Decisão da desembargadora federal Mônica Nobre reconhece que decreto e resolução da Agência impuseram restrição sem amparo legal nem constitucional
ALEXANDRE PELEGI
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) — com sede em São Paulo e jurisdição sobre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul — concedeu liminar à Bless Transportes Turismo e Locação de Veículos Ltda., suspendendo os efeitos da decisão que havia indeferido o pedido da empresa para operar no modelo de fretamento colaborativo em circuito aberto.
A decisão, assinada nesta sexta-feira, 24 de outubro de 2025 pela Desembargadora Federal Mônica Autran Machado Nobre, da 4ª Turma do TRF3, representa mais um precedente importante contra a exigência do chamado circuito fechado nas viagens de fretamento.
O agravo de instrumento foi interposto pela Bless contra decisão em mandado de segurança que havia mantido a restrição imposta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A magistrada, no entanto, entendeu que há fundamento jurídico consistente e risco de dano grave para a empresa caso fosse impedida de operar.
“A imposição da observância ao ‘circuito fechado’ constante do Decreto Federal 2.521/1998 configura, prima facie, violação ao princípio da legalidade, na medida em que a restrição imposta não tem amparo legal”, afirmou a desembargadora.
O circuito fechado é uma exigência contida tanto no Decreto 2.521/98 quanto na Resolução ANTT nº 4.777/2015, segundo as quais o fretamento só poderia ocorrer quando o mesmo grupo de passageiros partisse e retornasse ao ponto de origem na mesma viagem, sem embarques ou desembarques intermediários. A regra tem sido contestada por empresas de transporte colaborativo e plataformas digitais, que defendem o chamado fretamento em circuito aberto, no qual os passageiros podem ser conectados por aplicativo para destinos distintos, mantendo-se dentro do regime de fretamento autorizado.
A desembargadora entendeu que a exigência do circuito fechado foi criada “sem amparo legal, tampouco constitucional”, violando o artigo 178 da Constituição Federal, que determina que apenas a lei pode dispor sobre a ordenação dos transportes terrestres.
O entendimento reafirma posição da própria magistrada em outros casos semelhantes. Como mostrou o Diário do Transporte, uma decisão liminar proferida em 6 de maio de 2025, também pela Desembargadora Federal Mônica Nobre, suspendeu a eficácia de decisão anterior e determinou que a ANTT não obstaculize o serviço de fretamento colaborativo exercido pela empresa Inova Turismo Ltda. quando realizado em circuito aberto. Relembre:
Justiça Federal suspende exigência de circuito fechado para fretamento em decisão liminar
Naquele processo, a Inova argumentava que a imposição do circuito fechado configurava uma “inovação legal” sem base na legislação, violando o princípio da legalidade administrativa e preceitos constitucionais. A magistrada concordou, apontando que tanto o Decreto nº 2.521/98 quanto a Resolução ANTT nº 4.777/2015 impuseram restrições além do que a lei autoriza, e que o conceito de circuito fechado — a viagem de um grupo de passageiros que parte de um local de origem para um ou mais destinos e retorna ao mesmo ponto — carece de respaldo legal.
Na decisão mais recente, referente à Bless Transportes, a desembargadora também recordou trecho de outro julgamento sob sua relatoria (processo nº 5001433-26.2023.4.03.0000), em que reforçou que a regra “é desacompanhada de qualquer justificativa razoável” e “inclusive prejudicial ao consumidor”, conforme parecer da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE), do então Ministério da Economia:
“A regra do circuito fechado cria custos de transação e operação, o que impacta negativamente o preço das passagens ofertadas aos consumidores, dificultando a realização de novos modelos de negócios e a adoção de novas tecnologias – restrições que impedem a entrada de novos prestadores de serviço e que prejudicam a concorrência e o consumidor”.
Ao conceder a liminar, Mônica Nobre reconheceu a presença dos requisitos jurídicos fumus boni iuris e periculum in mora, expressões em latim usadas no direito processual.
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Fumus boni iuris (“fumaça do bom direito”) indica que o pedido da parte tem plausibilidade jurídica — ou seja, há indícios sólidos de que o direito alegado é válido e pode ser reconhecido ao final do processo.
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Periculum in mora (“perigo na demora”) significa que a espera até a decisão final pode causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
No caso concreto, a desembargadora concluiu que “a manutenção das penalidades e restrições é suficiente para abalar de modo significativo que a empresa exerça com regularidade suas atividades comerciais nessa área”, o que justificou a urgência da medida.
Com a liminar, a Bless Transportes poderá continuar a operar o serviço de fretamento colaborativo até o julgamento definitivo do processo. O juízo de primeira instância será comunicado, e a ANTT deverá apresentar manifestação conforme o artigo 1.019, II, do Código de Processo Civil.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


