Publicado em: 8 de dezembro de 2025

Parecer da SMT identifica desequilíbrio, queda de demanda, reajustes defasados e necessidade urgente de recomposição
ALEXANDRE PELEGI
A iminência de uma greve geral no transporte coletivo de São Paulo, motivada pelo risco de não pagamento do 13º salário aos trabalhadores, expõe um problema que vinha sendo mantido nos bastidores: o atraso na 1ª Revisão Quadrienal dos contratos de ônibus e suas consequências diretas sobre o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias.
Documentos obtidos pelo Diário do Transporte — incluindo o Parecer Técnico SMT/GAB nº 127635271, a Minuta de Termo Aditivo enviada ao TCM e o Estudo Final da FIPE (Fase 4 – Abril/2025) — mostram uma reconfiguração profunda dos parâmetros contratuais. Entre eles, a mudança mais sensível: a redução da Taxa Interna de Retorno (TIR), que passou de 11,79% para 9,88% ao ano.

A TIR funciona, na prática, como um teto de rentabilidade permitido às concessionárias. É o indicador que estabelece qual retorno máximo as empresas podem obter sobre os investimentos feitos na operação. Quando esse índice é reduzido, como ocorreu agora, toda a base de cálculo do reequilíbrio econômico-financeiro também muda: uma TIR menor restringe o retorno admitido pelo contrato e torna mais rígida a recomposição dos valores devidos. Em termos simples, a TIR define quanto a operadora pode ganhar sem que o contrato seja considerado desequilibrado.
No estudo original elaborado pela FIPE, a TIR calculada para recompor o equilíbrio dos contratos era de 11,79% ao ano. Contudo, uma nova versão — posteriormente enviada ao Tribunal de Contas do Município — derrubou o índice para 9,88%, após alterações no cálculo do Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC). A metodologia revista incluiu mudanças nos componentes de risco, mas sem justificativa clara nos documentos oficiais. Apesar disso, a SMT acatou integralmente a versão revisada.
A minuta de Termo Aditivo enviada ao TCM confirma a adoção da nova TIR e formaliza outros pontos centrais do reequilíbrio. Entre eles:
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Indenização retroativa referente ao período entre maio de 2024 e junho de 2025, devido ao atraso na revisão;
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Criação de uma Parcela Anual de Reequilíbrio, a ser descontada diretamente do complemento tarifário;
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Nova fórmula de reajuste da Remuneração Básica, recalibrando os pesos de mão de obra, IPC-Fipe e diesel;
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Mudança da periodicidade da revisão contratual, que deixa de ser quadrienal e passa a ser quinquenal, empurrando a próxima avaliação para 2029.
Apesar de todos esses elementos já constarem no parecer técnico e na minuta oficial, a Prefeitura ainda não assinou o aditivo, deixando o sistema operando com parâmetros desatualizados desde maio de 2024. Trechos do Parecer Técnico da SMT:

Nos últimos dias, dirigentes de empresas relataram ao Diário do Transporte que o atraso acumulado afetou de forma decisiva o fluxo de caixa. Com custos operacionais crescentes — especialmente mão de obra e combustível — e sem recomposição formalizada, empresas alertam para o risco real de não conseguir pagar o 13º salário, previsto para 12 de dezembro. Nas garagens, o clima é de mobilização e apreensão diante da possibilidade de greve.
Esse risco, porém, não é apenas uma preocupação das empresas — ele é expressamente reconhecido pela própria Secretaria Municipal de Transportes. No trecho mais contundente do parecer técnico enviado ao TCM, a SMT afirma que:
“o risco de greve dos motoristas, de impossibilidade de compra de diesel suficiente para operação de toda a frota e de aumento dos valores devidos a título de indenização pela demora na promoção dos efeitos desta 1ª Revisão Quadrienal justifica não só a celeridade na análise do presente Parecer, como a eventual tomada de decisão cautelar”.
O documento vai além e cita exemplos externos: ressalta que o Governo do Estado de São Paulo adotou medidas cautelares de reequilíbrio em concessões rodoviárias para evitar prejuízos ao erário, e que tais soluções passaram a ser referência nacional. Na avaliação da SMT, situação semelhante exigia resposta imediata no transporte por ônibus da capital.
Por isso, o parecer alerta que a revisão quadrienal deveria, necessariamente, ter sido concluída até junho de 2025 — o que não ocorreu.
Mais: O estudo final da FIPE reforça esse quadro: as tabelas de desequilíbrio apontam distorções acumuladas desde 2019, agravadas pela pandemia, pela queda permanente de demanda e pela defasagem nos parâmetros contratuais. O reconhecimento explícito do risco de greve no parecer da SMT evidencia que o problema não surgiu agora — ele era conhecido e previsto, mas permaneceu sem solução.
No fim das contas, o risco de paralisação não decorre de uma disputa entre empresas e trabalhadores, mas de um desequilíbrio contratual reconhecido, documentado e não corrigido, apesar dos alertas técnicos, jurídicos e financeiros produzidos pelo próprio poder concedente. Uma situação reconhecida, documentada e ainda não corrigida.
A revisão quadrienal deveria ter sido concluída em 2024; não foi. O reequilíbrio técnico, jurídico e financeiro está pronto; não foi aplicado. O sistema, portanto, opera hoje com um passivo crescente — e previsível — que pressiona empresas, trabalhadores e, por consequência, a cidade.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes
OBS:
Para verificar os documentos citados nesta matéria, clique nos links abaixo:
Minuta de Termo Aditivo enviada ao TCM: DOC_03___Minuta_de_Aditivo (1)
Parecer Técnico SMT/GAB nº 127635271: Parecer Técnico SMT_Quadrienal (4)
Estudo Final da FIPE (Fase 4 – Abril/2025): 5911 – FASE 4 – FINALIZAÇÃO – ABR 25 (REV.II)


