Publicado em: 19 de maio de 2025
Evento realizado em março concluiu que sucesso do combustível dependerá da superação das barreiras técnicas, operacionais, regulatórias e da gestão cuidadosa dos aspectos ambientais
ALEXANDRE PELEGI
Com o objetivo de aprofundar o debate sobre alternativas sustentáveis para a transição energética no transporte público, a Prefeitura de São Paulo, através das Secretarias Executiva de Mudanças Climáticas, Municipal do Verde e do Meio Ambiente e Municipal de Transportes, promoveu em março de 2025 o Seminário Mobilidade Sustentável – O Papel do Biometano na Descarbonização do Transporte Público. O evento reuniu mais de 250 participantes, incluindo representantes do poder público, iniciativa privada, academia e sociedade civil, e suas discussões foram sistematizadas no relatório final do seminário.
As principais conclusões do seminário evidenciaram uma ampla convergência entre os participantes: o biometano é visto como uma solução estratégica, sustentável e viável para o transporte público, com grande potencial para contribuir com a economia circular e a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Principais benefícios do Biometano apontados no Seminário:
Redução Significativa de Emissões: O biometano, produzido a partir da purificação do biogás gerado pela decomposição de resíduos orgânicos, pode reduzir as emissões de CO₂ em até 95% no ciclo de vida em comparação com o diesel. Apresenta menor intensidade de carbono (até 90% inferior ao diesel), e pode até resultar em emissões líquidas negativas quando combinado com captura de carbono ou considerando as emissões evitadas do metano que seria liberado na atmosfera. A adoção em São Paulo poderia evitar a emissão de 100% de MP, NOx, Sox, NH₃ e VOC, e estima-se que possa prevenir milhares de mortes prematuras.
Vantagens Econômicas: O custo direto do biometano é equivalente ao do diesel, e o Custo Total de Propriedade (TCO) pode ser cerca de 5% mais econômico. Ônibus a GNV/biometano são cerca de três vezes mais baratos que os elétricos em custo de aquisição e mantêm maior valor residual. A expansão da produção pode gerar até 20 mil empregos diretos e indiretos no Estado de São Paulo.
Economia Circular e Aproveitamento de Resíduos: Transforma resíduos, antes passivos ambientais, em energia limpa. O Brasil possui ampla oferta de matéria-prima, como resíduos do setor sucroenergético, aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto. A cidade de São Paulo possui potencial produtivo nos seus aterros capaz de substituir até 50% do diesel usado no transporte público.
Infraestrutura Existente: A molécula do biometano é idêntica ao GNV, permitindo o uso da infraestrutura de abastecimento já disponível, como a vasta rede de distribuição de gás canalizado da Comgás em São Paulo, que possui mais de 23 mil km de rede. 62% das garagens de ônibus estão a menos de 1 km da rede de distribuição.
Tecnologia e Veículos Disponíveis: Montadoras nacionais como Iveco, Scania e Agrale já oferecem modelos de ônibus a biometano/GNV com produção no Brasil. Empresas como a Tupy MWM desenvolvem kits para converter veículos a diesel existentes. A tecnologia é considerada madura e já em operação comercial.
Avanços Regulatórios: O arcabouço jurídico brasileiro e paulista tem avançado, com leis (RenovaBio, Lei do Gás, Lei do Combustível do Futuro) e deliberações de agências (ARSESP, ANP) que equiparam o biometano ao gás natural, oferecem incentivos fiscais (redução de ICMS, IPVA, inclusão no REIDI) e estabelecem certificação de origem (CGOB).
Representantes do Governo Federal, Estadual e Municipal destacaram a importância da articulação entre os diferentes níveis e atores para viabilizar investimentos e garantir o sucesso da transição. O Estado de São Paulo, com seu potencial produtivo e infraestrutura, é visto como o mais preparado para liderar essa transição. A experiência da frota de coleta de lixo da cidade, que já utiliza biometano/gás natural, foi citada como um exemplo de sucesso.
Desafios a Serem Superados:
Apesar do otimismo, foram identificados desafios importantes para a adoção em larga escala:
Custos e Espaço para Infraestrutura nas Garagens: A adaptação das garagens de ônibus requer investimentos em compressores e sistemas de armazenamento, e há a limitação de espaço físico na cidade para nova infraestrutura.
Detalhes Sobre Custos Operacionais: Embora o custo inicial dos veículos a biometano seja menor que o dos elétricos, faltaram dados claros sobre os custos operacionais específicos enfrentados pelas operadoras de transporte público.
Riscos Ambientais e Controle: É crucial garantir o rigoroso controle das emissões fugitivas de metano em toda a cadeia produtiva para assegurar os benefícios ambientais. Também foram mencionadas preocupações com a emissão de particulados ultrafinos e amônia por ônibus a gás, que devem ser um ponto de atenção.
Debate Sobre o Gás Natural Fóssil: Houve divergência em relação ao uso e expansão do gás natural fóssil como alternativa para a crescente demanda energética e introdução do biometano. Enquanto alguns argumentam que o uso do gás fóssil é essencial para construir a infraestrutura e o mercado necessários para a expansão do biometano, outros alertam que ele não deve ser visto como uma solução de transição de longo prazo, pois adia a descarbonização e pode ter emissões de ciclo de vida superiores ao diesel se não for 100% biometano.
COMPARATIVO COM ÔNIBUS ELÉTRICO
A comparação com outras tecnologias, como os ônibus elétricos, também fez parte do debate. Enquanto o elétrico enfrenta desafios de infraestrutura de carregamento e custo inicial elevado, o biometano aproveita a rede de gás existente e pode ter TCO e custo inicial mais baixos. Uma análise de ciclo de vida apontou que o biometano pode ter melhor desempenho que os elétricos em indicadores de saúde humana devido à toxicidade da mineração de baterias. Prevalece a visão de que diferentes tecnologias devem coexistir e se complementar na matriz energética do transporte público.
Em suma, o seminário reforçou que o biometano é uma alternativa promissora para a mobilidade sustentável de São Paulo, mas seu sucesso dependerá da superação coordenada das barreiras técnicas, operacionais, regulatórias e da gestão cuidadosa dos aspectos ambientais, exigindo articulação entre todos os atores envolvidos.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes