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Vale-Transporte completa 40 anos em dezembro. Uma conquista que evoluiu, mas corre riscos e sofre distorções


Vale de papel do serviço comum e Corredor ABD metropolitano de São Paulo (EMTU) e municipais da capital paulista (CMTC).

Se por um lado, tecnologia deixou este direito social mais transparente e prático; possíveis brechas jurídicas que podem surgir com julgamento pelo STF; práticas tarifárias ilegais por prefeitos e informalidade podem esvaziar ainda mais uma das principais fontes de custeio da mobilidade em acima de tudo, instrumento que permite vida digna, principalmente para quem mais precisa

ADAMO BAZANI

Em 16 de dezembro de 1985, a história de milhões de trabalhadores e da mobilidade mudava no Brasil.

Pela lei 7.418 de 16 de dezembro de 1985, o então presidente, José Sarney, assinava a criação oficia do Vale-Transporte. Um benefício ao trabalhador, não de natureza salarial, mas de recomposição de custeio, que garantia não apenas deslocamentos em meios de transportes legais e seguros, mas permitiria uma relação mais transparente e qualificada com a empresa na qual é funcionário.

Em 30 de setembro de 1987, pela lei 7.619/1987, também Sarney assinava a obrigatoriedade do benefício.

De lá para cá, muita coisa evoluiu nas relações trabalhistas e na mobilidade urbana. Atualmente, a participação do Vale-Transporte no custeio e nas viagens de ônibus, trens e metrôs caiu muito em relação à média de épocas anteriores. E pode cair mais porque há riscos atuais reais e distorções.

O STF (Supremo Tribunal Federal), como tem mostrado o Diário do Transporte, julga um processo que, dependendo do resultado, pode dar brechas para esvaziar ainda mais a utilização e precarizar relações de trabalho e uma importante fonte de custeio da mobilidade urbana. A questão é sobre a incidência de contribuições previdenciárias, como INSS e FGTS. Apesar de a discussão ser sobre a “terminologia” para esclarecimento do que compõe um salário e o foco ser a respeito dos 6% da contrapartida dos trabalhadores (não sobre todo o valor do VT, em si); na prática, dependendo do entendimento do Supremo e haver a tributação da parcela, o empregador vai desembolsar mais do seu caixa imediato, mesmo com as restituições. É mais um desestímulo para o benefício.

Pela lei, o empregador não pode pagar o valor do VT em dinheiro ao trabalhador. Mas, na prática, sempre aconteceu.

E piorou, muito em parte, graças a uma distorção imposta pelas prefeituras, que encontraram no VT, uma forma de subsídio velado.

Diversas cidades têm fixado, na prática, a tarifa do Vale-Transporte mais alta que das demais modalidades, o que é ilegal, e penaliza, em especial, o micro e pequeno empreendedor, que tem dificuldades de manter dinheiro em caixa até a data de receber créditos ou restituições.

A lei nacional determina que a tarifa do VT tem de ser igual a tarifa pública básica. Qual a manobra dos prefeitos? Elevam para o máximo a tarifa pública, pensando no VT, e depois, dizem dar “descontos” nas demais modalidades, como Comum Dinheiro e Comum Cartão, para supostamente incentivarem que as pessoas que costumeiramente se deslocam com outros meios façam suas viagens de transporte coletivo.

Balela que tem custado muito.

O Diário do Transporte conversou com diversos pequenos comerciantes no ABC Paulista, um dos locais no Brasil onde isso ocorre, que disseram que há sim acordos com os trabalhadores para o pagamento ser “por fora”. O problema é que recebendo em dinheiro, o funcionário faz o que quer: vai de ônibus, de veículo próprio, aplicativo, mototáxi ou compra em cachaça e vai a pé. Para ele e para o empregador, o importante é não faltar ao trabalho.

Não julgues para não serdes julgados: O empregador e empregado que fazem isso estão cometendo uma ilegalidade? Sim. Mas e os prefeitos? Por mais que o Vale-Transporte garanta parte do custeio da mobilidade e que os meios coletivos precisem sim de subsídios para serem oferecidos, o Vale-Transporte não pode assumir este papel.

