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Jurandir Fernandes da UITP traça panorama do transporte público global


Em entrevista direta de Hamburgo, Alemanha, vice-presidente da entidade compara avanço tecnológico europeu com a estagnação na América Latina, e alerta para a necessidade urgente de investimento e foco no passageiro

RENATA VERÍSSIMO ESPECIAL PARA O DIÁRIO DO TRANSPORTE / ALEXANDRE PELEGI

O evento da UITP (União Internacional de Transporte Público) em Hamburgo, Alemanha, que acontece de  se tornou um palco para discussões cruciais sobre o futuro da mobilidade urbana. Em meio a inovações e debates sobre as tendências globais, a jornalista Renata Veríssimo, da Impacto RV Comunicação, em entrevista especial para o Diário do Transporte, teve a oportunidade de conversar com Jurandir Fernandes, Vice-Presidente Honorário da UITP, uma voz experiente e crítica sobre os desafios e oportunidades do setor. Na conversa, Fernandes compartilhou suas percepções sobre a eletrificação, o inesperado ressurgimento dos veículos autônomos, as lições de infraestrutura de Hamburgo e os caminhos que o Brasil e a América Latina precisam trilhar para não ficarem para trás.

Entrevista com Jurandir Fernandes, Vice-Presidente Honorário da UITP

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Começando “de trás pra diante” como você costuma dizer, o que mais lhe chamou a atenção em relação à eletrificação no transporte público aqui na UITP?

Jurandir Fernandes: O que mais me chamou a atenção, e isso é um ponto de partida fundamental, é que não existe aqui hoje, nesse evento, nenhum ônibus a diesel, a motor a explosão. Todos expostos são ônibus elétricos. Isso eu digo “de trás pra diante” porque, há oito ou dez anos, quando vimos pela primeira vez um ônibus elétrico em uma exposição como esta, a gente comentava: “Olha, é uma tendência, hein, capaz de… vai eletrificar mesmo”. Hoje não é mais tendência; a gente pode dizer que hoje é algo constatado, algo real. Não há que se discutir mais sobre eletrificação. Agora, o desafio é de cada país buscar a forma de fazer essa eletrificação, enfrentando suas dificuldades de infraestrutura, de financiamento, de criação de fundos, etc., que nós estamos vivendo no Brasil.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Uma outra grande tendência que parecia ter arrefecido na América Latina era a dos veículos autônomos, mas aqui em Hamburgo a percepção é diferente, correto? Qual a importância de o Brasil e a América Latina não negligenciarem essa tecnologia?

Jurandir Fernandes: Exato! Lá no nosso continente, no Brasil e na América Latina, o debate sobre veículos autônomos ficou um pouco adormecido nos últimos três, quatro anos, parecia que estava em “banho-maria”. Aqui foi uma surpresa verificar o contrário: os veículos autônomos, especialmente os ônibus autônomos no transporte coletivo, não morreram. Pelo contrário, participei de sessões interessantíssimas sobre como nós, que atuamos no transporte público, temos que incorporar, sempre que possível, o debate, a discussão, análises sobre veículos autônomos. Há quem diga: “Isso não é problema do Brasil, não tem nada a ver com a gente“. Mas eu digo: “Calma!”. Alguém defendeu hoje, num debate, o cuidado com isso, e fez uma observação crucial: “Se nós não fizermos nada, outros farão“. Quem são esses “outros”? Para começar, existe uma megaempresa mundial de transporte de aplicativo que, quando tiver tudo pronto, vai dispensar todos os motoristas e introduzir veículos autônomos individualizados. Isso já está começando no oeste americano, na Califórnia, São Francisco, vindo devagarzinho. Além disso, a indústria automobilística, se não avançarmos junto com o transporte de massa, vai começar a lançar carro autônomo. Começa com shuttles, pequenos carros, e vai se expandir, inclusive para atender os idosos. Não podemos ficar a reboque de novo. Não se pode negligenciar essa tendência, é bom observar.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Você mencionou a preocupação com o desemprego de motoristas, especialmente os de aplicativos, mas há um paradoxo interessante no setor de transporte coletivo. Poderia nos explicar?

Jurandir Fernandes: É uma contradição que vivemos, de fato. Uma das primeiras coisas que me faz combater a questão do veículo autônomo é a preocupação com o desemprego. Há cerca de cinco ou seis milhões de motoristas inscritos para aplicativos. É uma massa enorme. No entanto, o paradoxal é que, justamente no nosso setor, o de transporte coletivo, está faltando motoristas. É inacreditável, mas está faltando motoristas para ônibus, especialmente para os mais sofisticados como articulados e biarticulados. No transporte de carga, caminhões de longa distância, também falta motorista.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Diante dessa escassez de motoristas no transporte coletivo, o Diário do Transporte questiona: o veículo autônomo pode ser uma solução ou ao menos algo a ser considerado sem preconceito para o futuro?

