Publicado em: 22 de dezembro de 2025

Parte do salário passa a depender de desempenho, abrindo debate sobre eficiência e riscos jurídicos no Brasil
ALEXANDRE PELEGI
A decisão do River Plate de reformular profundamente a lógica de remuneração de seus jogadores a partir de 2026 extrapolou o noticiário esportivo e passou a ser observada como um estudo de caso em gestão e eficiência. O clube argentino, um dos mais tradicionais e vencedores do futebol sul-americano, com sede em Buenos Aires e histórico de títulos nacionais e da Copa Libertadores, decidiu reagir a uma temporada abaixo do esperado em 2025 mudando a regra do jogo fora dos gramados.
A partir do próximo ciclo contratual, o River adotará um modelo no qual 60% do salário dos atletas será fixo e 40% estará condicionado ao cumprimento de metas objetivas de desempenho, como assiduidade, condição física, disponibilidade para jogos e resultados esportivos previamente definidos. A proposta, segundo a direção do clube, é clara: deslocar o foco da simples presença para a entrega efetiva dentro de campo, reduzindo a acomodação e alinhando interesses individuais ao desempenho coletivo.
Para o advogado Ilo Löbel da Luz, especialista em regulação do transporte rodoviário, a decisão representa algo maior do que uma cláusula contratual. “Quando eu vi a notícia, pensei na hora que aquilo não era só uma reforma de contrato. É criação de cultura”, afirma. Na avaliação dele, o clube argentino assumiu o risco de provocar desconforto para atacar um problema estrutural. “O River está dizendo que não basta estar relacionado ou ter nome. A métrica passa a ser o que o jogador entrega.”
Segundo Ilo, esse raciocínio já é amplamente utilizado no mundo corporativo, mas ainda encontra resistência em setores mais tradicionais. “Empresas e startups trabalham há anos com a ideia de alinhar resultado individual ao desempenho do negócio. O futebol apenas escancarou isso. Quando o modelo funciona, cria um ciclo virtuoso: o time performa melhor, o profissional se valoriza, o caixa respira e a organização cresce.”
Ao trazer o debate para o Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (TRIP), o especialista propõe uma analogia direta. “Se sairmos do gramado e entrarmos na cabine de um ônibus, a pergunta é muito parecida: estamos remunerando apenas a presença ou a eficiência?”, questiona. Para ele, o motorista exerce um papel estratégico que vai além da condução. “Ele gerencia ativos caros da empresa: combustível, veículo, segurança operacional e até a percepção do passageiro sobre o serviço.”
Na prática, Ilo explica que os indicadores para essa avaliação já existem. “Hoje é possível medir consumo de diesel, eventos de risco por telemetria, assiduidade e até a experiência do cliente. Tudo isso impacta diretamente custos de manutenção, risco de sinistros e o resultado final da operação”, afirma. Nesse contexto, o desempenho deixa de ser abstrato e passa a ser mensurável.
O entusiasmo, no entanto, esbarra em um obstáculo relevante no Brasil: a legislação trabalhista. “Aqui existe um ‘zagueiro pesado’ nesse jogo”, diz Ilo. “A Lei do Motorista e a jurisprudência do TST são bastante protetivas. Se esse tipo de incentivo for mal desenhado, ele pode ser interpretado como salário disfarçado e gerar um passivo enorme.”
Por isso, o advogado ressalta que qualquer avanço nesse sentido exige cuidado técnico. “A Reforma Trabalhista abriu espaço para prêmios com natureza indenizatória, mas isso não é automático. É preciso critério claro, metas objetivas e uma engenharia jurídica muito bem estruturada para não transformar eficiência em risco.”
Ainda assim, Ilo avalia que o debate é inevitável.
“O River entendeu que precisava mexer na cultura para voltar a competir em alto nível. O transporte rodoviário também vive pressão de custos elevados e margens apertadas. Ignorar modelos de recompensa mais inteligentes é aceitar a acomodação como regra.”
Ao final, ele lança uma provocação bem-humorada. “Agora, imagine aplicar algo assim no Brasil, em um clube tradicional como o Santos. Nem precisa citar nomes para saber o tamanho do debate que isso geraria”, comenta. “Toda mudança estrutural começa causando desconforto. O que o River fez foi abrir uma conversa que vai muito além do futebol — e que o transporte deveria começar a fazer também.”
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes


