Publicado em: 13 de setembro de 2025
Sem cláusulas bem desenhadas, alerta Ilo Löbel da Luz, a jornada do passageiro vira um caminho cheio de pedágios jurídicos para a transportadora
ALEXANDRE PELEGI
Comprar passagem de ônibus pela internet hoje é tão comum quanto pedir comida por aplicativo. Mas, diferentemente da pizza que chega fria ou do hambúrguer sem batata, quando dá problema numa viagem de ônibus, a conta pode ser bem mais salgada — multas da ANTT, processos na Justiça e até crises de imagem.
É nesse ponto que entra o alerta do especialista Ilo Löbel da Luz: parcerias entre plataformas digitais e empresas de transporte não podem se apoiar só em comissões gordas e promessas de vendas crescentes. Sem uma cláusula de responsabilidades clara, o risco é transformar um bom negócio em uma dor de cabeça coletiva.
A digitalização do transporte rodoviário de passageiros trouxe novos canais de venda e ampliou o alcance de mercado das empresas. Parcerias com plataformas digitais de comercialização se consolidaram como estratégia para otimizar a ocupação e aumentar a receita. No entanto, para Ilo, o êxito dessas alianças não deve ser medido apenas pelo volume de vendas, mas sobretudo pela solidez jurídica que sustenta a relação.
Segundo ele, o ponto central está na Cláusula de Delimitação de Responsabilidades, capaz de equilibrar riscos e definir fronteiras claras entre transportadoras e plataformas.
Riscos assimétricos
Ilo lembra que, em muitos contratos, as atenções iniciais recaem apenas sobre aspectos comerciais, como taxas de comissão. “O problema é que um contrato que não define com precisão as fronteiras de atuação gera assimetria perigosa”, adverte.
Nesse cenário, a transportadora, que detém a outorga e executa a operação, tende a assumir sozinha os riscos regulatórios e operacionais, enquanto a plataforma se coloca como mera intermediária tecnológica.
A divisão prática de papéis é clara: a plataforma cuida da jornada de compra; a transportadora, da jornada do passageiro. “Sem contrato bem administrado, isso expõe a transportadora a vulnerabilidades significativas”, explica.
CDC e ANTT: responsabilidades não transferíveis
Pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, prevalece a responsabilidade solidária, o que permite que o passageiro acione toda a cadeia de fornecedores. Já perante a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a responsabilidade primária e intransferível pela segurança, pontualidade e conformidade recai sobre a transportadora.
“Isso significa que falhas da plataforma — como overbooking por erro de sistema ou informações incorretas no bilhete — podem gerar prejuízos financeiros e de imagem que recaem desproporcionalmente sobre a empresa de transporte”, alerta o especialista.
Quatro pilares para contratos sólidos
Ilo Löbel da Luz defende que uma cláusula bem arquitetada não deve ser vista como desconfiança, mas como alicerce de uma aliança profissional. Ele aponta quatro pilares que precisam estar presentes:
Mapeamento das jornadas do consumidor: cada etapa deve ter responsável definido. Questões de pagamento e cancelamento cabem à plataforma; atrasos e bagagens, à transportadora. O contrato deve prever ainda mecanismos de rateio de custos em eventuais ações judiciais.
Fidedignidade das informações: a plataforma deve ter obrigações claras quanto à precisão e à atualização das informações, com penalidades em caso de falhas que gerem prejuízos ou multas.
Gestão de crises: em eventos de alta repercussão, como acidentes, é essencial um protocolo de comunicação para alinhar discursos e proteger a reputação de ambas as partes.
Autonomia regulatória da transportadora: o contrato deve assegurar que nenhuma prática imposta pela plataforma comprometa a conformidade da empresa junto à ANTT.
Parcerias resilientes, não frágeis
Para o especialista, a maturidade do setor de transporte se medirá pela sofisticação das parcerias. “Acordos focados apenas em potencial de vendas, sem arquitetura jurídica robusta, tendem a ser frágeis e conflituosos”, resume.
Na avaliação de Ilo, uma parceria de sucesso não se mede pelo curto prazo, mas pela resiliência e pelo valor que constrói no longo prazo. A atenção dedicada à cláusula de responsabilidades é, em sua visão, o que distingue um simples contrato comercial de uma aliança estratégica projetada para o futuro.