Jurandir Fernandes: Sim. Realmente, na nossa área de transporte coletivo, o veículo autônomo em corredores ou em áreas fechadas não é algo irreal de se pensar. Não é para amanhã, mas temos que começar a olhar sem preconceito. Pode até mesmo intensificar ou acelerar a discussão sobre o autônomo, considerando a falta de profissionais.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Você também acompanhou uma visita técnica para entender o sistema de Hamburgo. O que mais lhe chamou a atenção na engenharia de trânsito e na infraestrutura local, e qual o contraste com a realidade brasileira?

Jurandir Fernandes: Olha, há um pouco de frustração, um pouco de tristeza. Porque eu e tantos de nós que lutamos no Brasil, que somos da área, falamos de muitas coisas que vemos aqui há quarenta, trinta anos. Por exemplo, a rede semafórica atuada, com atuação pelo veículo coletivo que vem vindo, antecipando a fase verde para o ônibus. A gente fala disso desde os anos oitenta, noventa. Aqui em Hamburgo, está tudo aplicado, tudo feito. Ou seja, investe-se em infraestrutura, investe-se no transporte coletivo como um todo e na forma de integração. Falamos demais sobre integrar o *last mile*, a mobilidade ativa, bicicletas, patinetes; aqui está tudo feito. Falamos de pensar em *hubs* de conexão e integração; aqui está cheio de *hubs*, eles estão fazendo. No Brasil, a gente perde muito tempo discutindo o “sexo dos anjos” em congressos, enquanto a infraestrutura, que o brasileiro e a América Latina precisam, não se faz. Vimos imagens ontem de trem de alta velocidade sendo implantado e operado na Índia, e nós não conseguimos fazer um trem regional? É preciso arregaçar as mangas e cobrar dos gestores públicos e governos mais responsabilidade com infraestrutura e investimento.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Falando em Hamburgo, apesar de toda essa tecnologia e visão de futuro, o senhor notou algum ponto que ainda precisa de melhorias, especialmente em acessibilidade?

Jurandir Fernandes: Sim, chamou demais a atenção, com tanta tecnologia. Hamburgo diz que até 2030 ou 2045 estará com tudo automatizado, com os autônomos funcionando como transporte público. Mas, em contrapartida, temos um metrô instalado que é pouco acessível. É impressionante: nas estações de metrô, ao entrar, o nível do piso do metrô tem quase trinta, vinte centímetros mais alto. É gozado, fala-se tanto em ônibus de piso baixo (low floor), e na hora de entrar no metrô, é outra coisa escandalosa. Em um país que tem uma população com idade alta, não há acessibilidade. Diversas estações não têm nem elevador nem escada rolante, e muitas não têm sequer banheiro. É importante notar que a questão da acessibilidade foi uma preocupação que em diversas capitais do Brasil já foi resolvida.

Renata Veríssimo (Diário do Transporte): Para finalizar… e em especial para o Diário do Transporte, qual a sua principal mensagem para o Brasil e a América Latina diante de todas essas observações e tendências? Como podemos evitar que essa “lacuna” tecnológica e de infraestrutura continue aumentando?

Jurandir Fernandes: Minha principal mensagem é que precisamos abrir os olhos para o gap, a lacuna que está aumentando entre os nossos países e esses outros. Não que tenhamos que ser iguais a eles, mas algumas tecnologias estão muito à frente e nós estamos andando de carroça aqui atrás. E o pior é que essa carroça não é boa; estamos jogando nossos passageiros fora, perdendo passageiros. Vimos aqui diversas cidades recuperando o número de passageiros do pré-Covid. No Brasil, muitos dizem: “não vai voltar nunca mais, é diferente…“. Mas está voltando, e não apenas em cidades turísticas como Barcelona e Paris, mas também em outras cidades não turísticas por excelência. Recuperaram como? Fazendo, criando, inovando, e, fundamentalmente, centrando a atenção em cima do passageiro. Isso é fantástico de se observar aqui. E, infelizmente, você vê muitas cidades médias e importantes no Brasil não tendo proposta nenhuma para o transporte. Precisamos mudar isso urgentemente.

Renata Veríssimo (Impacto RV Comunicação) e Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes





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