem seguir as mesmas regras.
MISCELÂNIA DE DECISÕES:
O Diário do Transporte tem mostrado que há uma miscelânia de decisões sobre o tema, ora favorável às gigantes dos aplicativos, como a Buser, e às empresas de fretamento; ora favoráveis às empresas regulares (algumas de grupos gigantes, mas muitas pequenas também) e às agências reguladoras.
O STF (Supremo Tribunal Federal) parece ter “sentado em cima” do tema e não julga ações que poderiam dar um entendimento unificado.
Em nível federal, o TCU (Tribunal de Contas da União) e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) mantiveram as normas que proíbem a atuação dos aplicativos e das empresas de fretamento na venda individuais de passagens em modelo semelhante ao que só é permitido às empresas regulares.
O mercado aguarda uma posição definitiva do STF (Supremo Tribunal Federal) para criar uma jurisprudência.
De um lado, empresas de fretamento e gigantes de aplicativos, que até contam com recursos internacionais e fazem caras propagandas em emissoras de TV, dizem que a regra do circuito fechado restringe a competitividade do mercado, que poderia baixar o valor das tarifas e ampliar as opções para os passageiros.
De outro lado, empresas que operam linhas regulares, muitas controladas por gigantescos grupos que atuam há décadas no setor, mas também existem empresários pequenos, alegam que o que os aplicativos e as empresas de fretamento querem é “vida fácil”, ocasionando uma concorrência desleal.
Isso porque, de acordo com a associações de empresas de linhas regulares, como a Abrati, os aplicativos e fretados querem o “bom” das regulares, que é o circuito aberto, podendo vender passagens individuais. Mas não querem o “osso”, que é seguir regras como conceder sem subsídio gratuidades obrigatórias por lei (idosos, pessoas com deficiência, jovens de baixa renda), fazer a viagem independentemente de o ônibus estar cheio ou vazio, cumprir quadro de tarifas, itinerários e horários estabelecidos pelos órgãos reguladores e oferecer embarque e desembarque em terminais rodoviários oficiais.
HISTÓRICO:
Em 2020, uma decisão judicial determinou que as empresas de fretamento e as Buser não deveriam operar o transporte coletivo de passageiros como viações de linhas regulares.
As fretadas e a Buser deveria obedecer a circuito fechado, especialmente com chegada, saída ou parada no Distrito Federal. A determinação também estabeleceu multa diária de R$ 10.000,00 à plataforma e às fretadoras.
Na época, a 2ª Vara Federal Cível do DF atendeu a um pedido da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que reúne as empresas de linhas interestaduais regulares.
A Abrati alegou que a partir da autodenominação de “fretamento colaborativo” a Buser e empresas de fretamento estavam operando transporte coletivo aberto ao público em geral de modo manifestamente irregular e ilegal, em concorrência desleal com as delegatárias, em prejuízo da prestação do serviço público. Dois anos depois, em 2022, uma decisão do juiz substituto Anderson Santos elevou a multa diária de R$ 10 mil para R$ 50 mil.
GUERRA DE ARGUMENTOS:
Na sessão desta quarta-feira, 08 de outubro de 2025, a Abrati foi representada pelo advogado Alde Santos Júnior, que defendeu a rejeição do agravo de instrumento, alertando para o risco de se criar um ambiente de insegurança regulatória e jurídica.
“O transporte de fretamento sempre foi complementar ao serviço público e com ele não pode ser confundido, nem pode instaurar uma concorrência prejudicial a esse serviço. Nesse sentido, revogar ou cassar a decisão agravada que está alinhada à majoritária jurisprudência de todos os tribunais regionais federais — inclusive deste tribunal e do Superior Tribunal de Justiça — para atender interesses de empresas que não observam a regulação e que descumprem decisões judiciais acintosamente poderá resultar em um ambiente de insegurança regulatória e jurídica”, argumentou o advogado.
Pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a sustentação oral ficou a cargo do procurador federal Frederico Jorge Magalhães Pereira de Lira, que destacou que a regra do circuito fechado possui pleno amparo legal.
“A ANTT entende que existe suficiente base normativa para a manutenção da decisão recorrida e que a distinção rigorosa entre o serviço de fretamento operado no circuito fechado e o serviço regular operado sob o circuito aberto é uma exigência fundamental para a própria sustentabilidade, equilíbrio e justa competição no setor de transporte terrestre”, afirmou o representante da agência do Governo Federal.
Apesar dos argumentos, o relator do agravo de instrumento, desembargador Flávio Jardim, votou pelo provimento do recurso, demonstrando, inclusive, discordar da ampla jurisprudência, inclusive do precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se que decidiu que o “serviço oferecido pela Buser de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros” – diz a Abrati.
Na sequência, a desembargadora Kátia Balbino pediu vista, mas adiantou que diverge do colega.
“Vou abrir uma divergência, considerando os limites do agravo de instrumento e por ser um pouco mais conservadora em relação às questões do transporte público. Eu até costumo pressionar a ANTT a fazer cumprir os prazos de análise dos processos de autorização, porém não consigo avançar, por entender que nós apenas poderíamos decidir no sentido de manter ou cassar a liminar”, destacou a desembargadora.
Em nota, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) reforçou a confiança de que o TRF1 vai acompanhar o precedente do STJ em relação às normas do setor, o que considera essencial “para a ampliação de uma concorrência leal entre as empresas autorizatárias do serviço público, sem o comprometimento da segurança dos passageiros.
Veja abaixo na íntegra:
NOTA À IMPRENSA
A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) acompanha atentamente o desenrolar do processo em curso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que trata do cumprimento de decisão judicial referente às atividades da plataforma Buser e de fretadoras parceiras.
A entidade reitera sua confiança na Justiça e no devido processo legal, certos de que o Tribunal prestigiará as normas que regulam o transporte coletivo interestadual e o precedente do STJ que examinou a matéria, elementos essenciais para a ampliação de uma concorrência leal entre as empresas autorizatárias do serviço público, sem o comprometimento da segurança dos passageiros.
O Diário do Transporte aguarda um posicionamento da Buser.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes