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Para Lúcio Gregori, que idealizou o Tarifa Zero, “o transporte coletivo é tratado como business, e não como direito”


Entrevista coletiva da então prefeita Luiza Erundina e do secretário de Transportes Lúcio Gregori sobre a tarifa zero para os ônibus em São Paulo (SP) – 1990. Crédito, Acervo CSBH/FPA

Ex-secretário de Transportes de Luiza Erundina (1989-1992), Gregori defende que o transporte público gratuito é antes de tudo uma proposta política de redistribuição da riqueza e de redefinição da cidade

ALEXANDRE PELEGI

Engenheiro e urbanista, Lúcio Gregori é reconhecido como o idealizador da proposta de Tarifa Zero para o transporte público.

À frente da Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (1989–1993), foi o principal formulador do projeto que propunha a gratuidade total nas passagens de ônibus da capital paulista.

O plano previa uma reforma tributária progressiva, na qual os setores que mais se beneficiam do transporte coletivo contribuiriam para o financiamento do sistema, e não apenas a prefeitura.

Apesar do apoio da prefeita, a proposta não foi aprovada pela Câmara Municipal, mas tornou-se referência histórica para debates e movimentos sociais que vieram depois — entre eles o Movimento Passe Livre (MPL).

Três décadas depois, a ideia de Gregori segue inspirando cidades e gestores que buscam alternativas para um modelo de transporte mais justo, acessível e sustentável.

Em entrevista ao Diário do Transporte, conduzida por Alexandre Pelegi, Gregori, hoje com 89 anos, voltou a defender a proposta. Para ele, o transporte público brasileiro continua sendo tratado como um negócio, e não como um direito social, o que inviabiliza seu funcionamento pleno e democrático.

“O sistema se tornou inviável dentro da lógica tarifária”

Segundo Gregori, o ponto de partida para a Tarifa Zero foi o reconhecimento de que o modelo de financiamento baseado apenas na cobrança de tarifa é insustentável.

“O sistema foi ficando cada vez mais inviável numa base tarifária. Pra funcionar adequadamente, a tarifa teria de ser inacessível à população. Então, a solução é radicalizar: fazer um subsídio total, e com isso viabilizar o sistema economicamente.”

Ele defende que o transporte deve ser financiado por toda a sociedade, especialmente pelos setores econômicos que mais se beneficiam dele.

“Não dá pra tratar transporte público como um negócio qualquer. É preciso reformular as fontes de financiamento e enxergar o sistema como serviço essencial, não como business.”

“Tarifa Zero é uma proposta política, não técnica”

Gregori alerta que reduzir a discussão a cálculos econômicos desvia o foco da verdadeira natureza da proposta.

“O Tarifa Zero é uma proposta política sobre duas coisas fundamentais: a distribuição da riqueza e a forma de gestão da cidade. Hoje o sistema é organizado para garantir o business — o capital — e só depois se vê como fica o passageiro.”

Na visão dele, implantar a gratuidade exige um redesenho urbano e político profundo, incluindo a redistribuição do espaço viário.

“Setenta e cinco por cento do espaço das ruas é ocupado por automóveis. Se queremos transporte público de verdade, temos que ampliar faixas exclusivas e reduzir as de carros. Isso muda o modelo econômico da cidade.”

“A PEC 25 pode mudar o jogo”

Durante a entrevista, Gregori lembrou que ainda não está garantido constitucionalmente o transporte como direito social, mas há um avanço em curso.

“A PEC 25, que ainda não foi votada, estabelece que o transporte coletivo passa a ser um direito. Quando isso for aprovado, o cidadão poderá exigir judicialmente esse direito. É uma mudança estrutural.”

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 25/2023, em tramitação no Congresso Nacional, pretende incluir o transporte como direito social no artigo 6º da Constituição Federal, ao lado de saúde, educação, moradia e trabalho. Se aprovada, obrigará União, Estados e Municípios a tratarem o transporte público como serviço essencial de cidadania, e não como mercadoria sujeita à lógica de mercado (leia mais sobre o assunto no fim da entrevista).

“O transporte público virou refúgio dos que não têm opção”

Com olhar crítico sobre a desigualdade urbana, Gregori lamenta que o transporte coletivo tenha se tornado um serviço restrito aos mais pobres.

“Ele vai ficando cada vez mais reduzido pra quem não tem outra alternativa. E como essas pessoas têm pouco recurso, o sistema acaba virando um lixão, desculpe a expressão.”

Para o engenheiro, a transformação exige repensar o papel do transporte na economia.

“A mobilidade é hoje um grande negócio — combustível, seguros, aplicativos. E tudo isso pesa contra o transporte coletivo.”

“Tarifa Zero é um desafio estrutural, mas irreversível”

Apesar das dificuldades, Gregori acredita que a Tarifa Zero seguirá crescendo.

“Existem hoje cerca de 130 cidades com algum tipo de Tarifa Zero no Brasil. São soluções locais. Mas quando se fala em São Paulo, aí entra o big business. É outra conversa.”

Ele reconhece, contudo, que o tema ganhou força política, mesmo entre antigos críticos.

“Lula, que era contra, hoje defende. E agora deputados também passaram a levantar essa bandeira. A Tarifa Zero virou discurso político, mas ainda falta transformar em política pública real.”

Um legado que permanece atual

Trinta anos após a primeira proposta de Tarifa Zero, Gregori mantém o mesmo diagnóstico que apresentou no início dos anos 1990: o transporte público será inviável enquanto for regido pela lógica de mercado.

“Não é uma questão técnica, é política. O transporte é um direito que estrutura a cidadania. E enquanto ele for tratado como negócio, continuaremos presos no congestionamento — social e econômico — que paralisa o país.”


O que propõe a PEC 25

A proposta de emenda constitucional apresentada pela deputada Luiza Erundina e outros parlamentares — a PEC 25/2023 — pretende incluir o transporte público entre os direitos sociais previstos na Constituição Federal, ao lado de saúde, educação, moradia e trabalho.

Na prática, o texto busca mudar a natureza jurídica do transporte coletivo, reconhecendo-o como serviço essencial de cidadania, e não como mercadoria submetida à lógica de mercado. A proposta cria as bases para um Sistema Único de Mobilidade, com planejamento integrado entre União, Estados e Municípios, que assegure acessibilidade universal, integração entre modais e financiamento contínuo.

O texto também autoriza a adoção de mecanismos específicos de custeio, como contribuições vinculadas ao uso do sistema viário e de veículos automotores, voltadas ao financiamento do transporte coletivo urbano. O objetivo é diluir o peso da tarifa sobre o usuário e distribuir de forma mais justa o custo do sistema entre todos os setores que dele se beneficiam.

Ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC 25 é vista por Gregori como um passo decisivo para consolidar o transporte público como direito constitucional efetivo de mobilidade, condição necessária para que políticas como a Tarifa Zero deixem de ser experimentos locais e passem a integrar um novo pacto urbano de justiça social.


Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes



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