Publicado em: 19 de maio de 2025
Barcos com emissão zero farão a ligação entre as capitais Montevidéu e Buenos através das águas do rio da Prata
FÁTIMA MESQUITA, especial para o DIÁRIO DO TRANSPORTE
Juan Carlos López Mena é um argentino naturalizado uruguaio, um dos homens mais ricos da região e também o empresário por trás da construção do maior ferry boat elétrico do mundo. Proprietário de negócios que vão de fazenda de laticínios a hotéis, praças de restaurante e transporte fluvial, Mena vendeu ativos e investiu US$ 300 milhões na encomenda do inédito barco elétrico e na construção de um novo e moderno terminal de 90 mil m2 no porto de Buenos Aires.
A sua empresa Buquebus, fundada em 1979, espera ter em mãos o novo ferry no final de 2025 e colocar logo a novidade para fazer a ligação entre as capitais dois países separados pelas águas do rio da Prata. A embarcação em construção nos estaleiros da Incat, uma tradicional empresa australiana, já fez seus primeiros testes na água por lá, mas ainda está recebendo móveis, decorações e outros equipamentos. Mesmo assim o novo ferry já ganhou nome: se chamará China Zorrilla em homenagem a uma importante atriz e diretora uruguaia que morreu em 2014.
Motores e baterias
A China Zorrilla é a 10ª. embarcação que a empresa sulamericana adquire da Incat que, no entanto, se refere ao modelo como Hull 096. Mas independente da nomeação, a balsa tem 400 pés de comprimento (mais de 20 metros) e, quando pronta, terá a capacidade de transportar 2.100 passageiros e 266 veículos, além de contar com 3.000 m2 para lojas e recreação. Tudo isso significa que o seu peso final chegará perto das 500 toneladas – um senhor desafio para a propulsão elétrica.
A solução da Incat foi trabalhar pesado em uma estrutura bem leve de alumínio e colocar a bordo cerca de 275 toneladas de baterias com capacidade para fornecer 40 megawatts/hora de energia para movimentar oito motores finlandeses de propulsão a jato tipo waterjet. Esse tipo de motor não tem as hélices. Para movimentar a embarcação, há um sistema que suga água pela parte inferior do casco, depois usa uma bomba interna para acelerar o líquido e aí o expulsa por um bocal direcionável que se encontra em sua popa. O controle do ângulo desse bocal serve ainda como “volante”, permitindo manobras bem precisas.
Autonomia e carregamento
A jornada entre os portos de Montevidéu e Buenos Aires é de 30 milhas náuticas (55km). Nada complicado para uma embarcação que terá 100 km de autonomia quando o barco estiver com sua lotação máxima. E o carregamento será feito nas duas margens do rio, com duração estimada de apenas 40 minutos.
Mas assim como acontece no Brasil, há desafios em relação à energia elétrica. No Uruguai, hidroelétricas e usinas eólicas produzem mais do que o país consegue consumir. Ou seja, a eletricidade será toda renovável. Mesmo assim foi preciso investir em infraestrutura. No porto de Colónia, por exemplo, a Buquebus precisou puxar um cabo especial por nove quilômetros, depois de fechar um acordo operacional com a estatal UTE – a Administración Nacional de Usinas y Trasmisiones Eléctricas. No lado argentino, onde a produção de energia limpa não chega a 30%, a empresa está investindo em fontes próprias, via energia solar e eólica.
Barcos movidos a GLN
Quando encomendou a nova balsa antes da pandemia, a ideia da Buquebus era ampliar o sucesso que ela já havia obtido com outra unidade fabricada pela Incat. Batizado de Francisco em clara referência ao papa argentino, o ferry boat era até agora a grande estrela da frota por ser o catamarã mais veloz do mundo em sua categoria e por navegar com propulsores a jato d’água movidos por gás natural liquefeito (GNL), diminuindo assim em 60% as suas emissões.
Aqui destaca-se ainda outra característica da Buquebus e que é controlar ao máximo toda a operação incluindo, nesse caso, a produção de até 84 toneladas de GNL e a estocagem de 200 toneladas em uma unidade própria na província de San Vicente na Argentina. Além disso, o transporte até o porto é feito em caminhões Scania movidos pelo mesmo gás e também de propriedade da empresa.
Da mesma maneira, Mena adquiriu uma frota de ônibus de turismo Euro 5 da dupla Scania-Irizar e que ligam Montevidéu a Termas del Arapey, Termas del Dayman, Salto, Carmelo, Atlántida, Punta del Este, La Paloma, La Pedrera, Punta del Diablo, Colónia e Priápolis. Somando tudo, água e terra, a empresa movimenta mais de 2, 5 milhões de passageiros por ano e o seu comandante, Juan Carlos López Mena, do alto dos seus 83 anos, nem sonha em parar.
O futuro
Mas mais que o futuro da Buquebus, a imensa balsa elétrica que está para ficar pronta pode definir uma nova onda de produtos para o mercado aquaviário. O também octogenário à frente da Incat, o australiano Robert Clifford, tem planos agora de desenvolver soluções híbridas de eletricidade e diesel. E de investir cada vez mais na fabricação de elétricos. A empresa já tem, inclusive, um pedido da operadora francesa Brittany Ferries para um modelo de 137m elétrico.
Clifford, porém, tem antes que encarar o desafio de transportar a China Zorrilla das águas do Pacífico na costa da ilha da Tasmânia, ao sul da Austrália, até o leste do Atlântico e a entrada no rio da Prata. A viagem longa e sem pontos de recarga não poderá contar com as baterias. A nova balsa vai viajar é com os seus motores desligados, a reboque de uma embarcação a diesel.
FOTOS:

A China Zorrilla antes de ir para a água

Infográfico da rede ABC australiana

O coração da balsa tem 5.000 módulos de baterias empilhados

A unidade produtora de GLP na província de San Vicente na Argentina

O catamarã Francisco tem duas turbinas GE LM2500 a gás e dois waterets
Fátima Mesquita é jornalista e escritora