Publicado em: 10 de dezembro de 2025

Decisão datada de 02 de dezembro de 2025 aponta omissões, contradições administrativas e possível “encampação disfarçada” na intervenção municipal; juíza afirma que Município deve “abster-se de realizar atos definitivos de substituição de operadora”
ALEXANDRE PELEGI
A Justiça do Pará deferiu parcialmente pedido de tutela antecipada feito pela Integração Serviços e Locação Eireli, concessionária do transporte coletivo urbano de Marabá desde 2020, e suspendeu quaisquer atos definitivos de substituição da operadora. A decisão, datada de 02 de dezembro de 2025, foi assinada pela juíza Aline Cristina Breia Martins e determina que o Município abra, no prazo de 60 dias, processo formal de revisão ordinária de tarifas.
A intervenção administrativa na concessão ocorreu em 19 de maio de 2025, com o Decreto Municipal nº 517/2025, que transferiu à Prefeitura a gestão operacional do sistema. Marabá, localizada no sudeste do Pará e com cerca de 290 mil habitantes, possui configuração urbana distribuída em vários núcleos — característica que aumenta a complexidade operacional e os custos do transporte coletivo, dependente majoritariamente de ônibus para conectar longas distâncias entre bairros.
O caso também envolve o Pregão nº 90070/2025, lançado após a intervenção e cujo edital previa a locação de 40 ônibus, além de referência a futura “nova empresa”, o que, segundo a decisão, pode configurar intenção de substituição permanente da operadora.
Omissão revisional e vício da modelagem contratual
Ao analisar a probabilidade do direito, a juíza afirmou que há “fundamento jurídico robusto” para reconhecer a omissão do Município em realizar revisões periódicas da tarifa, como determinam a Lei Municipal nº 17.344/2009 e a Lei Federal nº 12.587/2012.
A magistrada destacou o descompasso entre a demanda estimada no edital — 1.081.080 passageiros/mês — e a demanda real observada — entre 70 mil e 150 mil passageiros/mês. Para ela, essa diferença caracteriza um “vício estrutural” na modelagem da concessão.
Indícios de desvio de finalidade e risco de “encampação disfarçada”
A decisão aponta contradições administrativas antes e durante a intervenção. Em março de 2025, a Secretaria Municipal aprovou um redimensionamento proposto pela concessionária, mas, no mesmo dia, emitiu notificação exigindo manutenção de 70 ônibus operacionais — exigências incompatíveis e não justificadas.
Sobre o Pregão nº 90070/2025, a juíza ressaltou:
“A ausência de cláusula de reversão à concessionária original configura indício relevante de intenção permanente de substituição.”
Ela também mencionou declarações públicas do prefeito, feitas antes do término do processo administrativo, anunciando “nova empresa” e “30 ônibus para começar”:
“Estas declarações […] configuram pré-julgamento e violação ao contraditório.”
A juíza considerou insuficiente o prazo de dez dias concedido à concessionária para apresentar defesa:
“A intervenção foi utilizada como mecanismo de fiscalização ampliada […] configurando clara violação ao contraditório e à ampla defesa.”
Passivos criados após a intervenção e risco de dano irreparável
A decisão registra que diversos passivos — como inadimplências de financiamentos, rescisão de parcelamentos fiscais e contratações em nome da empresa — surgiram após a intervenção de 19 de maio de 2025, quando a concessionária perdeu controle financeiro.
A juíza questiona:
“Como será possível recuperar os ônibus perdidos por execução de garantia fiduciária? […] O dano é irreparável em sua essência.”
Medidas impostas ao Município
O Município deverá:
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Suspender atos definitivos de transferência da concessão a terceiros.
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Instaurar processo de revisão ordinária de tarifas em até 60 dias, com relatório técnico detalhado.
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Segregar contabilmente passivos criados pela intervenção e obrigações anteriores da concessionária.
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Abster-se de substituir a operadora enquanto durar a ação e o processo administrativo.
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Manter a operação sob gestão municipal, sem interrupção do serviço.
A magistrada resumiu o objetivo da decisão:
“Busca […] equilibrar os direitos das partes e da coletividade, garantindo continuidade do serviço público, devido processo legal, proteção contra encampação disfarçada […] e revisão ordinária conforme exigido pela lei.”
A ação segue em tramitação na Vara de Fazenda Pública, Execução Fiscal e Acidentes do Trabalho de Marabá.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


