Publicado em: 6 de junho de 2025
Adotar veículos elétricos em larga escala significa descarbonizar de forma eficaz o setor de transportes, responsável por cerca de 23% das emissões globais de CO2, diz diretor da BYD
MARCELLO SCHNEIDER
A mobilidade elétrica vem ganhando destaque como uma das estratégias mais promissoras para combater as mudanças climáticas, sobretudo em um cenário global marcado por eventos extremos, aumento da temperatura média e crescente pressão por ações sustentáveis. Diante desse contexto, ao refletirmos sobre o futuro do planeta, cresce o interesse por alternativas que conciliam eficiência energética, redução de emissões e inovação tecnológica.
O Brasil, por possuir uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, apresenta um terreno fértil para acelerar essa transformação, com impacto direto não apenas no meio ambiente, mas também na saúde pública, na economia e na infraestrutura urbana.
Há poucos anos, falar em carros que pudessem recarregar sozinhos, operar silenciosamente, emitir zero poluentes e até fornecer energia para casas parecia coisa de ficção científica — numa era em que as projeções tecnológicas populares ainda apostavam em carros voadores e robôs futuristas. Mas a inovação real, aquela que impacta o cotidiano das pessoas, seguiu um caminho mais funcional e transformador.
Hoje, a tecnologia evoluiu para entregar soluções acessíveis, seguras e eficientes, que estão cada vez mais presentes nas ruas das cidades e também nos telhados das casas, nos centros de distribuição e nas usinas solares. Um estudo do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT Brasil) mostra que veículos 100% elétricos emitem até 67% menos gases de efeito estufa ao longo de seu ciclo de vida quando comparados a modelos a combustão. Essa vantagem é ainda mais significativa em países com alta participação de fontes renováveis na geração de eletricidade — como o Brasil, onde 93% da energia gerada em 2023 veio de hidrelétricas, solares e eólicas.
Adotar veículos elétricos em larga escala, portanto, significa descarbonizar de forma eficaz o setor de transportes, responsável por cerca de 23% das emissões globais de CO2. Além disso, a poluição atmosférica oriunda do transporte está ligada a aproximadamente 51 mil mortes prematuras por ano no país, conforme levantamento do WRI Brasil. Com operação silenciosa e emissão zero de poluentes, os veículos elétricos trazem ganhos relevantes para a saúde pública e a qualidade de vida urbana.
Embora esse movimento ainda desperte ceticismo em alguns setores, a realidade tecnológica vem demonstrando que a eletromobilidade é apenas a ponta visível de uma revolução energética mais ampla. O que está em curso é a construção de um ecossistema energético completo e integrado — que conecta carros, baterias, casas, edifícios, usinas e até cidades.
Um exemplo pouco discutido, mas com imenso potencial transformador, está na capacidade das baterias de veículos elétricos servirem como unidades de armazenamento de energia para residências e até comunidades inteiras.
Com tecnologias como o V2G (vehicle-to-grid), esses veículos passam a atuar como baterias móveis capazes de estabilizar a rede elétrica em momentos de pico, ou até alimentar residências em áreas remotas. Somado a isso, a expansão de sistemas fotovoltaicos em larga e pequena escala vem permitindo que famílias, empresas e centros logísticos se tornem produtores e consumidores de sua própria energia limpa, criando um ciclo energético inteligente, conectado e de baixíssimo impacto ambiental.
Esse tipo de inovação reflete o novo perfil do consumidor, cada vez mais informado, exigente e consciente. A escolha por uma solução energética — seja um carro, um sistema de geração solar, uma bateria ou uma combinação de todos — deixou de ser apenas sobre economia.
Envolve conforto, conectividade, sustentabilidade e, sobretudo, impacto positivo. Mais do que nunca, as pessoas querem entender como os produtos que utilizam interferem no mundo — e a transição energética descentralizada oferece respostas concretas.
Em paralelo, o mercado brasileiro tem respondido positivamente à eletrificação. Em 2024, foram comercializados 177.358 veículos eletrificados, representando um crescimento de 89% em relação ao ano anterior, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). No segmento de ônibus elétricos, o salto foi ainda mais expressivo: 923% de crescimento no primeiro bimestre de 2025, com a BYD liderando este movimento.
A consolidação desse avanço passa pela atuação de empresas que lideram globalmente em inovação limpa. Algumas delas, como uma gigante asiática presente no Brasil desde 2014, têm apostado fortemente em um portfólio que vai além de carros: inclui ônibus, caminhões, empilhadeiras, rebocadores e trens, além de módulos solares e baterias de longa duração.
Com mais de 110 mil profissionais dedicados à pesquisa e desenvolvimento em uma equipe global de 1 milhão de colaboradores, a BYD já registrou mais de 40 mil patentes e figura entre as pioneiras ao encerrar a produção de veículos exclusivamente a combustão, em 2022.
No Brasil, seu compromisso inclui a instalação da primeira fábrica de chassis de ônibus elétricos em Campinas (SP), a produção de módulos fotovoltaicos, uma planta de baterias no Polo Industrial de Manaus e mais de R$65 milhões investidos em P&D local.
Recentemente, a empresa também foi a primeira a obter certificação ESG para sua rede de concessionárias e desenvolveu um ecossistema de energia de emissão zero, que abrange desde a geração solar até o armazenamento e aplicação inteligente de energia limpa. Desde sua fundação estima-se que seus produtos já tenham evitado a emissão de mais de 80 milhões de toneladas de CO₂ — o equivalente ao plantio de mais de 1,3 bilhão de árvores.
Ainda assim, o caminho para uma matriz energética inteligente e descentralizada não está livre de desafios. O custo inicial de algumas tecnologias e a velocidade de expansão da infraestrutura de recarga e geração ainda são pontos de atenção. No entanto, esses gargalos estão sendo superados por soluções inovadoras.
Novas baterias, como as de estado sólido e as de lítio-ferro-fosfato, prometem maior autonomia, menor tempo de recarga e custos mais acessíveis — além de aplicações integradas ao cotidiano urbano, industrial e doméstico. A convergência entre mobilidade, energia e digitalização aponta para um futuro no qual o carro não apenas transporta, mas armazena, compartilha e equilibra energia dentro de um sistema vivo e interconectado.
Políticas públicas têm um papel essencial nesse processo. O Programa Mover, lançado pelo Governo Federal, surge como um pilar importante ao fomentar a produção local, gerar empregos verdes e impulsionar a inovação industrial em torno da descarbonização. A articulação entre Estado e setor produtivo é estratégica para que a eletromobilidade e as soluções energéticas integradas não apenas cresçam, mas se enraízem como política de desenvolvimento sustentável.
O que se observa é que a revolução da energia limpa não é mais um projeto de futuro: ela já está em andamento, conectando transporte, habitação, produção e meio ambiente em um ecossistema coerente e resiliente. À medida que tecnologias antes distantes se tornam parte do nosso dia a dia — como carros que podem abastecer casas, painéis solares que alimentam frotas, e baterias que operam redes —, o futuro deixa de ser uma hipótese e se torna uma escolha.
Se antes não era possível imaginar esse novo cenário, hoje já conseguimos visualizar, medir e entender o que está por vir. E o Brasil, com sua vocação renovável e capacidade industrial, tem a oportunidade de liderar essa mudança. É hora de acelerar.
Marcello Schneider é diretor de Veículos Comerciais e Solar da BYD Brasil