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Justiça obriga ANTT a retomar análise de pedidos de novas linhas de ônibus interestaduais


Liminar obtida pela Real Maia determina que agência conclua, em até 10 dias, etapas previstas na Resolução nº 6.033/2023; empresa alegou omissão e riscos operacionais. Decisão tem efeito apenas para a empresa, e não alcança o restante do setor

ALEXANDRE PELEGI

A Justiça Federal determinou que a ANTT retome, em até 10 dias, o processo de autorização de novos mercados de transporte rodoviário interestadual de passageiros, atendendo a uma liminar obtida pela Real Maia Transportes Terrestres, empresa com sede no estado de Tocantins. A decisão obriga a agência a cumprir etapas previstas na Resolução nº 6.033/2023 (Novo Marco Regulatório do TRIIP), sob pena de multa diária de R$ 5 mil.

No entanto, a decisão tem efeito apenas para a Real Maia, não favorecendo as demais empresas do setor de transporte regular. Para estas, a janela extraordinária continua paralisada.

A medida liminar foi proferida pela 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal no dia 18 de julho de 2025, e atende a um mandado de segurança impetrado pela Real Maia. A empresa argumentou que a ANTT foi omissa ao não cumprir os prazos da Resolução nº 6.033/2023 para dar andamento aos pedidos feitos na “janela extraordinária”, descumprindo o prazo legal de 15 dias úteis para a publicação dos mercados solicitados e outros 15 para a convocação dos operadores interessados. Alegou prejuízos operacionais e violação dos princípios da eficiência e da duração razoável do processo administrativo.

A Real Maia sustentou que apresentou requerimentos dentro da “janela extraordinária” prevista na norma, mas que a agência não tomou as providências devidas — como a publicação da lista de mercados e a emissão da Guia de Recolhimento da União (GRU) — violando os princípios da eficiência e da duração razoável do processo.

Na decisão, o juiz destacou que há “fumus boni iuris”, ou seja, plausibilidade jurídica no pedido da empresa, reforçando que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconhece o direito à celeridade nos processos administrativos. O magistrado também considerou presente o “periculum in mora”, diante do risco de prejuízos econômicos à operadora que mantém estrutura sem previsão de retorno, à espera de definição sobre as rotas.

Com isso, a ANTT foi obrigada a dar andamento aos procedimentos previstos nos artigos 234 e seguintes da resolução em questão, incluindo a publicação dos mercados requeridos, eventual emissão da GRU e convocação da empresa. Em caso de descumprimento, a decisão fixa multa diária de R$ 5 mil, limitada a R$ 100 mil.

Decisão judicial tem efeito apenas para a Real Maia

Por ser impetrante do mandado de segurança, a empresa do Tocantins é a única beneficiada pela liminar. Isso acontece porque o mandado de segurança é uma ação individual, destinada a proteger um direito líquido e certo de quem ajuizou a ação.

Ou seja, a liminar concedida beneficia exclusivamente a empresa que demonstrou ter sofrido prejuízo pela omissão da ANTT no caso específico. E não se estende automaticamente a outras empresas, mesmo que enfrentem situação semelhante.

Outras empresas que estejam na mesma situação poderão ajuizar ações próprias com base na mesma argumentação. Se houver decisões semelhantes em série, pode haver pressão para que a ANTT adote medidas mais amplas, mas isso dependeria de outras ações judiciais ou de uma mudança administrativa.

“Paralisia da ANTT força Judiciário a intervir”, avalia especialista

Para o advogado e especialista em regulação do transporte rodoviário, Ilo Löbel da Luz, a falta de ação da ANTT está transferindo ao Judiciário uma responsabilidade que deveria ser exclusivamente administrativa. Segundo ele, apesar de uma decisão favorável do TRF-1 em abril de 2025, a ANTT segue completamente paralisada e não retomou o cronograma da chamada Janela de Abertura Extraordinária, voltada a mercados desassistidos e monopolistas.”

Löbel destaca que essa omissão já tem reflexos diretos no sistema de justiça. A inércia da agência não só compromete o funcionamento do setor, como também sobrecarrega o Judiciário, que vem sendo obrigado a decidir o que a ANTT se recusa a fazer.” Como exemplo, cita a liminar de 18 de julho, que determinou que a ANTT autorize a Real Maia a operar nos mercados solicitados, sem concorrência. Foi o Judiciário que precisou destravar um processo que deveria ser técnico e regulatório.”

Ele observa que o cronograma original, que previa o início das novas operações em setembro, já está completamente comprometido. Vivemos um cenário kafkiano, onde a burocracia trava o progresso: não há qualquer previsão para a retomada da janela extraordinária — que trataria dos novos mercados — nem da ordinária, voltada aos mercados existentes. Ambas já estão com seus prazos vencidos.”

Segundo Löbel, esse impasse gera grave insegurança jurídica para operadores, usuários e até mesmo para os entes públicos. Sem previsibilidade, o setor não consegue se planejar, e o país perde com isso.”

A decisão foi concedida em caráter liminar no âmbito de um mandado de segurança, que é uma ação judicial usada para proteger direito líquido e certo, diante de ilegalidade ou abuso de poder de uma autoridade pública.

Nesse tipo de ação, a liminar é uma medida de urgência, concedida antes do julgamento final do mérito. Contra essa liminar, a ANTT pode apresentar pedido de reconsideração ao próprio juiz que concedeu a liminar, ou Agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que é a instância superior.

O agravo de instrumento é o recurso mais comum nesse caso. Com ele, a ANTT pode pedir que o tribunal suspenda os efeitos da liminar enquanto o mérito da ação ainda está sendo analisado.

Contudo, há ressalvas. Mesmo podendo recorrer, o recurso não suspende automaticamente os efeitos da decisão. A ANTT teria que convencer o tribunal de que o cumprimento da liminar causa risco grave ou que há ilegalidade evidente na decisão de primeira instância.

Crise interna compromete atuação da ANTT

A decisão judicial expõe o quadro crítico vivido pela ANTT, que enfrenta severas restrições orçamentárias e operacionais. A agência sofreu cortes orçamentários, o que reduziu o quadro de mão de obra terceirizada e estagiários da SUPAS, responsáveis pela análise de processos da Coordenação de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (CTRIP).

Além disso, há mais de vários requerimentos judiciais pendentes de análise, totalizando aproximadamente 200 mil mercados.

A situação se agrava pela precariedade dos sistemas digitais: o SIGMA está desatualizado e sem georreferenciamento; o SISHAB 2 encontra-se inoperante; e o Monitriip apresenta falhas graves de integração e inconsistência de dados.

O sistema de sorteio da própria “janela extraordinária”, peça-chave no processo acionado pela Real Maia, também está fora de operação, exigindo que a triagem de mais de 58 mil mercados seja feita manualmente, sem estrutura técnica ou cronograma viável.

Esses entraves têm gerado uma escalada de decisões judiciais que a ANTT não consegue cumprir, ampliando o risco institucional da agência e ameaçando a efetividade do Novo Marco Regulatório do Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (TRIP).

A liminar judicial, ao mesmo tempo em que garante o direito da operadora, escancara a paralisia técnica e administrativa da agência, que, sem equipe, sem orçamento e com sistemas inoperantes, está sendo cobrada pela Justiça a entregar resultados que, na prática, tornaram-se quase impossíveis.

DECISÃO NA ÍNTEGRA

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes





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