A grande maioria das ações judiciais tem determinado que as tarifas se igualem, na prática. Mas a maior parte dos processos é movida por associações comerciais e industriais, muitas, que uma grande massa de pequenos empregadores não são sócios ou nem sabem que existe.

Somadas ao aumento da informalidade, com pessoas cada vez mais trabalhando sem registros ou qualquer outro vínculo, estas distorções causam um esvaziamento do Vale-Transporte, o que é perigoso.

Na série de reportagens sobre o julgamento do STF, nesta semana, o Diário do Transporte conversou com especialistas.

Uma delas a advogada especializada em direito empresarial, trabalhista e previdenciário, Liana Variani, que foi enfática em dizer: comprometer o custeio do transporte público é estimular meios menos regulados de deslocamento que não trazem o melhor para as cidades como um todo.

“Não se pode fragilizar a própria finalidade do benefício, abrindo espaço para práticas informais, o que enfraqueceria o vale-transporte como política pública e reduziria arrecadação de receitas de ônibus, trens e metrôs. Esse esvaziamento comprometeria a sustentabilidade financeira do transporte coletivo e estimularia o uso de meios alternativos menos regulados, impactando de forma direta a mobilidade urbana” – Liana Variani

Na mesma série de reportagens, a advogada especializada na área de transportes públicos, Patrícia Avamileno, disse que desestimular o Vale-Transporte é precarizar as relações de trabalho.

Prejuízo para os trabalhadores é o primeiro reflexo de entraves ao Vale-Transporte, porque parte das empresas pode acabar desestimulada a oferecer o benefício de forma regular, ou buscar alternativas menos vantajosas, precarizando ainda mais a relação de trabalho. – Patrícia Avamileno.

O Vale-Transporte, logo de cara, trouxe segurança social aos trabalhadores e, dois anos depois com a obrigatoriedade, segurança jurídica às empresas, apesar de, na ocasião, de acordo com algumas reportagens de época, ter havido gritaria por parte de alguns setores.

As demandas judiciais, na ocasião, caíram muito, o que trouxe também ganhos na sempre atolada Justiça do Trabalho.

Muito mais que um direito trabalhista, o Vale-Transporte assumiu um papel social, integrador. Isso porque, o Vale-Transporte não só permite a ida e volta do trabalho (embora que legalmente é só para isso). O Vale-Transporte, apesar de não ter natureza salarial, impactou, na prática, positivamente na renda do cidadão. Passou a sobrar mais dinheiro para passear, fazer um curso, compras, realizar sonhos, cuidar da saúde…

Para a mobilidade urbana, se tornou uma importante fonte de custeio e, assim, garantidor de demanda e da viabilidade financeira dos sistemas de ônibus, trens e metrôs, beneficiando não apenas o cidadão para ir ao trabalho, mas as cidades como um todo. Com mais transporte coletivo, o resultado é menos trânsito, menor poluição e formas mais democráticas de acesso a serviços básicos como saúde, educação e lazer. Até quem não usa diretamente o transporte público, se beneficia dele.

Com o tempo, o benefício evoluiu, ainda mais com as tecnologias de Bilhetagem Eletrônica, que deixaram mais transparente e seguro o acesso ao benefício. Além de mais prático: do passe do papel, ao cartão eletrônico e, agora, QR Codes, carteiras digitais, memória de celular e até dento de relógios, pulseiras…Tudo deixou, do ponto de vista de utilização, o Vale-Transporte mais evoluídos.

Falta mesmo evoluir quanto a legislação e incentivos.

Por que não, em vez de mais caro, deixar o Vale-Transporte mais barato que a mototáxi, por exemplo?

Por que não, em vez de o Vale-Transporte acabar subsidiando o passageiro eventual, toda sociedade estimular seu uso, o que não só incentivaria a mobilidade, mas a manutenção dos nos níveis de empregos e contratações formais bem como a qualificação das relações de trabalho?

HISTÓRIA QUE MERECE SER ETERNIZADA PARA QUE O NUNCA SE ESQUEÇA DO VALOR DO BENEFÍCIO:

A implementação do Vale-Transporte não foi fácil. Segundo um material histórico das NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), um dos pioneiros da consolidação do vale-transporte no Brasil, Rogério Belda, contou que o benefício surgiu no contexto de alta inflação dos anos 1980, que corroía a renda de trabalhadores, mas também a lucratividade de empresas, com muitas falências e desemprego.

“Era uma época de reajuste de preços em todos os setores e redução do poder aquisitivo da população. Em especial, as pessoas de menor renda. Isso deixava desfavorável a prestação dos serviços de transporte coletivo urbano”, explicou, de acordo com o material.

A ideia inicial era do modelo francês, pelo qual o financiamento dos deslocamentos seria por uma partilha, com proporções diferentes, entre governo, empregadores e passageiros.

Mas a primeira resistência veio do Governo. De acordo com o material histórico da NTU, o jurista Darci Rebelo, que fez diversas crônicas e relatos sobre a implantação do Vale-Transporte, descreveu um encontro que ocorreu entre empresários do setor de mobilidade e o então Ministro da Fazenda, Delfim Netto.

Veja que curioso:

Foi neste contexto que surgiu a ideia de se instituir um bilhete de acordo com o modelo francês, financiado entre governo, empregadores e passageiros. Em uma série de crônicas que escreveu sobre a história do vale-transporte, o jurista Darci Rebelo descreve um encontro que um grupo de empresários, formado para discutir a ideia, teve com o ministro, Delfim Netto. “Depois que acabamos nossa exposição, o ministro Delfim Netto tomou a palavra e, logo, introduziu o seu discurso com uma frase muito de seu gosto, um tanto debochada: ‘senhores, a viúva não pode pagar a conta’. argumentando com ironia e muitos exemplos, dava-nos o recado de que não esperássemos nada do poder público”, conta.

Com as negativas do governo, foi desenvolvida a ideia de um vale-transporte em que o empregador repassasse o bilhete diretamente a seus empregados, sem a intervenção do governo. a proposta foi consolidada, a partir de uma longa luta que teve vitória junto com a criação da NTU.

O Vale-Transporte se tornou uma das prioridades dos trabalhadores, tanto quanto salários.

Uma pesquisa divulgada em 2016 pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) mostrou, na ocasião, que a maioria dos entrevistados, 62%, se preocupava mais em que o Vale-Transporte fosse respeitado do que com reajustes salariais.

Leia:

Entre os benefícios oferecidos pelas empresas aos trabalhadores, o vale-transporte é o mais valorizado. É o que mostra a pesquisa Barômetro 2016: Bem-estar no Trabalho, estudo que é realizado há 10 anos na Europa e chegou ao Brasil, pela primeira vez, neste ano. O levantamento é encomendado pela empresa Edenred, detentora da marca Ticket, e realizado pelo Instituto Ipsos.

De acordo com o estudo, 62% dos entrevistados brasileiros esperam que os empregadores considerem o vale-transporte uma prioridade. A preocupação é tanta que o tema chega a superar o aumento salarial, também citado por 40% dos trabalhadores ouvidos pela pesquisa. Além disso, a satisfação com as vantagens oferecidas pelo benefício chega a 67%.

Na análise por faixa etária, os que têm até 30 anos são aqueles que se dizem mais satisfeitos com o VT, num total de 77%. Entre os trabalhadores com mais de 45 anos, a satisfação chega a 63%.

O vale-transporte foi instituído em 1985 pela lei 7.418/1985 como benefício facultativo aos trabalhadores brasileiros. Ele tornou-se obrigatório dois anos depois, com a promulgação da lei 7.619/1987.

Conforme a NTU (Associação Nacional de Transportes Urbanos), desde então, o vale-transporte chegou a responder, na média nacional, por 50% dos meios de pagamento das passagens de transporte público. Atualmente, o índice está em 35%

E, ainda de acordo com o material histórico, na época, o setor de transportes já pedia a atualização das regras que tratam do benefício, em razão do seu potencial como instrumento de política pública da mobilidade urbana, para incentivar o uso do transporte coletivo.

Isso tudo não deixa dúvidas: O Vale-Transporte não só deve estar livre dos atuais riscos, em plena época que vira quarentão, como deve ter as normas legais modernizadas, mas para que seja mais atrativo, protegido e viável.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes



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